sábado, 28 de fevereiro de 2015

Brasil não é país para os sem terra em tempos de Dilma.
por Fabíola Ortiz, da IPS
Camponeses do Movimento de Trabalhadores Rurais Sem Terra reclamam contra concentração de terras no Brasil, durante ato de apoio à ocupação parcial da Agropecuária Santa Mônica, a 150 quilômetros de Brasília, no dia 21. Foto: Cortesia do MST.

Rio de Janeiro, Brasil, 25/2/2015 – O Brasil se mantém como um dos países do mundo com maior concentração de terras e cerca de 200 mil camponeses continuam sem ter uma área para cultivar, em um problema que o primeiro governo da presidente Dilma Rousseff fez muito pouco para aliviar.

A Comissão Pastoral da Terra (CPT) realizou um balanço dos fatos ocorridos no período 2011-2014, que mostra que nesse quadriênio aconteceram os piores indicadores em matéria de reforma agrária dos últimos 20 anos, disse à IPS Isolete Wichinieski, uma de suas coordenadoras. “Historicamente, existe alta concentração de terras no Brasil”, afirmou, mas o preocupante é que, durante o primeiro mandato de Dilma, “a terra se concentrou ainda mais”.

“Houve uma redução dos números de novos assentamentos rurais ou de titulação de territórios indígenas e de quilombos (comunidades de descendentes de escravos africanos), sendo que, por outro lado, aumentou o investimento no agronegócio”, assegurou Wichnieski.

Os movimentos sociais alimentavam a esperança de que Dilma, do esquerdista Partido dos Trabalhadores, como seu antecessor, Luis Inácio Lula da Silva (2003-2011), tomasse a democratização da terra como bandeira. Mas a política econômica de seu governo se voltou para os incentivos à agroindústria, à mineração e a grandes projetos de infraestrutura.

Segundo o documento da CPT, no primeiro mandato de Dilma foram assentadas 103.746 famílias, o que resulta um dado enganoso, porque 73% delas correspondem a processos que já estavam em andamento antes e haviam sido quantificadas em anos anteriores. Se forem computadas apenas as novas famílias assentadas em novas áreas, o número cai para 28 mil. Em particular, durante 2014, o governo reconhece ter regularizado apenas 6.289 famílias, um número considerado insignificante pela CPT.

A partir de 1995 foi dado um renovado impulso à reforma agrária, com um Ministério especial vinculado à Presidência e outros instrumentos legais, em grande parte forjados por pressão em todo o país do Movimento de Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Como resultado, no mandato de Fernando Henrique Cardoso (1995-2003) foram assentadas 540.704 famílias, número que subiu para 614.088 nos dois mandatos de Lula, segundo o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), que afirma que neste século foram criados 9.128 assentamentos rurais.
Parte do acampamento Dom Tomás Balduíno, com suas barracas na margem do rio que atravessa a Agropecuária Santa Mônica e os primeiros cultivos semeados nos 400 hectares ocupados por camponeses brasileiros sem terra. Foto: Cortesia do MST.

Para que a reforma agrária seja efetiva, argumenta a CPT, é preciso criar novos assentamentos e reduzir a concentração da propriedade rural nesse país de 202 milhões de pessoas. Mas não se acredita que Dilma avançará nessa direção, admitiu Wichinieski.

A questão da reforma agrária não fez parte da campanha eleitoral que levou a presidente à reeleição em outubro e a nova composição do governo inclui nomes da bancada ruralista do Congresso, como são definidos os parlamentares vinculados ao poderoso setor do agronegócio. A ministra da Agricultura é a senadora e presidente da Confederação Nacional da Agricultura, Kátia Abreu. Em uma entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, no dia 5 deste mês, surpreendeu ao assegurar que já não há latifúndios no Brasil.

“Kátia Abreu tem visões retrógradas sobre a agricultura, nega a existência do trabalho forçado no campo, não se preocupa pela preservação do ambiente e argumenta a favor do uso intensivo de agroquímicos na produção de alimentos”, criticou Wichinieski.

O conflito pela terra se intensifica, de acordo com a CPT, ao vincular-se com a expansão da pecuária e das monoculturas, como soja, cana-de-açúcar, milho e algodão, e onde há um alto componente especulativo no manejo dos grandes latifúndios, com fortes ligações com os políticos.

Esse parece ser o caso da fazenda Agropecuária Santa Mônica, de mais de 20 mil hectares, a 150 quilômetros de Brasília, no Estado de Goiás e ocupada parcialmente pelo MST. A propriedade, qualificada pelas autoridades como produtiva, pertence ao senador Eunício Oliveira, o político com maior número de bens registrados no Brasil, entre os que aspiraram governar algum Estado nas últimas eleições.

No Senado, Oliveira lidera o PMDB, principal aliado legislativo de Dilma. Também foi ministro das Comunicações de Lula no biênio 2004-2005 e no ano passado perdeu as eleições para governador do Estado do Ceará.
Os ocupantes de 400 hectares do latifúndio de Santa Mônica vendem seus produtos agroecológicos nos municípios vizinhos. Com eles promovem a agricultura familiar e sem pesticidas. Foto: Cortesia do MST.

Valdir Misnerovicz, um dos dirigentes do MST, afirmou à IPS que essa fazenda é improdutiva e sua finalidade é a especulação. Localizada estrategicamente entre os municípios de Alexânia, Abadiânia e Corumbá, a Santa Mônica representa a maior ocupação de terra promovida pelo MST nos últimos 15 anos. Tudo começou em 31 de agosto de 2014, quando três mil famílias rumaram a pé e em 1.800 veículos para a fazenda e a ocuparam por várias horas.

Desde então, mais de dois mil homens, mulheres, crianças e idosos controlam 400 hectares da propriedade e resistem em um precário acampamento, decididos a conseguir um pedaço de terra para cultivar. Essa é uma da estratégias do MST, ressaltou Misnerovicz. “Ocupamos grandes áreas improdutivas. No acampamento produzimos alimentos diversificados como hortaliças, mandioca, milho arroz, feijão e abóbora. Todas as famílias plantam alimentos saudáveis em hortas comunitárias agroecológicas e sem químicos”, acrescentou.

As barracas do acampamento Dom Tomás Balduíno se amontoam na margem do rio que atravessa a propriedade, que engloba 90 parcelas de terra que foram adquiridas ao longo de duas décadas pelo senador. “No dia em que entramos, tentaram nos impedir, mas éramos milhares de pessoas. Nunca vamos armados. Nossa força é o número de camponeses que nos acompanham”, ressaltou Misnerovicz.

Em novembro, um tribunal decidiu a favor do direito de recuperação por Oliveira da propriedade, que até agora está em suspenso. O dirigente confia que, apesar do risco de despejo dos camponeses, se consiga que a fazenda Santa Mônica seja expropriada para fins de reforma agrária. Misnerovicz assegurou que o próprio governo incentiva os camponeses ocupantes a prosseguirem com as negociações.

“Ali seria possível, ao final de um ano, realizar o maior assentamento dos últimos tempos no Brasil. Em janeiro estivemos com a presidente Dilma, que manifestou o compromisso de um plano de metas de assentamento para famílias acampadas em todo o país”, contou Misnerovicz. O Incra evita se pronunciar sobre o caso específico, mas recordou que, por lei, “todos os bens ocupados estão impedidos de serem inspecionados para sua avaliação com vistas a destinação à reforma agrária”.

O administrador da Santa Mônica, Ricardo Augusto, assegurou à IPS que a área invadida é uma propriedade agrícola onde se cultiva soja, milho e feijão. “A compra da propriedade foi registrada em cartório. O MST falta com a verdade. Defendemos uma solução negociada e pacífica. Terras produtivas e invadidas não podem ser expropriadas, e não há interesse em vender a propriedade”, destacou.

Porém, João Pedro, dono de uma parcela em um município vizinho à Santa Mônica, vê de modo diferente a situação. Durante um ato em favor da ocupação, no dia 21 deste mês, nas imediações do acampamento, o camponês afirmou que as famílias acampadas buscam cumprir o que dizem as leis brasileiras: “a terra tem uma função social, e é só isso que queremos, que seja aplicada a Constituição”.


Fonte: ENVOLVERDE

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