O calor e a seca que continuará:
que fazer?
por
Washington Novaes*
Foto: UN Photo/Martine Perret
Acendem-se muitos sinais de alerta diante de
notícias como a de que 2014 foi o ano mais quente desde quando se registram
temperaturas no planeta (1880), diz a National Oceanic and Atmospheric
Administration, a agência meteorológica dos Estados Unidos. Os dez anos mais
quentes aconteceram após 2000, com uma única exceção: 2015 tende a ser ainda
mais quente, pois neste ano teremos o fenômeno El Niño, que aquece as águas do
Pacífico e influi na atmosfera continental – o que não se verificou em 2014.
O aumento das emissões de poluentes para a
atmosfera foi muito forte e ao lado da formação de “ilhas de calor” em áreas
urbanas muito adensadas já é causa bem estudada de eventos problemáticos, dizem
os cientistas do Instituto Climatempo. Assim como o aumento do desmatamento no
País, principalmente na Amazônia, e a ocupação de novas áreas pela pecuária e
pela agricultura. E tudo isso nos coloca entre os países que mais contribuem
para mudanças no clima.
Outro estudo, de 18 cientistas respeitados
(ScienceXpress, 15/1), adverte que mudanças no clima e perdas na biodiversidade
podem “levar o planeta Terra a um novo estágio, se a ultrapassagem de limites
continuar ocorrendo”, afetando mesmo a camada de ozônio e intensificando a
acidificação dos oceanos. Na verdade, dizem eles, deveríamos até, ao calcular a
evolução do produto econômico no mundo, incorporar o que acontece em terra, na
água, no ar.
A Organização das Nações Unidas para a Alimentação
e a Agricultura (FAO) dá-lhes razão, ao lembrar que, como a população terrestre
vai chegar a 9 bilhões até 2050, nas próximas décadas precisaremos aumentar a
produção de alimentos em 60% (para atender inclusive aos 40% da população que
vive abaixo do nível de pobreza fixado pela ONU), aumentar a produção de
energia em 50% e a utilização de recursos hídricos em 40%. E tudo sem aumentar
a degradação – o que exigirá modos de viver adequados às possibilidades do
planeta.
Deveríamos também, todos, ler o relatório O Futuro Climático da Amazônia,
do professor Antônio Donato Nobre, pesquisador no Inpe, MCT e Inpa, produzido
para a Articulação Regional Amazônica. Ele chama a atenção para os efeitos
devastadores do desmatamento na Amazônia e sua influência muito forte em todo o
País, inclusive para quem vive nas áreas urbanas. E destaca alguns ângulos da
questão:
1) A capacidade da Floresta Amazônica de contribuir
decisivamente para manter a umidade do ar naquele bioma e em outras partes
distantes; as árvores extraem água pelas raízes, levam-na para as folhas, que
jogam o líquido, evaporado, para a atmosfera; isso leva a que uma árvore de
grande porte contribua a cada dia com o equivalente a mil litros de água – o
que se traduz em quase 20 bilhões de toneladas de ar diárias evaporadas pela
floresta, mais que o aporte diário de água para o Rio Amazonas; e que equivale,
em energia solar, a mais do que toda a energia gerada por uma usina como
Itaipu.
2) Esse processo leva a um rebaixamento da pressão
atmosférica sobre a floresta, que suga o ar úmido que está sobre o oceano para
dentro do continente, mantendo as chuvas “em quaisquer circunstâncias”.
3) No processo a Amazônia também exporta “rios
aéreos de vapor”, que transformam a água transportada em “chuvas fartas que
irrigam regiões distantes no verão hemisférico”; o processo florestal também
distribui e dissipa a energia transportada nos ventos que chegam e impede a
formação de “eventos climáticos extremos”, como furacões e similares.
Mas todo esse processo está em risco. Até 2013 o
desmatamento na Amazônia chegou a quase 763 mil km2. Se forem somadas as áreas
onde ocorreu a “degradação florestal”, serão mais 1,2 milhão de km2 – chegando
o total final a quase 2 milhões de km2.
A tudo isso ainda se podem somar as perdas no Cerrado (mais de 50% da área já desmatada), na Mata Atlântica e em outros biomas. A impermeabilização do solo do Cerrado com o desmatamento impede que a água se infiltre – e se reduz a capacidade de geração de fluxos para as três grandes bacias brasileiras.
Cinco passos essenciais são apontados por Antônio
Nobre e outros cientistas:
1) Ter uma estratégia de “guerra à ignorância”
quanto às questões das chuvas e da Amazônia;
2) conseguir, com políticas competentes e
obrigatórias, chegar ao desmatamento zero na Amazônia;
3) abolição do uso do fogo;
4) estratégias de recomposição de espaços das
florestas;
5) conscientizar as “elites” de seu papel decisivo
no processo.
Se o Brasil tivesse cumprido o Plano Nacional de
Mudanças Climáticas, aprovado em 2009, dizem os estudos, estaríamos chegando já
em 2015 ao desejado desmatamento zero. Mas, como diz o dirigente do Instituto
SocioAmbiental, Beto Ricardo, todos os projetos multilaterais para a Amazônia
são “ridículos”.
Então, será decisivo impedir que o desmatamento
propicie a expansão de pastagens (com o aumento das emissões de metano), é
preciso mudar os caminhos da pecuária. Repensar nossos formatos de mobilidade
urbana, para reduzir as emissões de poluentes por veículos. Tratar com
competência a área de energia e não utilizar fontes térmicas, altamente
poluentes, como o carvão. Sempre lembrando o que é conclusão quase unânime na
Convenção do Clima: teremos de reduzir em 80% o uso dos chamados “combustíveis
fósseis”.
Nas cidades, onde as “ilhas de calor” causadas pelo
adensamento atraem chuvas problemáticas, vale a pena enfatizar o recente “apelo
à população” feito pelo diretor executivo da Rede Nossa São Paulo, Oded Grajew:
“A cidade de São Paulo está diante de uma catástrofe social, econômica e
ambiental sem precedentes (…). A Cantareira pode secar em 60 dias (…). Estamos
acomodados e tranquilos num Titanic, sem nos dar conta do iceberg que está se
aproximando”.
É tempo de juízo.
* Washington Novaes é jornalista.
Fonte: O Estado de S. Paulo
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