Falta água e floresta no
Cantareira.
por
Marcia Hirota e Aretha Medina Artigo*
Cantareira. Foto: Divulgação/Sabesp.
Em janeiro de 2014, quando a Companhia de
Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) anunciou a crise do Sistema
Cantareira, choveu na região dos reservatórios 87,8 milímetros. Em janeiro de
2015, com o Cantareira à beira do colapso, foram registrados 147,8 milímetros
de chuva, um aumento de 68% em relação ao ano anterior, mas que não impediu
sucessivas quedas no volume de água disponível para o abastecimento público.
Se choveu mais, qual é o motivo para a queda? A
resposta está no chamado “efeito esponja”, que ocorre pelo fato do solos
expostos das represas estarem ressecados. Antes de reabastecer as represas, a
chuva precisa primeiro encher os poros do terreno seco. Só depois que o lençol
freático for recuperado é que o nível da água vai voltar a subir.
Tal situação é apenas mais um exemplo de que a
crise hídrica está além de ser apenas um problema de ausência de chuva. É
principalmente uma questão de falta de sustentação desses reservatórios,
situação agravada pela ausência de vegetação nativa no entorno desses
mananciais.
Pode até parecer abstrato quando falamos sobre a
contribuição das florestas para a manutenção dos recursos hídricos. No entanto,
ao analisar o atual estado da vegetação que cobre, ou deveria cobrir, a região
da bacia do Cantareira pode se ter mais clareza dessa relação.
Levantamento da Fundação SOS Mata Atlântica,
divulgado em outubro de 2014, constatou que a cobertura florestal na bacia
hidrográfica e nos mananciais que compõem o Sistema Cantareira está muito aquém
do ideal, já que restam apenas 488 km2 (21,5%) de vegetação nativa na bacia
hidrográfica e nos 2.270 km2 do conjunto de seis represas que o formam.
O estudo avaliou também os 5.082 km de rios que
compõe o sistema. Desse total, apenas 23,5% (1.196 km) contam com vegetação
nativa em área superior a um hectare em seu entorno. Outros 76,5% (3.886 km)
estão sem matas ciliares, em áreas alteradas, ocupadas por pastagens,
agricultura e silvicultura, chácaras de recreio, entre outros usos.
As áreas verdes, sobretudo as matas ciliares,
aquelas que ocorrem nas margens de rios e mananciais, protegem as nascentes e
todo o fluxo hídrico, o que nossas autoridades parecem ignorar, dada a falta de
investimentos na manutenção e recuperação dessa vegetação. Basta notar como
nossa legislação ambiental vem sendo enfraquecida para regularizar usos do solo
e atividades econômicas em áreas de preservação permanente, que deveriam ser
destinadas à conservação das águas. Os impactos, como temos observado, não são
poucos, por isto é importante entendermos como o desmatamento tem contribuído
para a diminuição da quantidade e qualidade da água dos reservatórios.
Um dos primeiros efeitos é a redução da
permeabilidade do solo. Se o uso for destinado à construção de edificações
(portanto, a pavimentação da área) ou à pastagem de gado, que pisoteia o chão,
esse efeito é intensificado. O solo sem a proteção da cobertura vegetal é
endurecido, o que reduz a velocidade e a quantidade de infiltração da água,
além de favorecer o escoamento da chuva e processos de erosão.
Por outro lado, quando retida pela floresta, a água
da chuva se infiltra no solo de maneira lenta, alimentando o lençol freático e
abastecendo as nascentes. O material orgânico presente na vegetação favorece as
condições de infiltração e armazenamento da água. A mata em torno da nascente
funciona ainda como uma barreira natural para a contenção de enxurradas e
carreamento de sedimentos e de poluição. Com o lençol freático abastecido, garante-se
nascentes jorrando água mesmo em períodos de estiagem.
Como a vegetação evita a perda de umidade do solo,
a chuva é também melhor aproveitada sob o ponto de vista do reabastecimento de
rios e reservatórios, evitando o chamado “efeito esponja”.
Outro ponto fundamental é que a floresta contem a
erosão, que tem impacto direto na qualidade da água, na vazão dos rios e na
capacidade de armazenamento dos reservatórios. A qualidade está relacionada à
poluição, pois a chuva que cai sobre o solo sem proteção escorre diretamente
para os rios e mananciais, levando consigo o que encontrar pelo caminho, como
pedras e materiais orgânicos em geral. Se pensarmos em áreas de produção
agrícola, incluem-se nessa soma grandes quantidades de agrotóxicos e insumos.
Reservatórios assoreados são sinônimos de menos
capacidade para armazenamento de água, o que nos leva inclusive a questionar os
atuais dados sobre o volume disponível no Sistema Cantareira, já que as contas
não consideram que essas áreas estão mais rasas do que quando foram
construídas. O mesmo vale para os rios pouco profundos, que acabam ficando
cheios com mais rapidez após um período chuvoso, e têm as vazões reduzidas na
mesma velocidade.
Por fim, há a contribuição das florestas ao próprio
ciclo de chuvas. Ao extrair água do solo por meio das raízes, carregá-la até as
folhas e evaporá-las para a atmosfera, as árvores têm a capacidade de manter a
umidade do ar, aumentando assim as condições de chuva. Por isso, a Mata
Atlântica é reconhecida como mantenedora do ciclo hidrológico.
Como vimos, para enfrentar o problema de
abastecimento de água, é preciso combater a degradação das florestas e,
principalmente, recuperá-las. Para estimular essa tarefa, a Fundação SOS Mata
Atlântica lançou um novo edital do programa Clickarvore, com apoio do Bradesco
Cartões e Bradesco Capitalização, para a doação de 1 milhão de mudas de
espécies nativas para restauração na bacia do Cantareira, que possibilitarão a
recuperação de até 400 hectares.
O desafio é urgente e precisa ser priorizado na agenda
dos nossos governantes, que até o momento continuam a insistir em um modelo de
desenvolvimento que valoriza grandes obras e ignora a função social e ambiental
das nossas florestas.
* Marcia Hirota é diretora-executiva da
Fundação SOS Mata Atlântica; Aretha Medina é coordenadora de Restauração
Florestal da Fundação.
Fonte: SOS Mata Atlântica
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