Nos rejeitos nucleares, quem pode
garantir?
por
Washington Novaes*
Técnicos acompanham ações de descontaminação em
Fukushima. Foto: AIEA/ Maio – 2014.
Estranho mundo. Ao mesmo tempo que anuncia que
implantará oito reatores nucleares “para fins pacíficos” no Irã – sob protestos
de países europeus -, a Rússia começa a construir uma estrutura física para
cobrir, 28 anos depois, o abrigo de rejeitos radiativos em Chernobyl, na
Ucrânia, onde aconteceu o maior acidente nuclear da História. Enquanto isso, a
mesma Rússia informa que vai demolir a “Chernobyl flutuante”, um navio repleto
de lixo altamente radiativo de sua frota no Ártico – 21 anos depois que teve
sua existência revelada pela revista New Scientist e agora reiterada
(13/12/2014). Já o Japão revoga sua decisão de fechar todas as usinas nucleares
– que tomara após o acidente na usina de Fukushima, atingida em 2011 por um
tsunami – e até volta a exportar arroz daquela área.
Enquanto isso, o Brasil, embora pressionado pela
Justiça, não sabe como e quando implantará um depósito definitivo e adequado
para os resíduos das usinas Angra 1 e Angra 2, além da terceira unidade, em
construção – ao mesmo tempo que a Comissão de Minas e Energia da Câmara dos
Deputados rejeita projeto que proibiria novas usinas enquanto não se implantar
um depósito definitivo para o lixo nuclear.
O navio russo Lepse, a ser desmontado, tem uma
carga radioativa comparável à de césio liberada em Chernobyl e que provém de
quatro reatores. A União Europeia teme que essa carga escape e atinja campos de
pesca no Ártico. Desde 1994 se oferece para retalhar o navio e remover suas
partes para lugares mais seguros. Um grupo de ambientalistas europeus afirma
que a recusa se deve ao receio de que se possa saber que o urânio ali contido
era mais enriquecido do que permitiriam os acordos internacionais – e
demonstraria quanto tempo um submarino militar poderia permanecer ao largo sem
ser reabastecido.
O trabalho com o navio seguirá durante todo este
ano e em 2016. Mas o problema não se resume a ele: 16 submarinos nucleares,
também considerados “lixo”, permanecem ao largo, alguns repletos de
combustíveis, e dois deles com reatores a bordo; um terceiro afundou em 2003,
quando era levado para a desmontagem; um quarto tem furos no casco, causados
por um acidente em 1981. E ainda não se sabe como se resolverá o problema,
embora a Comissão de Proteção Radioativa da Noruega tema que a água do mar
possa provocar vazamentos – e é apoiada por membros da Academia de Ciências da
Rússia. Para complicar tudo, do lado oposto instituições das áreas de petróleo
e gás receiam que o problema possa levar a restrições para explorações em áreas
problemáticas no Ártico.
Já a decisão japonesa de rever suas posições em
matéria nuclear se baseou não nas questões geradas pelo tsunami em Fukushima, e
sim em motivos econômicos, uma vez que a suspensão de atividades nas usinas da
área levaria a forte aumento nas importações de petróleo, gás e carvão. O país
revogou também a decisão de reduzir em 25% suas emissões de carbono, calculadas
sobre as de 1990.
As polêmicas têm sido muitas, com cientistas
relembrando que no tsunami 18 mil pessoas morreram e 140 mil não puderam voltar
para casa. Hoje, estão armazenados num contêiner (ainda não há incinerador) 33
mil metros cúbicos de roupas protetoras contra radiações descartadas por
trabalhadores que ali operam (New Scientist, 8/11/2014).
Por aqui, os problemas e advertências levantados na
área da geração nuclear parecem cair em ouvidos moucos. Já no começo do ano
passado a imprensa informava que as usinas Angra 1 e Angra 2 produziam energia
“além de sua capacidade máxima”, por causa da alegada redução no armazenamento
de água em reservatórios, que ameaçava o abastecimento no País (Folha de
S.Paulo, 17/2/2014). Três meses depois se noticiava (O Globo, 12/5/2014) que
Angra 2 corria o risco de ser desligada em 2017, por causa da “saturação dos
depósitos de rejeitos radiativos, segundo avaliação da Comissão Nacional de
Energia Nuclear”. Para Angra 1 o risco sobreviria em 2018 ou 2019. E não se
sabia o que será feito com os rejeitos de Angra 3, em construção. Uma auditoria
do Tribunal de Contas da União (TCU) havia constatado o “risco iminente de
esgotamento dos depósitos de média e baixa radioatividade”, assim como nas
piscinas de depósito dos resíduos de alta radioatividade.
Apesar de tantos problemas, continuava-se a
discutir a construção de mais usinas, algumas delas no Nordeste, com os
rejeitos depositados no Raso da Catarina, reserva ambiental – debaixo de muitos
protestos. E um relatório da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) ao TCU
informava (14/5/2014) que Angra 2 poderia ser desligada; a unidade de
armazenamento de rejeitos precisaria ser construída, ao custo de R$ 577
milhões, para garantir a segurança até 2040 – mas a construção não começara.
Para o depósito final o projeto previa investimento de R$ 261 milhões, de modo
a que se assegurasse o término até 2019. Já em junho de 2014 a revista
Ecológico informava que a União fora condenada a incluir em seu orçamento
recursos para esse depósito final.
É, de fato, um tema espinhoso. Nenhum país
encontrou solução para o depósito seguro de rejeitos radiativos. Os Estados
Unidos, que têm mais de 400 usinas nucleares, começaram a implantar em Yucca
Mountain, Nevada, o que pretendiam fosse essa solução final. Mas depois de
gastarem mais de US$ 12 bilhões desistiram do projeto, ante as advertências de
cientistas de que se tratava de região sujeita a frequentes abalos sísmicos.
O autor destas linhas esteve em Yucca Mountain, com
o projeto ainda em andamento. Visitou as obras 300 metros abaixo do solo, sob a
montanha. E ao sair entrevistou um representante do Departamento de Energia
norte-americano, que assegurava ser tudo muito seguro. Mas quando perguntado
(como já se relatou aqui) quem garantiria essa segurança, da qual os cientistas
duvidavam, apontou para o céu e respondeu, seco: “Ele”. Ao que parece, a
garantia foi retirada.
* Washington Novaes é jornalista.
Fonte: O Estado de S. Paulo
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