Nariz eletrônico identifica
madeiras e pode ajudar no combate à extração ilegal.
por Elton Alisson, da
Agência Fapesp
Agência Fapesp – Pesquisadores do Instituto de
Química da Universidade de São Paulo (IQ-USP) construíram “narizes eletrônicos”
capazes de identificar e classificar – pelo odor – diferentes tipos de madeira
e de plásticos e de detectar precocemente a contaminação de laranja por fungos.
Alguns dos dispositivos foram desenvolvidos por
meio do projeto “Novos polímeros conjugados para células solares e narizes
eletrônicos”, realizado com apoio da FAPESP.
“A tecnologia é muito simples, barata e tem
diversas aplicações”, disse Jonas Gruber, professor do IQ-USP e coordenador do
projeto, à Agência Fapesp.
Os “narizes” são formados por um conjunto de
sensores de gases que mudam a condutividade elétrica de alguns dos materiais de
que são feitos (entre eles, polímeros condutores, um tipo de plástico), na
medida em que interagem com vapores de substâncias voláteis, como aminas,
álcoois, cetonas e compostos aromáticos.
A variação da condutividade elétrica do conjunto
gera um sinal elétrico específico, que é convertido em sinal digital. Um
software de computador lê o sinal e, em questão de segundos, identifica o tipo
de substância volátil em contato com o dispositivo.
“Dependendo da natureza do gás que entra em
contato com o material polimérico dos sensores, a resposta do nariz eletrônico
é diferente”, explicou Gruber.
Um feito em especial permitiu o desenvolvimento
desses narizes. O pesquisador e seu grupo no IQ-USP sintetizaram e
caracterizaram novos polímeros condutores, derivados de duas classes
específicas de polímeros – poli-p-fenilenovinilenos (PPV) e poli-p-xililenos
(PPX) – para construir sensores.
“Fomos os primeiros a empregar PPV em sensores de
gases”, disse Gruber. “As vantagens são o baixo custo de produção e de consumo
de energia e a facilidade de variar as características dos dispositivos
mediante a introdução de mudanças estruturais nas cadeias poliméricas.”
A técnica de construção de sensores adotada pelos
pesquisadores consiste em depositar um filme de polímero condutor da ordem de
centenas de nanômetros (bilionésima parte do metro) sobre uma placa do tamanho
de um chip de celular, com dois eletrodos metálicos interdigitados
(entrelaçados, mas sem contato entre si), de modo a formar um filme conectando
ambos.
Com a exposição a vapores de uma substância
volátil, muda a resistência elétrica do filme. “Cada sensor custa R$ 1 e
usamos, em média, entre quatro e sete sensores nos narizes eletrônicos”, disse
Gruber.
Identificação de madeira
Um desses dispositivos foi desenvolvido para
identificar e classificar diferentes tipos de madeira. A ideia é que ele possa
ser utilizado em ações de fiscalização e combate à extração ilegal de madeira
de espécies de árvores ameaçadas de extinção nas florestas tropicais
brasileiras.
Muitas vezes é difícil distinguir madeiras cuja
exploração é proibida, como o mogno (Swietenia macrophylla), de outras
semelhantes, como o cedro (Cedrela odorata), cuja exploração é permitida.
Como as duas espécies são semelhantes, o mogno
acaba sendo extraído e vendido como cedro, explicou Gruber.
“Ao olhar as árvores do mogno e do cedro é
possível diferenciá-las. Mas, depois de cortadas, só se consegue diferenciá-las
por meio de análises histológicas [dos tecidos vegetais] feitas em laboratório
por um botânico”, disse.
O nariz eletrônico facilita o trabalho de
identificação desses e de outros tipos de madeira – como imbuia (Ocotea porosa)
e canela-preta (Ocotea catharinensis). É preciso apenas raspar um pedaço do
tronco para que ele libere compostos voláteis que são identificados em menos de
um minuto pelo conjunto de sensores.
“Como o cedro e o mogno são espécies diferentes e
pertencem a gêneros distintos, o nariz eletrônico é capaz de identificá-los com
100% de acerto”, disse o pesquisador. “Já no caso da canela e da imbuia –
madeiras de espécies diferentes, mas que pertencem a um mesmo gênero –, a
dificuldade é um pouco maior. Mesmo assim, o índice de acerto é de 95%.”
Cachaça envelhecida
O nariz eletrônico para identificação de madeira
acabou despertando o interesse de pesquisadores do Laboratório para o
Desenvolvimento da Química da Aguardente (LDQA), do Instituto de Química de São
Carlos da USP, para diferenciar cachaças envelhecidas em tonéis de carvalho ou
em tonéis de madeiras menos nobres.
Segundo Gruber, as cachaças de tonéis de carvalho
têm sabor e odor mais apreciados pelos consumidores e, consequentemente, são
vendidas a preços mais altos. Importada do Canadá, no entanto, a
comercialização da madeira de carvalho é controlada.
Com isso, cachaças envelhecidas em tonéis de
madeira nacional, feitos de jatobá, jacarandá, jequitibá ou imbuia, podem estar
sendo comercializadas no mercado brasileiro como se tivessem sido envelhecidas
em carvalho, contou o pesquisador.
“Há destilarias que declaram no rótulo que a
cachaça foi envelhecida em jatobá e a vendem a um preço mais baixo do que a de
carvalho”, disse Gruber. “Mas também podem existir no mercado cachaças
envelhecidas em madeira nacional, com a declaração no rótulo de que foram em
carvalho, com preço de até R$ 200 a garrafa.”
A fim de evitar que o consumidor compre “gato por
lebre”, os pesquisadores adaptaram o nariz eletrônico do IQ para a análise de
amostras de cachaça. “O dispositivo consegue ‘cheirar’ uma cachaça e
identificar em que tipo de madeira a bebida foi envelhecida”, afirmou Gruber.
Esse nariz eletrônico em especial foi
desenvolvido durante o projeto de pós-doutorado “Distinção de extratos
hidroalcoólicos de madeiras e acompanhamento dos estágios de envelhecimento
empregando sensores de gases, cromatografia em fase gasosa (GC-MS) e análise
multivariada”, realizado com Bolsa da FAPESP.
Identificação de plásticos
Os pesquisadores de São Paulo também
desenvolveram um dispositivo para a identificação de plásticos para reciclagem.
De acordo com Gruber, os diversos tipos de
plásticos, como PVC, polietileno e polipropileno, não podem ser misturados ao
serem destinados para reciclagem porque possuem resinas incompatíveis entre si.
Uma das técnicas utilizadas para identificar e
classificar plásticos, segundo o pesquisador, é a aplicação de análises
espectroscópicas no infravermelho em amostras de plástico dissolvidas em
solventes apropriados.
A análise, contudo, precisa ser feita em
laboratório por profissionais capacitados a operar um espectrômetro na região
do infravermelho. Já o nariz eletrônico desenvolvido identifica o tipo de
plástico pelos gases emanados na combustão do plástico.
Os pesquisadores construíram uma pequena câmara
de combustão na qual é colocada uma amostra da ordem de 300 miligramas do
plástico para ser incinerada.
O dispositivo “cheira” a fumaça emitida na queima
e aponta o tipo de plástico pelos compostos voláteis gerados na combustão.
“Enquanto o polietileno produz gás carbônico e
água durante a combustão, uma poliamida como náilon, por exemplo, produz, além
de gás carbônico e água, também óxidos de nitrogênio. O nariz eletrônico
percebe essas diferenças”, explicou Gruber.
Contaminação por fungos
Os pesquisadores também desenvolveram um nariz
eletrônico que detecta precocemente a contaminação de laranjas (após a
colheita) pelo fungo Penicillium digitatum.
Essa espécie, junto com a Elsinoe australis e a
Guignardia citricarpa, causa grandes prejuízos econômicos aos países que são
grandes produtores de cítrus, como o Brasil, disse Gruber.
O nariz eletrônico consegue detectar a
contaminação de laranjas por esse fungo enquanto as frutas estão nos silos,
antes que seja visível.
“O dispositivo detecta a contaminação já no
segundo dia e, em questão de segundos, identifica a infecção da laranja pelo
fungo pelos metabólitos voláteis emitidos por ele”, disse Gruber.
Comercialização
De acordo com Gruber, alguns dos narizes
eletrônicos desenvolvidos por seu grupo estão protegidos por patentes. A ideia
é que empresas interessadas licenciem a tecnologia para produzi-los e
comercializá-los.
“Nosso objetivo é fazer narizes eletrônicos de
baixo custo. Já existem dispositivos vendidos comercialmente que chegam a
custar US$ 20 mil”, disse. Segundo o pesquisador, um dos motivos para o preço
elevado é o fato de possuírem entre 20 e 30 sensores e não terem aplicações
específicas.
“Como desenvolvemos narizes eletrônicos para
aplicações mais específicas, podemos reduzir o número de sensores em sua
composição e, com isso, barateamos muito a produção”, disse Gruber.
O artigo New composite porphyrin-conductive
polymer gas sensors forapplication in electronic noses (doi:
10.1016/j.snb.2013.11.022), de Gruber e outros, pode ser lido na revista
Sensors and Actuators B:Chemical em www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0925400513013646.
E o artigo A conductive polymer based electronic
nose for early detection of Penicillium digitatum in post-harvest oranges(doi:
10.1016/j.msec.2013.02.043), também de Gruber e outros, pode ser lido na
revista Materials Science and Engineering C em www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0928493113001434.
Fonte: Agência
Fapesp
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