Sabesp esconde contratos de
empresas que mais consomem água.
por
Natalia Viana, da Agência Pública
Sistema cantareira, em seca. Foto: Vagner Campos/
A2 FOTOGRAFIA (16/05/2014)/ Fotos Públicas.
Em resposta a pedido pela Lei de Acesso à
Informação, companhia defende sigilo de dados de interesse público alegando
“segredo industrial” e “direito à privacidade e intimidade”.
Embora a Lei de Acesso à Informação (LAI)
determine, já no seu primeiro artigo, que toda a administração pública está
sujeita a ela, incluindo “autarquias, fundações públicas, empresas públicas,
sociedades de economia mista e demais entidades” a Sabesp parece se considerar
uma exceção.
Desde dezembro do ano passado, nossa reportagem
(Agência Pública) pede, através da LAI, os contratos de Demanda Firme
assinados pela Companhia de Saneamento com cerca de 500 empresas para o
fornecimento de altos volumes de água. Juntas, elas consomem, em média, 1,9
milhão de m³/mês.
Agora, em resposta ao recurso da reportagem a
Sabesp alega que as empresas têm direito à privacidade como as pessoas, este
estabelecido pelo artigo 5º da Constituição. “A pessoa jurídica goza das
garantias relativas à privacidade, garantindo-lhe o direito a segredos
comerciais, fórmulas e métodos que lhe pertencem reservadamente, constituindo
os elementos que compõem sua esfera privada”, defende a empresa na resposta.
Participantes do Fórum de Preservação e Defesa do
Rio Paraíba denunciam irregularidades na atividade de mineração em municípios
do Baixo Paraíba (Foto: Mano de Carvalho)O povo contra os areeiros
mateus-reconstituc_ao2Dois meninos e uma sentença de morte Protesto de povos
indígenas contra projetos hidrelétricos; em 2013, protestos se estenderam a
BrasíliaCala-boca em Belo Monte.
Para a advogada da organização Artigo 19, Karina
Quintanilha, a comparação não tem respaldo legal. “O direito à privacidade,
assim como o direito à informação, é um direito humano e tem certos critérios
para ser aplicado. Não existe direito à privacidade de uma empresa, de pessoa
jurídica”. Segundo ela, a posição da Sabesp não leva em conta a sujeição da
empresa à Lei de Acesso. “A regra é o acesso à informação, a abertura dos
documentos públicos e contratos. A exceção é o sigilo, e somente nos casos
previstos na lei, nenhuma outra hipótese seria possível. Como a Sabesp é uma
empresa de economia mista, está enquadrada no artigo primeiro, não tem como
fugir disso”.
A Sabesp também alega risco de prejuízo às empresas
contratantes. “As informações solicitadas que se referem a um dos segmentos de
mercado atendido pela Sabesp, podem apresentar uma vulnerabilidade, tais como
perdas financeiras e ameaças à realização de seus objetivos”. Mas esse
argumento também não se justifica, segundo a advogada. “Estamos falando de
contratos públicos já que a empresa por vontade própria estabeleceu uma relação
jurídica com um órgão público. A partir do momento em que ela firmou esse
contrato de demanda firme com a Sabesp, [o contrato] está sujeito à lei da
transparência”. Para ela, a disponibilidade de contratos dessa natureza é
fundamental “para que se tenha acesso à forma como esses órgãos administram os
recursos públicos – no caso, a água”.
Na mesma resposta, a Sabesp menciona o Artigo 29 do
decreto 58.052, que regulamentou a LAI no Estado de São Paulo, e determina: “O
disposto neste decreto não exclui as demais hipóteses legais de sigilo e de
segredo de justiça nem as hipóteses de segredo industrial decorrentes da
exploração direta de atividade econômica pelo Estado ou por pessoa física ou
entidade privada que tenha qualquer vínculo com o poder público”.
Segundo Karina, para que exceção pudesse ser feita
teria que haver uma ação prévia da empresa nesse sentido. “[A Sabesp] deveria
previamente classificar o sigilo, se fosse o caso, de acordo com a LAI. No caso
do pedido sobre os contratos de demanda firme, caso existisse alguma informação
protegida pelo sigilo industrial eles teriam que apresentar o registro disso.
Mas essa é uma hipótese muito improvável já que o sigilo industrial ocorre
quando tem alguma ‘fórmula’ da empresa a ser protegida por exemplo” explica.
Precedente negativo
Em um caso similar, o TRF da 2ª Região decidiu
favoravelmente ao pedido do jornal Folha de S. Paulo para obter “relatórios de análise”
de contratos firmados pelo BNDES. “Não há como acolher a tese de que o BNDES
exerceria suas atividades de maneira idêntica às instituições financeiras
privadas, sob o regime de direito privado, de modo a isentá-lo da fiscalização
de toda a sociedade brasileira”, argumentou o juiz. E ainda acrescentou que
“(…) os ‘Relatórios de Análise’ objeto do presente mandamus [ação judicial] são
documentos produzidos pelo Órgão da Administração Indireta e que versam sobre
utilização de recursos públicos, enquadrando-se, portanto, perfeitamente nas
disposições da Lei de Transparência”.
Agora a reportagem da Pública recorreu à segunda
instância, que é a Corregedoria-Geral da Administração (CGA), e está aguardando
a resposta. Para Karina, se a tese da Sabesp for acatada pela CGA, pode abrir
um precedente perigoso, “justamente porque através desses documentos de
contratos é que a gente consegue informações precisas sobre as negociações
estabelecidas ente empresas e o poder público”, explica.
“A Sabesp está colocando o segredo industrial como
um princípio maior, acima do direito à informação. Isso levaria com certeza a
um precedente muito negativo para a liberdade expressão e o acesso à
informação”, diz a advogada da Artigo 19.
A Sabesp já foi alvo de críticas da organização,
que monitora a aplicação da LAI no país, em um relatório publicado em dezembro
sobre a crise do sistema Cantareira. De sete pedidos feitos à Companhia, nenhum
foi respondido. “A gente entende que justamente nesse momento de crise é
essencial garantir a transparência. É isso que vai possibilitar que a sociedade
possa participar das decisões, e elas podem se continuamente monitoradas e
acompanhadas pelas pessoas que são as mais afetadas”, completa Karina.
Contratos estimulam o consumo de água
Os contratos de demanda firme estão no centro da
discussão sobre as políticas adotadas pela Sabesp nos últimos anos. Eles começaram
a ser usados em 2002 pela Sabesp como forma de “fidelizar” clientes do comércio
ou indústria que têm grande consumo de água. Em 2010, o contrato passou a valer
para clientes que consomem acima de 500m³/mês. Empresas como a General Motors
do Brasil, o aeroporto de Congonhas, a SPTrans, o Jockey Club de São Paulo, a
Ford Brasil e a Universidade Metodista já assinaram contratos dessa modalidade,
garantindo um desconto que pode chegar a ate 40% do valor pelo alto consumo de
água.
O programa prevê um consumo mínimo de água. Se o
cliente consumir menos, pagará o valor completo de todo jeito. Se ultrapassar a
quantidade acordada, paga a diferença. Ou seja, a empresa é penalizada se
economizar, e é instada a usar mais água, já que pagará de qualquer forma.
Outro problema nesse tipo de contrato é que a Sabesp exige exclusividade de
fornecimento. Uma reportagem do Valor Econômico mostrou que
um centro comercial na zona oeste de São Paulo foi forçado a abandonar dois
poços artesianos para receber apenas água da Sabesp, em troca do desconto na
conta.
As taxas cobradas não estão disponíveis no site da
Sabesp. Procurada pela reportagem, a assessoria de imprensa afirmou apenas que
“cada contrato tem sua característica própria” e “as informações são
confidenciais”. De acordo com os dados do Plano Estadual de Recursos Hídricos
2004-2007, o setor industrial respondia por 30,4% do consumo de água
no estado.
A Sabesp finalmente reviu essa obrigação de consumo
mínimo em março do ano passado, depois do agravamento da crise hídrica. Em 29
de dezembro, durante uma audiência na Arcesp, chegou a anunciar a intenção de
isentar os clientes dos contratos de demanda firme da sobretaxa dos
consumidores que aumentarem o consumo em relação à média do ano anterior –
afinal liberada pelo TJ para vigorar neste janeiro. Depois da repercussão
negativa já no dia seguinte nos jornais, as grandes clientes foram incluídas na
sobretaxa. Mas os descontos previstos pelos contratos de demanda firme
continuam a vigorar.
Para Marussia Whately, coordenadora da Aliança pela
Água, coalizão de organizações da sociedade civil, esses contratos não levam em
conta que a água é um bem escasso e é muito importante que sejam conhecidos
pela população. “Muitas vezes os contratantes são prestadores de serviços para
as pessoas, como supermercados, academia de ginásticas; com a crise há um
interesse ainda maior em relação a como a água é consumida”. Além disso, ela
destaca que “a postura da Sabesp e do governo do Estado, de ausência de
informações claras e de canais mais amplos de diálogo com a sociedade, até
contribuiu para piorar a crise”.
Fonte: Agência Pública
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