Corregedoria determina que Sabesp
entregue contratos de demanda firme à Pública.
por
Natalia Viana, da Agência Pública
Volume morto na represa Jaguari-Jacareí, no Sistema
Cantareira, durante crise hídrica que atinge o estado de São Paulo. Foto: Mídia
NINJA.
Segundo CGA, interesse coletivo das informações é
inegável “quer por envolver a atuação de uma sociedade de economia mista quer
por ter por objeto a administração de um bem público: a água”.
A caixa-preta da Sabesp começa a ser aberta. Na
última terça-feira, dia 27 de janeiro, o Corregedor-Geral da Administração
estadual, Gustavo Ungaro, deu razão ao recurso da reportagem da Agência Pública
e determinou que a companhia entregue os contratos de demanda firme, segundo
pedido feito através da Lei de Acesso à Informação (LAI) em dezembro do ano
passado.
Os contratos de demanda firme são assinados entre a
Sabesp e empresas que consomem acima de 500 metros cúbicos de água por mês.
Adotados a partir de 2002, eles estabelecem que a empresa deve consumir uma
quantidade mínima de água em troca de descontos de até 40% na conta. Além
disso, as empresas têm que abandonar outras fontes de abastecimento de água
para se “fidelizar” ao serviço da Sabesp. Existem cerca de 500 contratos do
tipo com empresas como a Ford Brasil, Jockey Club Paulista e a General Motors
do Brasil; juntas, elas consomem cerca de 1,9 milhão de metros cúbicos de água
por mês. A obrigatoriedade de consumir a cota cheia só foi suspensa pelo
governo em março do ano passado, quando a crise hídrica já atingia o estado.
A Sabesp, no entanto, negou duas vezes o acesso a
esses contratos, alegando que eles estariam protegidos pela mesma regra que
garante o direto de privacidade de informações pessoais. A companhia também
argumentou que a publicação dos contratos poderia ser “um risco estratégico
para o negócio”.
A Corregedoria, porém, deu razão ao pedido da
reportagem: “A liberação dos contratos conhecidos como demanda firme (…)
permitirá à sociedade o aceso ao modus operandi da Sabesp no que diz respeito à
prestação de serviços públicos de saneamento básico”, diz o parecer técnico
elaborado pelo Departamento de Assuntos Jurídicos e Disciplinares da CGA.
A CGA reitera ainda que a Sabesp está sujeita à
LAI, já que sociedades de economia mista são citadas logo no primeiro parágrafo
da lei. “A clareza do dispositivo dispensa maiores questionamentos acerca de
sujeição da Sabesp aos regramentos trazidos pela Lei de Acesso à Informação,
razão pela qual se recomenda seja rechaçada qualquer argumentação contrária”,
diz o documento.
Privacidade de pessoas não vale para empresas
Segundo a decisão do corregedor, o direito à
privacidade de informações pessoais se restringe a “pessoa natural identificada
ou identificável” como descreve a LAI, “sendo descabida a possibilidade de
aplicação desta hipótese no caso de informações relativas a pessoas jurídicas”.
Portanto, apenas as informações pessoais podem ser negadas.
A decisão baseia-se numa análise feita pela
Controladoria Geral da União em junho de 2014 diante da recusa do Ministério do
Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior em divulgar notas fiscais de
produtos e serviços automotivos nos anos de 2011 a 2013: “A lei 12527/2011 não
estende o conceito de informação pessoal às pessoas jurídicas”, avaliou a CGU.
O parecer elaborado pela Corregedoria estadual é
cuidadoso ao examinar os dois argumentos para avaliar até que ponto a sociedade
tem o direito de ter acesso a informações sobre os serviços prestados pela
Sabesp. “De um lado, a Sabesp enquanto fornecedora do serviço mantém a
preocupação quanto à informações de seus contratantes. De outro, o evidente
interesse da sociedade em saber como uma sociedade de economia mista, cujo
poder público mantém sua participação, vem atuando no mercado hídrico”. “Mas”,
prossegue o documento, “não há como negar interesse coletivo que envolve as
informações objeto do pedido de acesso, quer por envolver a atuação de uma
sociedade de economia mista quer por ter por objeto a administração de um bem
público: a água.”
O corregedor Gustavo Ungaro apoia as conclusões do
parecer técnico lembrando que tanto a LAI quanto o decreto estadual
58.052/2012, que regulamentou a lei no estado, determinam a publicidade de
todas as informações detidas pela administração pública como regra; as exceções
devem ser permitidas apenas quando justificadas e amparadas pela lei.
Não é o caso dos contratos de demanda firme, já que
estes não possuem cláusulas protegidas por lei ou por decisão judicial.
“Tampouco há evidência de violação de segredo industrial no caso em tela”,
afirma o corregedor.
Ele ressalva que dados protegidos, tais como
números de contas bancárias, podem ser tarjados nos documentos a serem
entregues. E finaliza: “Conheço e dou provimento ao recurso em análise,
determinando que seja imediatamente propiciado o acesso demandado, com as
cautelas de praxe”.
Clique aqui para baixar a decisão
da CGA na íntegra.
A Sabesp foi notificada no mesmo dia. Resta saber
se agora ela cumprirá a lei.
Karina Quintanilha, da Artigo 19,
ONG que defende o direito à informação, acha a decisão da CGA muito positiva
pois reforça o direito humano à informação e não deixa dúvidas quanto a
sujeição da Sabesp à LAI. “É um precedente muito importante nesse momento em
que se faz essencial garantir transparência sobre tudo que envolve a gestão da
água”.
Agora, a Sabesp tem 30 dias para entregar os
contratos, que serão analisados pela equipe da Agência Pública para uma
reportagem.
“Esperamos que essa decisão impulsione uma mudança
de cultura dentro da Sabesp a fim de que respeite a Lei de Acesso a Informação
e que o acesso à informação se torne a regra”, conclui Karina.
Fonte: Agência Pública
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