Depois do consumismo, o quê?
por
George Monbiot*
Uma das linhas de montagem do IPhone. Nelas, 14
trabalhadores suicidaram-se, só em 2010, por não suportarem condições de
trabalho física e psiquicamente demolidoras.
A grande ferramenta de controle social da
pós-modernidade está em crise.
Mas para superá-la, não bastam discursos. O decisivo é reinventar experiências e laços sociais.
Mas para superá-la, não bastam discursos. O decisivo é reinventar experiências e laços sociais.
Uma mulher entra numa grande loja de varejo.
Sufocada pelas prateleiras abarrotadas, música melosa, cartazes de ofertas,
consumidores indiferentes que perambulam pelos corredores, ela e é levada a
gritar – repentinamente e para seu próprio espanto. “Isso é tudo o que existe?”
Um funcionário sai de seu posto e vem até ela: “Não, minha senhora. Tem mais
coisas em nosso catálogo.”
Essa é a resposta que recebemos para tudo – a única
resposta. Podemos ter perdido nossos vínculos, nossas comunidades e nossa noção
de sentido e valor, mas sempre haverá mais dinheiro e objetos com que
substituí-los. Agora que a promessa evaporou, o tamanho do vazio torna-se
compreensível.
Não que a velha ordem moderna fosse necessariamente
melhor: era ruim de modo diferente.
Hierarquias de classe e gênero esmagam o
espírito humano tão completamente quanto a fragmentação. A questão é que o
vazio preenchido com lixo poderia ter sido ocupado por uma sociedade melhor,
construída sobre apoio mútuo e conectividade, sem a estratificação asfixiante
da velha ordem. Mas os movimentos que ajudaram a quebrar o velho mundo foram
favorecidos e cooptados pelo consumismo.
A individuação, resposta necessária à conformidade
opressiva, é capturável. Novas hierarquias sociais, construídas em torno de
bens que dão status, e consumo compulsivo tomaram o lugar da velha. O conflito
entre individualismo e igualitarismo, ignorado por aqueles que ajudaram a
quebrar as velhas normas e restrições opressivas, não se resolve por si mesmo.
De modo que nos encontramos perdidos no século 21,
vivendo num estado de desagregação social que dificilmente alguém desejou, mas
emerge de um mundo que depende do aumento do consumo para evitar o colapso econômico,
saturado de publicidade e enquadrado pelo fundamentalismo de mercado. Habitamos
um planeta que nossos ancestrais achariam impossível imaginar: 7 bilhões de
pessoas padecendo de solidão epidêmica. É um mundo feito por nós, mas que não
escolhemos.
Agora, tudo indica que a festa para a qual fomos
convidados é restrita aos poucos. Há duas semanas, a Oxfam revelou que o 1%
mais rico do planeta possui agora 48% da riqueza mundial; e ano que vem, eles
terão mais que o resto do mundo inteiro junto. No mesmo dia, uma empresa
austríaca divulgou o modelo de seu novo superiate. Construído sobre o casco de
um navio petroleiro, medirá 280 metros (918 pés) de comprimento. Terá 11 decks,
três helipontos, teatros, salas de concerto e restaurantes, carros elétricos para
levar proprietário e hóspedes de um lado para o outro do navio, e uma pista de
esqui com quatro andares.
Em 1949, Aldous Huxley escreveu a George Orwell
argumentando que sua própria visão distópica era a mais convincente. “O desejo
de poder pode ser tão plenamente satisfeito quando se leva as pessoas a amarem
sua servidão quanto se você as flagela e chuta para que obedeçam…” Não creio
que estivesse errado.
O consumismo é contrário ao bem comum. Ele reprime
a sensibilidade, embotando nosso interesse por outras pessoas. A liberdade de
gastar desloca outras liberdades, assim como comer em posição de lótus
possibilita esquecer nossas carências. A maioria das formas pacíficas de
protesto são agora proibidas, mas ninguém nos impede de devorar os recursos dos
quais dependem as futuras gerações. Tudo isso ajuda os oligarcas globais a
esgarçar a rede de segurança social, encontrar um jeito de aliviar-se das
restrições impostas tanto pela democracia quanto pela tributação e neutralizar
ou privatizar o bem comum.
Assim como a sociedade humana foi despedaçada pelo
consumismo e pelo materialismo, empurrando-nos para uma Era da Solidão sem
precedentes, os ecossistemas foram destroçados pelas mesmas forças. É a
mentalidade consumista, elevada à escala global, que agora nos ameaça com um
colapso climático, catalisa uma sexta grande extinção de espécies, põe em risco
o abastecimento global de água e violenta o solo do qual toda a vida humana
depende.
Mas eu não acredito que o consentimento à servidão,
vislumbrado por Huxley, seja um estado permanente. A estagnação dos salários, a
brutalidade das novas condições de emprego, o rompimento do vínculo entre
progressão educacional e avanço social, a impossibilidade para muitos jovens de
encontrar boa moradia: tudo nos confronta com a pergunta que só poderia ser
adiada em condições de crescimento geral da prosperidade – “isso é tudo o que
existe”?
Como sugere o crescimento do Syriza e do Podemos,
não é possível construir movimentos políticos que desafiem essas questões se
não construirmos também relações sociais. Não é suficiente convocar as pessoas
a mudar suas políticas: precisamos criar não só identidade com projetos
políticos, mas também experiências de apoio mútuo que ofereçam a segurança, a
sobrevivência e o respeito que o Estado não mais proverá.
Em uma série notável de iniciativas que se
desdobram além de seus temas usuais, a rede Amigos da Terra começou a explorar
as formas como podemos nos reconectar uns com os outros e com o mundo natural.
Está, por exemplo, procurando novos modelos para a vida urbana com base na
partilha, ao invés do consumo competitivo. Partilha não apenas de carros,
eletrodomésticos e ferramentas, mas também de dinheiro (por meio de
cooperativas de crédito e microfinanças) e poder. Isso significa um processo de
decisões, liderado pela comunidade, em relação a temas como transporte,
planejamento e talvez os níveis de renda, salários mínimos e máximos, os
orçamentos municipais e a tributação.
Tais iniciativas não substituem a ação
governamental: sem a articulação do Estado, elas perdem sentido. Mas podem unir
pessoas com uma noção comum de propósito, pertencimento e apoio mútuo que os
processos centralizados nunca poderão proporcionar.
Os Amigos da Terra também apoiam a revolução da
empatia liderada pelo autor Roman Krznaric, e a educação permanente, que
poderia contrapor-se à escolaridade sempre mais restrita, hoje imposta a nossos
filhos – uma educação cujo objetivo é preparar as pessoas para empregos que
nunca terão, a serviço de uma economia organizada em benefício de outros.
Nessas ideias e movimentos encontramos os sinais de
uma resposta à pergunta inicial. Não, isso não e tudo que existe. Há conexão.
Apesar dos melhores esforços daqueles que acreditam não haver algo chamado
sociedade, não perdemos nossa capacidade de nos vincular.
* George Monbiot é jornalista, escritor,
acadêmico e ambientalista do Reino Unido. Escreve uma coluna semanal no jornal
The Guardian.
Fonte: Outras Palavras
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