Câmara aprova texto principal de
projeto sobre recursos genéticos com retrocessos.
por
Oswaldo Braga de Souza, do ISA
Votação de destaques está marcada para a tarde
desta terça (10/2), mas há poucas chances de mudanças importantes no projeto.
Texto traz várias restrições aos direitos de povos indígenas e tradicionais.
A Câmara aprovou, na noite de ontem (9/2), o
substitutivo do Projeto de Lei (PL) 7.735/2014 do deputado ruralista Alceu
Moreira (PMDB-RS), que pretende facilitar o acesso de pesquisadores e indústrias
aos recursos genéticos e conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade
e à agrobiodiversidade. O projeto trancava a pauta do plenário há mais de sete
meses.
Um acordo costurado pelo presidente da Câmara,
Eduardo Cunha (PMDB-RJ), permitiu a votação do texto principal, deixando a
análise dos destaques para a tarde de hoje. A perspectiva de alteração
substancial da proposta nessa nova votação é pequena. Depois disso, o PL segue
para o Senado.
O petista Alessandro Molon tenta negociar mudanças
no substitutivo do PL 7.735 com os ruralistas Nílson Leitão (E) e o relator
Alceu Moreira (D) | Luís Macedo – Agência Câmara.
A proposta traz uma série de retrocessos para povos
indígenas e tradicionais. Por exemplo, não prevê que essas populações possam
negar o acesso a seus conhecimentos e restringe seu direito à repartição dos
benefícios oriundos da exploração econômica desses conhecimentos.
Segundo o texto aprovado ontem, essas comunidades
só terão direito a alguma compensação se o conhecimento tradicional for
“elemento principal de agregação de valor” do produto desenvolvido a partir
dele e se este produto for incluído numa lista que será elaborada por alguns
ministérios. Além disso, produtos desenvolvidos com base em acesso a
conhecimentos tradicionais realizado antes de junho de 2000 também estarão
isentos de repartir benefícios com essas populações (leia análise do ISA sobre
o projeto).
Ruralistas comemoram
Os ruralistas comemoraram a aprovação do
substitutivo, que prevê isentar produtores rurais do pagamento de royalties
pelo uso de sementes de espécies exóticas de commodities introduzidas no País,
como soja, milho e arroz.
“Tudo o que foi possível ser colocado para
preservar os interesses das comunidades tradicionais foi colocado”, defendeu
Moreira, que rejeitou as mais de 170 emendas apresentadas ao PL até então (mais
50 foram apresentadas no plenário ainda ontem). “Em toda a construção do texto
o governo participou de cada detalhe”, informou.
Apenas PT, PSOL, PCdoB e PV votaram contra o
substitutivo. O líder do governo, deputado José Guimarães (PT-CE), liberou a
base aliada para a votação do texto, finalizado, no final do ano passado, por
representantes de ministérios, ruralistas e empresários, sem participação de
povos indígenas e tradicionais e organizações da sociedade civil.
O secretário de Biodiversidade e Florestas do
Ministério do Meio Ambiente, Roberto Cavalcanti, disse que estava otimista com
a aprovação do substitutivo. “O assunto vinha sendo discutido há muito tempo e
é importante que se avance”, comentou.
Deputados como Ivan Valente (PSOL-SP), Chico
Alencar (PSOL-RJ), Sarney Filho (PV-MA) e Alessandro Molon (PT-RJ) voltaram a
denunciar que representantes de povos indígenas e tradicionais não foram
ouvidos na elaboração do projeto (leia carta dos movimentos sociais).
Alceu Moreira alegou que a Fundação Nacional do
Índio (Funai) foi ouvida e representa os índios e que integrantes de populações
tradicionais também foram consultados. “Que tipo de discussão queriam? Que eu
fosse fazer uma assembleia geral no meio de uma tribo? E o que tiraria dali? Nós
imaginamos que o grau de representação naquela mesa [de negociação] era
suficiente e responsável para representar quem devia estar lá?”, afirmou.
O que são os recursos genéticos?
Os recursos genéticos da biodiversidade são
encontrados em animais, vegetais ou micro-organismos, por exemplo, em óleos,
resinas e tecidos, encontrados em florestas e outros ambientes naturais. Já os
recursos genéticos da agrobiodiversidade estão contidos em espécies agrícolas e
pastoris. Comunidades de indígenas, quilombolas, ribeirinhos e agricultores
familiares, entre outros, desenvolvem e conservam, por décadas e até séculos,
informações e práticas sobre o uso desses recursos.
Tanto o patrimônio genético quanto esses
conhecimentos servem de base para pesquisas e produtos da indústria de
remédios, sementes, gêneros alimentícios, cosméticos e produtos de higiene. Por
isso, podem valer milhões em investimentos. O Brasil é a nação com maior
biodiversidade do mundo e milhares de comunidades indígenas e tradicionais, por
isso é alvo histórico de ações ilegais de biopirataria, crime que o PL 7.735
também pretende coibir e punir.
Fonte: Instituto Socioambiental
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