A seca já começou a afetar a
Economia.
por
Rodrigo Martins*
São Paulo, responsável por 30% do PIB nacional, vai
liderar o Brasil no caminho recessivo. Foto: Fernanda Carvalho/ Fotos Públicas.
A agricultura é a primeira vítima da crise hídrica
em São Paulo, Minas e Rio. Mas sobrará ainda para a indústria.
O colapso iminente dos reservatórios de água nas
duas regiões mais populosas de São Paulo e as perspectivas reais de
racionamento em Minas Gerais e Rio de Janeiro colocam em xeque o planejamento
dos governos federal e estaduais, além de expor o total despreparo no
enfrentamento de situações de crise. Ao menos 40 milhões de brasileiros deverão
sofrer com problemas de abastecimento ao longo de 2015. Para a economia, já
combalida pelo desaquecimento do mercado internacional e pelas medidas de
austeridade do ministro Joaquim Levy, risco cada vez mais forte de recessão
cresce à vista da queda de produção na agriculturadeve ser arrastada para a
recessão causada pela queda de produção na agricultura e nos setores industriais
altamente dependentes da água. A única certeza é a inexistência de um plano de
emergência caso o problema se agrave ainda mais.
Responsável por 30% da riqueza nacional, São Paulo
deve guiar o País no caminho recessivo.
Governados pelos tucanos há 20 anos, os
paulistas receberam garantias de que não faltaria água em 2015. Em tempo de
campanha eleitoral, Geraldo Alckmin deixou de lado todas as informações
técnicas e garantiu o abastecimento sem necessidade de racionamento. Menos de
um mês após o início do novo mandato, as promessas ruem e o futuro imediato
apavora. Na melhor das hipóteses as regiões metropolitanas de São Paulo e
Campinas terão água até março. A previsão da Sabesp é de que a partir de abril
o paulistano e o campineiro fiquem cinco dias sem água e apenas dois dias com
as torneiras funcionando. A própria companhia de abastecimento defendia o
racionamento em janeiro de 2014 para evitar o caos de agora. Na capital, dois
terços da população sofrem com a falta de água há 30 dias, revela o Ibope.
Como a lei garante prioridade ao abastecimento
humano, a agricultura e a indústria devem ser diretamente impactadas. Apenas no
setor de hortifrútis a restrição do uso de água deve afetar 50% dos produtores.
A queda na produção deve comprometer futuros investimentos e causar pressão
inflacionária, por causa do aumento dos preços de alimentos. Como o governo
sonegou informações precisas sobre a situação hídrica, os empresários não
puderam se preparar adequadamente, queixa-se a Federação das Indústrias de São
Paulo.
Responsável por 60% do PIB do estado, a indústria
prevê queda na produção, redução de investimentos e demissões. “Em Campinas, o
setor representa 30% da economia. Na Grande São Paulo, 25%. O impacto é direto.
Estamos tentando quantificar o tamanho do prejuízo”, afirma o vice-presidente
da Fiesp, Nelson Pereira dos Reis. Na região de Campinas, o cenário é ainda
pior, uma vez que uma resolução do Departamento Estadual de Água impõe redução
de 30% na captação das indústrias quando o Cantareira atingir 5% de sua
capacidade. Na quinta-feira 29, o reservatório estava com 5,1%.
Um levantamento realizado pela Fiesp, em parceria
com o Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp), detalha as
expectativas do empresariado. De 413 companhias paulistas consultadas, 67%
afirmam temer o racionamento e 54% informam não possuir fontes alternativas.
Para o diretor do Ciesp de Campinas, José Nunes Filho, a situação é gravíssima.
“Entraremos no próximo período de estiagem com as reservas praticamente
esgotadas.” Essa metrópole abriga o segundo maior parque industrial do País.
Entre os setores mais afetados estão o alimentício, o farmacêutico e a
indústria química. O Polo Petroquímico de Paulínia pode ser atingido,
pressionando ainda mais os preços de combustíveis.
No Rio de Janeiro, o cenário também inspira
preocupação. Dos quatro reservatórios instalados no Rio Paraíba do Sul, dois
deles atingiram o volume morto. Eles integram o Sistema Guandu, responsável
pelo abastecimento de 12,3 milhões de habitantes, três quartos da população
fluminense. O problema já forçou o desligamento de duas hidrelétricas: uma com
capacidade instalada de 87 megawatts e outra, com 56,1 megawatts. Para suprir o
déficit, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) teve de remanejar
energia de outros polos geradores.
A maior preocupação dá-se, porém, com o
abastecimento de água. Além dos reservatórios que atingiram o volume morto, as
outras duas represas do Sistema Guandu continuam com níveis muitos baixos.
Jaguari mantinha-se em 1,72% das reservas úteis até a quarta 28, enquanto Funil
estava abaixo de 4%. Apesar dos sinais de alerta, o governador do Rio de
Janeiro, Luiz Fernando Pezão, descarta, por ora, um racionamento. Em vez disso,
apela para a população economizar. “A gente vai intensificar o ritmo das obras
e torcer muito para que comece a chover, para que a gente não precise tomar
medidas mais drásticas”, afirmou, na quarta-feira 28.
A falta de água já traz impactos para 30,6% das
empresas fluminenses, revela uma pesquisa da Federação das Indústrias do Rio de
Janeiro. No levantamento, foram consultadas 487 companhias, que empregam 58,9
mil operários. Dentre as empresas afetadas, metade relatou sofrer com o aumento
de custos, 29,8% tiveram de interromper ou paralisar a produção e 6% dispensaram
mão de obra. A oferta de energia é outro fator de apreensão.
Após o apagão que deixou 3 milhões de brasileiros
sem luz em 19 de janeiro, o ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga,
arriscou-se à rouquidão para tentar convencer os empresários de que não falta
eletricidade no País. O blecaute foi atribuído a falhas técnicas. Em quatro
anos, a capacidade do parque gerador brasileiro aumentou em 15,9 mil megawatts,
sobretudo após o início das operações das usinas de Santo Antônio e Jirau. Mas
com as hidrelétricas do Sudeste ameaçadas o racionamento não é descartado.
“Mantido o nível de hoje, temos energia para abastecer o Brasil. É obvio que se
houver mais falta de água, se passarmos do limite prudencial de 10% dos nossos
reservatórios, estaremos diante de um cenário que nunca foi previsto em nenhuma
modelagem”, admitiu Braga. Na quinta 29, o nível médio dos reservatórios das
regiões Centro-Oeste e Sudeste era de 16,8%.
Na agricultura, os impactos já são visíveis. No
último trimestre, os produtores rurais do Rio de Janeiro acumularam perdas de
100 milhões de reais. A estiagem prolongada provocou a morte de 2 mil cabeças
de gado nas regiões Norte e Noroeste do estado. “Somente a produção de leite
teve uma queda de 20%”, comenta o secretário estadual de Agricultura, Christino
Áureo. “Sem chuvas para uma reposição mínima dos reservatórios nos próximos
meses, os prejuízos serão gigantescos.” O Banco Mundial emprestou 30 milhões de
reais para socorrer 13 mil produtores. Em contrapartida, o governo fluminense
liberou 23 milhões. Os recursos serão investidos em poços, açudes e barragens.
Segundo a Confederação Nacional da Agricultura,
ainda não há como mensurar os impactos sobre a produção agrícola brasileira,
pois a colheita das culturas de verão não terminou. “Nas regiões mais afetadas,
é quase certa uma queda na produtividade, com efeito cascata sobre as cadeias
produtivas dependentes. Com o milho mais caro, aumentarão, por exemplo, os
custos de produção dos pecuaristas com ração animal”, explica o engenheiro agrônomo
Nelson Ananias, assessor técnico da CNA.
Sistema de abastecimento de água da Região
Metropolitana de Belo Horizonte. Foto: Manoel Marques/Imprensa MG/ Fotos
Públicas.
Em Minas Gerais, o governador Fernando Pimentel, do
PT, diz ter herdado uma bomba-relógio dos tucanos, que governaram o estado por
12 anos. Ao longo de 2014, o antecessor Antonio Anastasia, senador eleito pelo
PSDB, esmerou-se em minimizar a crise. Ao menos 88 municípios mineiros já
sentem na pele a falta d’água. Desses, dois estão em situação de colapso e 63,
em iminente colapso. A nova direção da Companhia de Saneamento do Estado de
Minas Gerais (Copasa) alerta que a situação de 31 cidades metropolitanas, entre
elas Belo Horizonte, é “extremamente preocupante”, e pediu à população para
reduzir o consumo em 30%.
“Se não chover, se o consumo não cair e se a vazão
não aumentar em três meses, vamos ter de racionar severamente”, admitiu
Pimentel, após um encontro com Dilma Rousseff, na quarta-feira 28. O governador
foi à Brasília em busca do apoio do governo federal para obras emergenciais,
como a que prevê a captação de água do Rio Paraopeba para o Rio Manso. Segundo
o Ministério do Planejamento, o governo já disponibilizou 9,8 bilhões de reais
para obras de infraestrutura hídrica no Sudeste. Dos recursos do PAC, 5,7 bilhões
de reais vão para São Paulo, 2,5 bilhões para Minas e 1,1 bilhão para o Rio.
O problema é que esse conjunto de obras pode
demorar anos para ficar pronto, e até o momento nenhuma esfera de governo
apresentou um plano de emergência para o possível agravamento da crise em 2015.
Wagner Soares Costa, gerente de meio ambiente da Federação das Indústrias de
Minas Gerais, queixa-se do descaso das autoridades. “Temos representação nos
conselhos das bacias hidrográficas mineiras e vínhamos alertando sobre essa situação
há três anos, mas pouco foi feito.”
De acordo com Costa, as pequenas e médias empresas
urbanizadas serão as primeiras a sofrer o impacto da falta de água em Minas.
Mas também prevê dificuldades para setores que fazem uso intensivo da água,
como mineração e siderurgia. “As maiores empresas têm sistemas de
reaproveitamento de água. A média de reúso na mineração gira em torno de 80%.
Na siderurgia, é próximo de 90%. Mas, se houver perda de vazão nos cursos
d’água explorados, essas indústrias também sofrerão.”
O secretário de Desenvolvimento Econômico de Minas,
Altamir Rôso, diz estar à procura dos empresários ameaçados para traçar planos
emergenciais. Como o parque industrial mineiro é diversificado e a seca é mais
agressiva em algumas regiões do estado, será preciso buscar soluções focadas
para minimizar os efeitos da crise, analisa. “Caso não chova nos próximos
meses, poderá haver a redução ou interrupção de algumas atividades industriais,
porque a legislação é muito clara em dar prioridade ao abastecimento humano”,
alerta Rôso. “Temos de ser realistas. Se faltar água, é bem possível uma
retração no PIB mineiro em 2015.”
* Colaborou Fabio Serapião.
Fonte: Carta Capital
Nenhum comentário:
Postar um comentário