Inundações na África ferem a
dignidade de mulheres e meninas.
por
Michael Charles e Julitta Onabanjo, da IPS
Inundações no Malawi. Foto: Cortesia da Sociedade
da Cruz Vermelha do Malawi.
Nações Unidas, 6/2/2015 – As inundações do rio
Zambezi tiveram consequências devastadoras para três países da África austral:
Malawi, Moçambique e Zimbábue. Perdeu-se gado afogado, os cultivos ficaram
submersos ou foram arrasados pela água e a infraestrutura sofreu graves danos.
E, o pior, foram perdidas centenas de vidas humanas, e a dignidade de mulheres
e meninas está em risco.
No Malawi, cerca de 638 mil pessoas sofrem as
consequências das inundações, o que levou o presidente do país, Peter
Mutharika, a declarar estado de desastre; outras 174 mil tiveram que abandonar
suas casas em três dos 15 distritos mais afetados. Também houve 79 mortos e 153
desaparecidos. Ainda não há dados discriminados por idade e sexo, mas estima-se
que cerca de 330 mil das 638 mil abrigados nos acampamentos são mulheres, e há
cerca de 108 mil jovens.
No Zimbábue, a situação também é crítica. Segundo a
informação inicial, há cerca de seis mil pessoas (aproximadamente 1.200
famílias) afetadas, das quais 2.500 (500 famílias) necessitam de ajuda urgente.
Estima-se que entre 40% e 50% são mulheres ou meninas. Mais de dez pessoas se
afogaram e muitas outras ficaram feridas ou sem teto.
Em Moçambique, em quase todas as 11 províncias
caíram abundantes chuvas. A província central de Zambezia sofreu a pior parte,
pois uma ponte que liga o centro com o norte do país ficou destruída pelas
inundações no distrito de Mocuba. Niassa e Nampula também sofreram muitos
danos. Essas três províncias estão entre as mais pobres do país. Para as
pessoas mais vulneráveis, especialmente, mulheres, meninas e meninos, o impacto
das inundações pode ser devastador.
Cerca de 120 mil pessoas, ou cerca de 24 mil
famílias, foram afetadas pelas enchentes: morreram 64 pessoas devido a
inundações, raios e desmoronamentos de casas, e mais de 50 mil precisam de
algum abrigo. Outras fugiram para o vizinho Malawi. Pelo menos 700 das 2.500
que fugiram já foram repatriadas.
Moçambique sofre inundações recorrentes. O Fundo de
População das Nações Unidas (UNFPA) ajuda o governo e outras agências a
redobrar esforços para preservar a dignidade de mulheres e meninas. As iniciativas
incluem pacotes com insumos de saúde reprodutiva e higiene, e para prevenção da
violência de gênero. Como na maioria das crises humanitárias, mulheres, meninas
e meninos são os mais afetados.
Em Moçambique, por exemplo, cerca de mil órfãos e
mais de cem mulheres grávidas e meninas necessitam atenção urgente. Imagine ser
uma mulher grávida resgatada pelo ar de uma área alagada e levada a um
acampamento sem parteira nem equipamento de esterilização nem suprimentos
médicos para lhe garantir um parto seguro. Esta é a situação que sofrem
inúmeras mulheres grávidas.
Apesar dos esforços para atender as necessidades de
segurança alimentar e infraestrutura das vítimas, as mulheres e as meninas são
especialmente vulneráveis à exploração e à degradação de sua dignidade, e
merecem uma atenção adequada.
No Malawi, cerca de 315 mulheres grávidas foram
identificadas nos distritos mais afetados. Entre 10 e 24 de janeiro, houve 88
partos em 62 acampamentos nessas áreas. Desses partos, 24 foram de mães
adolescentes entre 15 e 19 anos, como foi divulgado pelo distrito de Phalombe,
onde a gravidez adolescente em geral é alta.
As mulheres que vivem nos acampamentos de
refugiados temem sofrer violência de gênero, violação e outro tipo de abuso
sexual. Já houve várias denúncias. Em um dos distritos as autoridades
registraram 124 casos. O desenho dos acampamentos e a localização dos banheiros
são fatores que contribuem para a violência de gênero. “Os banheiros estão
longe de onde dormimos. Tememos ir até lá à noite, por medo de sermos
violentadas. Se estivessem mais perto, nos ajudaria”, disse uma mulher no
acampamento de Bangula.
A higiene e a dignidade pessoais são um grande
desafio para as mulheres e as jovens, especialmente as adolescentes. No
acampamento de Tchereni, no Malawi, uma delas confessou: “perdi tudo durante as
inundações e meu maior desafio é como enfrentar a menstruação”. Mulheres e
meninas compartilham produtos sanitários, o que compromete seriamente sua saúde
e dignidade.
Para atender as necessidades em matéria de saúde
sexual e reprodutiva das populações afetadas, o UNFPA do Malawi recrutou e
distribuiu coordenadores de gênero e saúde reprodutiva de tempo integral para
apoiar as autoridades na gestão desse assunto, da violência de gênero e do
HIV/aids nos acampamentos.
O UNFPA também distribuiu pacotes com produtos para
prevenção da saúde reprodutiva, bem como medicamentos e suprimentos médicos
para oferecer partos seguros, incluindo as cesarianas, e atender complicações
relacionadas com a gravidez e o parto em seis distritos e dois hospitais
centrais nas áreas afetadas. Foram entregues cerca de 300 pacotes e adquiridos
outros dois mil, metade dos quais praticamente já foram entregues entre
mulheres em idade reprodutiva em alguns dos distritos mais afetados, para que
possam viver com dignidade em uma situação de crise.
A Federação Internacional das Sociedades da Cruz
Vermelha e da Meia-Lua Vermelha lançaram um apelo de emergência no valor de US$
2,91 milhões para ajudar a Meia-Lua Vermelha do Malawi a redobrar sua resposta
à emergência, que inclui uma detalhada avaliação das necessidades das regiões
afetadas, a compra e distribuição de alimentos e materiais de construção, bem
como o fornecimento de água e de serviços de saúde.
Um processo semelhante foi aplicado para Moçambique
e Zimbábue, para salvar mais vidas oferecendo assistência imediata às pessoas
necessitadas. Mas, como sócios que trabalhamos juntos para atender os numerosos
problemas que sofrem as vítimas, e os alertas de mais riscos de inundações, não
podemos desatender a difícil situação das mulheres e meninas.
Nas situações de crise humanitária, em especial, a
dignidade, os direitos e a saúde reprodutiva da população feminina merecem toda
nossa atenção.
* Julitta Onabanjo é diretora
regional do Fundo de População das Nações Unidas para a África austral e
oriental. Michael Charles é oficial encarregado da representação
regional da Federação Internacional das Sociedades da Cruz Vermelha e da
Meia-Lua Vermelha para a África austral.
Fonte: ENVOLVERDE
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