Boas ações não aliviam a fome
crescente no Zimbábue.
por
Busani Bafana, da IPS
Os mercados são fundamentais para os pequenos
agricultores do Zimbábue. Foto: Busani Bafana/IPS.
Bulawayo, Zimbábue, 3/2/2015 – Com a agricultura
como um dos motores de seu crescimento econômico, o Zimbábue precisa investir
nos pequenos agricultores que alimentam o país, afirmam especialistas. A
agricultura representa quase 20% do produto interno bruto (PIB) desse país,
pelas divisas das exportações de tabaco. Mais de 80 mil agricultores se
registraram para cultivá-lo na nova colheita.
Apesar da expansão do cultivo de tabaco, a escassez
de alimentos continua afetando o país, especialmente desde 2000, quando a
produção agrícola não atingiu sua meta após a controvertida reforma agrícola
que implicou a passagem de terras de proprietários brancos para agricultores
negros. A redução da produção foi atribuída às secas, mas a falta de apoio aos
produtores contribuiu para o déficit alimentar e a necessidade de importação de
milho todos os anos.
O Programa Mundial de Alimentos (PMA) informou, em
2014, que “a fome chegou ao seu máximo em cinco anos, com um quarto da
população rural, cerca de 2,2 milhões de pessoas, estimadas, sofrendo escassez
de alimentos”. Mas o vice-ministro da Agricultura, Paddington Zhanda,
questionou os dados. “Os números (das pessoas necessitadas) são exagerados. Não
há crise. Se houvesse, teríamos pedido ajuda como fizemos antes. Teremos uma
das melhores colheitas em anos”, declarou.
O PMA projetou ajudar 1,8 milhão de pessoas, dos
2,2 milhões com fome, mas a escassez de fundos só permitiu chegar a 1,2 milhão.
Em 2014, o governo interveio comprando milho nos países vizinhos. O Zimbábue
esteve entre os principais importadores desse grão, comprando da África do Sul
482 toneladas entre julho e setembro, sendo superado somente pela República
Democrática do Congo.
O economista especialista em agricultura Peter
Gambara explicou que “custa US$ 800 produzir um hectare de milho, assim, dois
milhões de hectares custariam US$ 1,6 bilhão”. E pontuou que “o governo só subsidia
parte dos insumos necessários, mediante o Programa Presidencial de Insumo. O
restante fica por conta de empresas privadas, dos próprios agricultores, bem
como por remessas de filhos e familiares no exterior”. Os insumos são os
fertilizantes e as sementes de milho.
Para o presidente do Sindicato de Agricultores
Comerciais do Zimbábue, Wonder Chabikwa, a preocupação é que muitos dos
afiliados não podem comprar no mercado o necessário por problemas de liquidez.
Os insumos totalmente gratuitos terminaram em 2013.
Vincular a agricultura à redução da pobreza é um
dos primeiros Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), com a meta de
reduzir pela metade o número de pessoas que sofrem fome entre 1990 e 2015. De
fato, todos os objetivos estão relacionados direta ou indiretamente com a
agricultura. Esta atividade contribui para o êxito do primeiro ODM por meio do
crescimento econômico e de uma alimentação melhor.
“O governo deve investir em irrigação e
infraestrutura, como estradas e armazéns”, afirmou Gambara. “Com a provisão de
insumos, o governo fez mais do que devia pelos pequenos agricultores. O
Programa Presidencial de Insumos permitiu ao país conseguir excedente de 1,4
milhão de toneladas de milho no ano passado”, destacou. Isto, segundo o
ministro da Agricultura, Joseph Made, devido às boas chuvas.
A venda da produção é o maior desafio para os
agricultores, apontou Gambara, que recomendou regular os mercados públicos como
Mbare Musika, em Harare, por intermédio da Autoridade de Comercialização
Agrícola (AMA). O economista afirmou que o governo deve manter os insumos
gratuitos para as pessoas mais velhas, os órfãos e outros setores vulneráveis,
e também deve considerar empréstimo para os demais pequenos produtores, que
poderão devolver o dinheiro após a venda de sua colheita.
“Isso ajudará o país a reconstruir a Reserva
Estratégica de Grãos, administrada pela Junta de Comercialização de Grãos”,
disse Gambara. “Mas o governo não pôde pagar aos agricultores a tempo de
entregarem a produção. Essa é uma área que deve ser melhorada. Não tem sentido
fazer os agricultores produzirem milho se não poderão vendê-lo”, acrescentou.
Na Declaração de Maputo sobre Agricultura e
Segurança Alimentar na África, de 2003, os governantes africanos se
comprometeram a melhorar o desenvolvimento agrícola e rural com investimentos.
Esse documento contém várias decisões importantes, entre as quais se destaca o
“compromisso de destinar pelo menos 10% do orçamento nacional à implantação de
políticas de desenvolvimento rural e à agricultura nos próximos cinco anos”.
Mas apenas uns poucos dos 54 Estados membros da
União Africana (UA) cumpriram esse compromisso nos últimos dez anos. Entre eles
Burkina Faso, Gana, Guiné, Mali, Níger, Etiópia, Malawi e Senegal. Segundo
Gambara, como signatário desse instrumento, o Zimbábue devia ter feito mais
para canalizar recursos para a agricultura desde 2000, quando empreendeu a
segunda etapa da reforma agrícola.
“A maioria dos (novos) agricultores negros não
tinha os recursos nem o conhecimento para cultivar como faziam os brancos e,
nesse cenário, o governo precisou investir em pesquisa e extensão para
capacitar os novos produtores, além de oferecer programas para os empoderar,
por exemplo, mediante mecanização e fornecimento de insumos”, afirmou o economista.
Everson Ndlovu, pesquisador do Instituto de Estudos
de Desenvolvimento na Universidade Nacional do Zimbábue de Ciência e
Tecnologia, disse à IPS que o governo deveria investir em represas, pesquisa em
tecnologias para coletar água, desenvolvimento de gado, educação e capacitação,
auditorias de terras e restauração de infraestrutura.
Também disse que houve sinais de que instituições
europeias e outras internacionais estavam dispostas a ajudar o Zimbábue, mas o
frágil ambiente político e econômico os fez manter distância.
“O contexto deve
mudar para facilitar transações adequadas. Precisamos criar um ambiente
propício para que o negócio desempenhe seu papel”, afirmou Ndlovu. “O governo
deve entregar títulos de propriedade para que os agricultores possam destravar
recursos e fundos dos bancos locais”, acrescentou.
O analista econômico John Robertson contou à IPS
que, “desde a reforma agrária, temos que importar a maioria dos alimentos. O
governo precisa destinar fundos para desenvolver infraestrutura a fim de ajudar
a agricultura e outros setores”. Antes da reforma, o Zimbábue tinha quase um
milhão de agricultores locais, número ao qual se somaram cerca de outros 150
mil com a entrega de parcelas A1 e A2 da Reforma Agrária.
As A1 foram divididas em 150 mil propriedades de
seis hectares para pequenos agricultores, e com as A2 se buscou criar fazendas
comerciais com a entrega de maiores extensões de terra a cerca de 23 mil
produtores negros. “São necessários empréstimos para pagar empregados que façam
todo o trabalho, mas a fazenda não tem renda, então a maioria dos pequenos
agricultores trabalha dentro dos limites de suas famílias. Isso faz com que
mantenham sua pequena escala e continuem sendo relativamente pobres”, ressaltou
Robertson.
Fonte: ENVOLVERDE
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