Tribunal popular culpa
mineradoras canadenses na América Latina.
por Leila
Lemghalef, da IPS
Crianças expostas à contaminação da indústria
mineradora no Peru. Foto: Milagros Salazar/IPS.
Nações Unidas, 3/2/2015 – Em uma primeira sentença
de uma investigação que terminará em 2016, o Tribunal Permanente dos Povos
(TPP) concluiu que cinco mineradoras do Canadá e o governo desse país são
responsáveis por violar os direitos humanos na América Latina.
O TPP, uma organização independente fundada na
Itália, concluiu que Ottawa e as companhias Barrick Gold, Goldcorp, Excellon
Resources, Blackfire Exploration e Tahoe Resources são culpados de violar os
direitos trabalhistas, destruir o ambiente, privar a população indígena do
direito à autodeterminação, penalizar a dissidência e realizar assassinatos
seletivos.
Gianni Tognoni, secretário-geral do TPP desde sua
criação em 1979, foi um dos oito juízes que tomaram essa decisão no dia 10 de
dezembro. Em entrevista à IPS, falou sobre a maneira como as decisões do TPP
repercutiram no debate internacional no passado. Dos muitos exemplos, citou o
caso do trabalho infantil na indústria do vestuário, que foi denunciado pelo
tribunal “com a finalidade de reforçar os controles e a vigilância das
organizações não governamentais”. E acrescentou que “o que se pode fazer está
sendo feito a fim de integrar o tribunal a outras forças para formular as
denúncias em termos de solidez jurídica”.
Os processos internacionais raramente são rápidos,
explicou Tognoni, destacando que a sentença da antiga Iugoslávia “parece ser
mais uma espécie de julgamento sobre a memória, e o mesmo acontece em relação a
Ruanda”. Também comparou essa situação com a eficácia imediata dos tratados
econômicos e citou o conhecido choque entre os direitos humanos e as empresas
transnacionais, bem como a atitude impune dessas últimas. “Não é possível ter
uma sociedade mundial que responda progressiva e unicamente aos critérios e
indicadores econômicos”, ressaltou.
Formalmente, o Canadá deveria defender os mesmos
direitos no estrangeiro como em seu próprio território, segundo o princípio de
Maastricht sobre as obrigações extraterritoriais dos Estados, pelo qual os
poderes públicos devem supervisionar os atores não estatais. “Mas simplesmente
não o fazem”, apontou Tognoni.
A sentença de 86 páginas informa que 75% das mineradoras
de todo o mundo têm sua sede no Canadá, e que as empresas canadenses com
investimentos estimados em mais de US$ 50 bilhões no setor da extração na
América Latina representam entre 50% e 70% do total na região. “E o veredito
mostra claramente que o Canadá no exterior favorece a violação dos direitos
humanos fundamentais”, destacou o secretário-geral do TPP.
A sessão do tribunal sobre a mineração canadense
chegou a um veredito de culpa em Montreal, no dia 10 de dezembro, dia
internacional dos direitos humanos, em uma investigação que só vai se encerrar
no ano que vem. O TPP fez recomendações ao governo canadense, às mineradoras em
questão, bem como a agências e organismos internacionais, entre elas 22
divisões do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas
(ONU).
“Está claro que é importante organizar o movimento
de oposição para dar um apoio sólido e também jurídico aos argumentos políticos
e sociais, para que fique claro que a batalha pela justiça internacional é
absolutamente idêntica à batalha pela democracia interna”, pontuou Tognoni. A
seu ver, “devido às duas coisas estarem cada vez mais vinculadas, já não há
países que sejam independentes do cenário internacional”.
As sessões do TPP se “somam e esse corpo de
trabalho para demonstrar que há uma necessidade urgente de instrumentos que
permitam o acesso à justiça”, afirmou o organizador da sessão sobre a mineração
canadense na América Latina, Daniel Cayley-Daoust.
O TPP “não é um tipo de iniciativa que possa ser
aplicada, já que não tem capacidade legal de uma maneira concreta”, explicou
Cayley-Daoust. Serve de apoio às comunidades afetadas e para documentar os
abusos cometidos “no sentido de ampliar esse debate para aumentar a pressão”,
completou. Uma das prioridades do tribunal é acrescentar “mais voz e
credibilidade a algo que foi em grande parte ignorado pelas pessoas que têm o
poder de fazer as mudanças”, ressaltou.
Em 2011, o Conselho de Direitos Humanos da ONU
criou um Grupo de Trabalho sobre a questão dos direitos humanos, as empresas
transnacionais e outras companhias comerciais. Cayley-Daoust expressou sua
preocupação porque a ONU teve influência empresarial nas últimas três ou quatro
décadas, especialmente devido às suas relações mais estreitas com as empresas.
Rolando Gómez, porta-voz do Conselho de Direitos
Humanos da ONU, opinou à IPS que as companhias estão imunizadas. “Não há uma só
questão de direitos humanos em qualquer entorno, seja uma empresa, uma cidade,
um país ou uma comunidade, que escape da atenção do Conselho”, assegurou.
“Vimos tendências positivas de empresas, grandes e pequenas, que levaram essas
questões muito a sério”, acrescentou.
Gómez também se referiu às consequências políticas.
“Cada vez mais os Estados reconhecem que precisamos despolitizar o debate”,
afirmou à IPS. “O Conselho de Direitos Humanos não tem a ver apenas com acordos
adotados, mas com o acompanhamento, a ação, o fato de existir um cenário aqui
em Genebra onde se ouve problemas que frequentemente não são ouvidos”,
insistiu.
Segundo Gómez, “o grau em que as ONGs estão ativas
aqui é excepcional”. Falou de como participam em Genebra as vítimas de
violações de direitos humanos e a sociedade civil na entrega de declarações,
com sua presença nas negociações e ao informar sobre os debates formais. Quanto
à conversa se traduzir em ação, “isso depende da questão, bem como da vontade
dos Estados e dos responsáveis pelas decisões”, enfatizou.
Fonte: ENVOLVERDE
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