Os países devem compartilhar os
recursos marinhos oceânicos.
por
Palitha Kohona*
Um tipo de plâncton desconhecido visto de um
submarino no Golfo do México, em 2005. Foto: Dr. Mijaíl Matz/domínio público.
Nações Unidas, 3/2/2015 – Depois de quase dez anos
de negociações frequentemente frustrantes, o Comitê Especial da ONU sobre a
Diversidade Biológica Fora das Zonas de Jurisdição Nacional decidiu, por
consenso, iniciar um processo que redigirá um instrumento internacional
juridicamente vinculante para a conservação e o uso sustentável dessa diversidade.
Em consequência, a Assembleia Geral da Organização
das Nações Unidas (ONU) adotaria uma resolução no verão boreal de 2015, para a
criação de um comitê preparatório para começar a trabalhar em 2016. Esse comitê
proporá os elementos de um tratado em 2017, que seria adotado por uma
conferência intergovernamental.
O Grupo de Trabalho Especial, criado em 2006, se
reúne periodicamente desde então. Pela primeira vez, em 2010 adotou uma série
de recomendações elaboradas metodicamente até a decisão transcendental do dia
24 de janeiro. Essa decisão terá um impacto significativo na maior fonte de
biodiversidade do planeta.
O compromisso político da comunidade mundial com a
diversidade biológica fora das zonas de jurisdição nacional (BBNJ) está
claramente expressa no O Futuro Que Queremos, o documento final da
conferência Rio+20 adotado em 2012, em grande parte devido à insistência de um
grupo de países que incluiu Argentina, Sri Lanka, África do Sul e os do bloco
da União Europeia.
O mesmo reconheceu a importância de um mecanismo
mundial adequado para o manejo sustentável da BBNJ. Em 2013, a resolução
A/69/L.29 da Assembleia Geral autorizou o Grupo de Trabalho Especial a
apresentar recomendações sobre o alcance, os parâmetros e a viabilidade de um
instrumento internacional em virtude da Convenção sobre o Direito do Mar
(Convemar).
Nos últimos anos, nossa compreensão da BBNJ avançou
de exponencialmente. A imperiosa necessidade de conservar e utilizar de maneira
sustentável essa vasta e incalculável base de recursos agora é universalmente
reconhecida.
A água cobre 70% do planeta. O meio marinho
constitui mais de 90% do volume da biosfera terrestre e nutre muitos
ecossistemas complexos que são importantes para manter a vida na terra. Dois
terços desse meio estão em zonas fora da jurisdição nacional. A contribuição
dos oceanos para a economia mundial é calculada em milhares de milhões de
dólares.
Embora haja centenas de milhares de formas de vida
marinha conhecidas, alguns cientistas sugerem que haveria outros milhões que
nunca conheceremos. Estas, incluídos os recursos genéticos, poderiam
proporcionar enormes benefícios à humanidade no desenvolvimento de medicamentos
vitais, entre outros exemplos.
Com o aumento da pesquisa e da exploração dos
recursos genéticos marinhos, cada vez mais patentes se apresentam anualmente
referidas aos mesmos, com um valor estimado em milhares de milhões de dólares.
É evidente que a humanidade deve conservar os recursos dos oceanos e de seus
ecossistemas e utilizá-los de forma sustentável, o que inclui o desenvolvimento
de novas substâncias.
Ao mesmo tempo, o meio marinho enfrenta desafios
sem precedentes. Sobrepesca, contaminação, mudança climática, clareamento do
coral e aquecimento e acidificação dos oceanos, para citar alguns, representam
uma grave ameaça para os recursos biológicos marinhos. Muitas comunidades e
meios de vida que dependem deles estão em risco.
Enquanto 2,8% dos oceanos do mundo são zonas
marinhas protegidas, apenas 0,79% das mesmas estão fora da jurisdição nacional.
Nos últimos tempos, essas áreas se converteram em um ativo importante nos
esforços mundiais para conservar as espécies, os habitats e os ecossistemas em
perigo. Enquanto a gestão das zonas dentro das jurisdições nacionais é um
assunto que cabe principalmente aos Estados, as áreas externas são o centro do
desafio que o Grupo de Trabalho Especial da ONU enfrenta.
Os países do Sul em desenvolvimento insistem em que
os benefícios, incluídos os financeiros, dos produtos desenvolvidos a partir
dos recursos genéticos marinhos extraídos das zonas fora da jurisdição nacional
devem ser compartilhados equitativamente. Pode-se dizer que a ideia que
sustenta essa proposta é uma evolução do conceito de patrimônio comum da
humanidade incorporado na Convemar.
O Grupo de Trabalho Especial reconheceu que a
Convemar, qualificada com a Constituição dos oceanos, serviu de marco jurídico
geral para os oceanos e os mares. Evidentemente, havia muita coisa que o mundo
ignorava quando essa convenção foi aprovada, em 1982.
Dada à compreensão consideravelmente melhor que a
humanidade tem dos oceanos atualmente, sobretudo nas zonas fora da jurisdição
nacional, a maioria dos participantes do Grupo de Trabalho Especial defendeu um
novo instrumento juridicamente vinculante que abordasse a questão da BBNJ. A
decisão do dia 24 de janeiro insiste que não se deve prejudicar os mandatos dos
instrumentos e marcos internacionais e regionais existentes, que se evite a
duplicação e se mantenha a coerência com a Convemar.
O desafio que aguarda a comunidade internacional na
próxima etapa é identificar com cuidado as áreas que o instrumento proposto
abarcará, com o fim de otimizar o objetivo da conservação da biodiversidade
marinha. Deve contribuir para aumentar a resiliência oceânica, proporcionar uma
proteção integral para as áreas ecológica e biologicamente importantes, e dar
tempo aos ecossistemas para sua adaptação.
É necessário redigir com delicadeza o contexto para
compartilhar os benefícios da pesquisa e os avanços em relação aos organismos
marinhos. As empresas privadas que investem neste âmbito preferem a segurança
jurídica e normas viáveis claras. O instrumento internacional deve fixar um
contexto que inclua uma visão estratégica que contenha as aspirações dos países
industrializados e em desenvolvimento, particularmente na área da distribuição
de benefícios.
Facilitar o intercâmbio de informação entre os
Estados será essencial para alcançar os mais altos padrões na conservação e no
uso sustentável da biodiversidade marinha, especialmente para os países em
desenvolvimento. Estes necessitarão de uma constante capacitação para
contribuírem eficazmente com a meta do uso sustentável desses recursos e para
se beneficiarem dos avanços científicos e tecnológicos. Envolverde/IPS
* Palitha Kohonam é embaixador do Sri Lanka
junto à ONU, copresidente do Grupo de Trabalho Especial Sobre a Diversidade
Biológica Fora da Jurisdição Nacional junto com Liesbeth Linzaad, dos Países
Baixos.
Fonte: ENVOLVERDE
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