Indicação de Kátia Abreu reforça
opção do Governo Dilma pelo agronegócio. Entrevista com Gerson Teixeira.
“As afirmações da ministra refletem o pensamento
conservador que decreta a intempestividade da reforma agrária ante a realidade
rural da atualidade”, destaca o agrônomo.
Foto: ebc.com.br
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Passados 12 anos do governo petista, pouco ou quase
nada se avançou no tema reforma agrária. Agora, em nome do presidencialismo
de coalizão, o novo governo Dilma inicia com aliados que sempre
foram ícones na defesa do agronegócio – vide a ministra da Agricultura Kátia
Abreu. Diante desse cenário, é possível ainda acreditar em avanços nos
temas relacionados à posse da terra?
Em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line,
o engenheiro agrônomo e integrante da Associação Brasileira de Reforma
Agrária – ABRA, Gerson Teixeira, afirma: “Os desafios são os mesmos
de sempre, agravados, neste período histórico, pelos efeitos da hegemonia do
agronegócio que, mesmo não conseguindo interditar totalmente essa agenda,
conseguiu represá-la”, avalia. Hegemonia essa que se reforça tendo no governo
figuras como a ministra da Agricultura que, nos primeiros dias na pasta,
evidenciou suas preferências ao afirmar que não existe latifúndio no Brasil.
“Esse engajamento incorpora discurso carente de consistência científica, ao
pegar níveis de excelência da eficiência econômica do agronegócio”.
Teixeira reconhece alguns avanços ao longo da gestão
petista, destacando ações da bancada do PT pelo fim do latifúndio.
“Contudo, os conservadores conseguiram evitar a eficácia desse dispositivo ao
enfiarem no texto daConstituição que lei específica garantiria
tratamento especial à propriedade produtiva e fixaria normas para o cumprimento
da sua função social. Até hoje não se toca nesse assunto no Congresso”.
pondera. Na prática, a legislação segue emperrando análises mais eficazes sobre
a produtividade e as pequenas propriedades continuam sendo preteridas às
demandas dos grandes produtores.
Foto: ceplac.gov.br
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O problema também se acentua quando se traz ao
debate questões de terra para índios e preservação de áreas naturais. “Na
atualidade, as terras dos povos indígenas, as unidades de conservação, os
territórios quilombolas, bem como as áreas do programa de reforma agrária foram
transformadas em alvo da voracidade por mais terras pelo agronegócio que está sob
o controle do capital financeiro internacional.”
No entanto, em contrapartida, Gerson Teixeira
avalia positivamente a figura de Patrus Ananias no Desenvolvimento Agrário.
“Por suposto ele não terá facilidades para viabilizar uma estratégia de ação
que consiga de fato redirecionar a agricultura familiar e camponesa para uma
realidade de sustentabilidade econômica e de protagonismo concreto da segurança
alimentar e nutricional do país”, complementa.
Gerson Teixeira é engenheiro agrônomo, especialista em desenvolvimento
agrícola pela Fundação Getúlio Vargas – FGV/RJ. Também é ex-presidente da
Associação Brasileira de Reforma Agrária – ABRA.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Quais os desafios para a reforma
agrária no Brasil em 2015?
Gerson Teixeira - Os desafios são os mesmos de sempre,
agravados, neste período histórico, pelos efeitos da hegemonia do agronegócio
que mesmo não conseguindo interditar totalmente essa agenda, graças às lutas
dos trabalhadores rurais e às resistências por alguns setores do governo,
conseguiu represá-la. Os agravantes desse fato não ficam restritos aos
desdobramentos da perpetuação das desigualdades nas áreas rurais do país. Mas
concorrem para cenários hídricos (e ambientais em geral) cada vez mais
assombrosos, e projetam quadro severo de insegurança alimentar no Brasil com o
avanço do processo de aquecimento global. Tudo, por 100 bilhões de dólares
em exportações.
IHU On-Line – Como o senhor avalia, historicamente,
a gestão desta pauta pelo Partido dos Trabalhadores?
Gerson Teixeira - A questão agrária brasileira, em geral,
sempre constou do núcleo da agenda do Partido notadamente com os avanços na
organização dos movimentos sociais do campo a partir da redemocratização do
país. Na Constituinte, a pequena, mas aguerrida Bancada do PT
propôs o fim do latifúndio no país. Não foi possível, mas teve papel de relevo
para consagrar no Estatuto Federal avanços como a exigência de um conceito mais
substantivo da função social para dar legitimidade à grande propriedade rural.
Contudo, os conservadores conseguiram evitar a eficácia desse dispositivo ao
enfiarem no texto da Constituição que lei específica garantiria
tratamento especial à propriedade produtiva e fixaria normas para o cumprimento
da sua função social. Até hoje não se toca nesse assunto no Congresso.
Assim, restou a possibilidade de desapropriação somente da grande propriedade
improdutiva. À medida que, associadamente, avalia-se a produtividade dessas
áreas com coeficientes técnicos de 40 anos atrás, ficou difícil encontrar
grandes imóveis rurais improdutivos nas áreas de colonização antiga.
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“Com os outputs e inputs sob o
controle absoluto dos oligopólios do agronegócio, as grandes fazendas
passaram a ter uma natureza econômica paraestatal”
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Na década de 1990 até o início da década de 2000, o
PT teve atuação ainda mais destacada na temática agrária. Foi através da
intensa oposição aos governos da época, do PSDB em especial, graças às atuações
da Secretaria Agrária Nacional, e do Núcleo Agrário da Liderança da Bancada na
Câmara dos Deputados. Essas instâncias do Partido o envolveram de forma
absoluta nas lutas dos trabalhadores rurais vitimados pelos conflitos no campo,
incluindo as ações de solidariedade e de denuncia internacional de tragédias
como as de Eldorado de Carajás e Corumbiara. Enfim, com um maior
número de parlamentares vinculados aos trabalhadores rurais, notadamente a
Bancada do PT na Câmara atuou em linha com os movimentos do campo, na resistência
intelectual e nas lutas pelo enfrentamento da questão agrária brasileira.
IHU On-Line – Quais foram os avanços e os
retrocessos da Reforma Agrária no Brasil nos últimos 15 anos?
Gerson Teixeira - O programa de assentamentos tem tido natureza
reativa aos conflitos sociais e às pressões das organizações do campo. Daí a
sua marca espacialmente fragmentada, porém concentrada de forma excessiva nas
áreas de expansão da fronteira agropecuária. Portanto, o programa não tem sido
resultado de um planejamento estratégico do Estado com vistas a resgatar as
condições estruturais para um projeto para o Brasil livre dos efeitos
sistêmicos do quadro de deformações da estrutura de posse e uso da terra do
país.
Nesses termos, contabiliza-se para o programa a
conquista de cerca de 80 milhões de hectares para os trabalhadores assentados.
Não se pode negar a importância dessa conquista. Mas, uma crítica de cunho
estruturante apontaria que essas terras, além de majoritariamente de origem
pública – o que equivale a dizer que o programa não afetou a concentração da
propriedade fundiária – as famílias beneficiárias, na maior parte, não
obtiveram do poder público as condições para uma sobrevivência com dignidade no
campo. Sem a devida musculatura econômica, essas unidades produtivas estão à
mercê da sanha por mais terras dos fazendeiros do agronegócio. Tanto que no
intuito de evitar o desvio de finalidade das áreas do programa foi aprovada a
Lei nº 13.001, de 2014, derivada de iniciativa do governo, por Medida
Provisória – MP, que pretende dificultar a transferências dessas áreas para o
domínio privado. Contudo, mesmo que por vias precárias, ou não legais, essas
áreas continuarão sendo transferidas pelos assentados caso não lhes sejam
garantidas condições razoáveis de sobrevivência econômica e de bem estar
social.
Considero que de todos os retrocessos no
plano institucional, o maior de todos foi a edição da Medida Provisória nº
2.183, de 2001 cujo texto se mantém incólume até a presente data. Essa MP
encarece abusiva e indevidamente o programa, inviabilizando para o Tesouro a
possibilidade de uma ação massiva de reforma agrária, inviabiliza o seu
principal instrumento, a desapropriação, criminaliza as lutas sociais e suas
lideranças e transforma o programa de reforma agrária em excelente negócio para
os latifundiários.
IHU On-Line – Tentando avançar no extenso debate
sobre a escolha de Kátia Abreu para o Ministério da Agricultura, que tipo de
modelo de agricultura é evocado a partir de sua escolha como ministra? Em
síntese, o quê e quem ela representa?
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“O Estado tem oscilado as suas posições ao não
efetivar as demarcações que precisam ser feitas”
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Gerson Teixeira - É claro que a nova ministra da Agricultura
é reconhecida por uma militância política intransigente em defesa dos
interesses dos setores ultraconservadores das áreas rurais. É legítimo, mas
esse engajamento incorpora discurso carente de consistência científica, ao
pegar níveis de excelência da eficiência econômica do agronegócio. Com as suas
declarações de chegada (não existe mais latifúndio improdutivo; críticas às
demandas pela atualização dos índices de produtividade para a aferição da
produtividade das terras), a ministra teve o mérito de expor alguns embates
internos no governo, desde Fernando Henrique Cardoso, que têm sido
represados por razões óbvias.
Analisando a partir do quadro atual, temos que, por
conta de um governo de coalisão, mas com uma base política majoritariamente
alinhada com o agronegócio, algumas concepções sui generis que passaram a
prevalecer. Uma delas garante a coexistência dos modelos de agricultura
empresarial de larga escala, com pequenas unidades produtivas baseadas no
trabalho familiar. Esse é um falso debate, vez que na verdade se trata de um
mesmo modelo de agricultura para o qual a agricultura familiar vem sendo
direcionada pelos efeitos da geração de políticas de fomento produtivo tendo o Programa
Nacional de Fortalecimento da Agricultura – Pronaf como carro-chefe.
Trata-se de um padrão de agricultura que destrói a biodiversidade, recurso
absolutamente estratégico para a segurança alimentar no futuro, intensiva em
capital e energia, que igualmente destrói e contamina o meio ambiente. Um
modelo, enfim, que produz muita commodity para exportação e pouca comida para
os brasileiros.
Da mesma forma, as afirmações da ministra refletem,
em última instância, o pensamento conservador que decreta a intempestividade da
reforma agrária ante a realidade rural da atualidade. Não haveria mais uma
questão agrária a ser enfrentada no Brasil. Na realidade, trata-se da maior das
mistificações que tem como alvo a desmobilização social e institucional pela
reforma agrária. A ministra corrobora teses de intelectuais e lideranças do
agronegócio, segundo as quais a partir da década de 1990 houve o ‘divisor
de águas em nossa história rural’. No discurso desses setores, por conta do
estágio alcançado de supremacia do capital entre os fatores de produção, a
terra teria perdido relevância no processo de acumulação. Igualmente o Estado
teria perdido importância no suporte da dinâmica da atividade agrícola do
agronegócio. Teríamos então, uma agricultura economicamente autossustentável e,
preferencialmente, autorregulável.
Foto: http://acordacultura.ning.com/
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Os fatos não sustentam os discursos. Nos últimos
dez anos, os ganhos patrimoniais proporcionados pelo aumento dos preços da
terra para os grandes proprietários foram fabulosos conforme atesta recente
estudo do Banco do Brasil sobre o tema. De outra parte, nos dias presentes,
níveis positivos de rentabilidade para as atividades no interior da base
primária do agronegócio dependem direta e ostensivamente do Estado, por meio da
concessão de subvenções econômicas e financeiras crescentes, de permissividades
regulatórias em várias esferas que em sua maioria confrontam direitos de
minorias e coletivos fundamentais. Em suma, com os outputs e inputs sob o
controle absoluto dos oligopólios do agronegócio, as grandes fazendas
passaram a ter uma natureza econômica paraestatal.
Vale destacar que a disparada dos preços internacionais
de algumas commodities agrícolas desde 2004, mantida com inflexões até a
presente data, não resultou, na média, em ganhos de rentabilidade econômica
pelas atividades agropecuárias dentro das grandes fazendas. Foi alterada, sim,
a tendência de longo prazo de queda dos preços reais dos produtos agrícolas,
sem o aumento da rentabilidade.
Subvenções para o agronegócio
Tomemos como exemplar o caso da economia agrícola
dos Estados Unidos, onde as fazendas são as mais tecnificadas e
competitivas do mundo. De 2005 a julho de 2014, justamente o período que inclui
os momentos de pico do boom dos preços agrícolas, o Índice de Preços
Recebidos pelos produtores americanos superou o Índice de Preços Pagos
em apenas 11, dos 38 trimestres do período considerado (cultivos). Significa
que, na maior parte do período, o incremento dos preços recebidos pelos
agricultores com as vendas dos seus produtos foi menor do que o dos preços
pagos pelos insumos e serviços.
O Departamento de Agricultura dos EUA
informa que comparando os dispêndios com o consumo intermediário nas fazendas
(insumos, serviços, etc) entre os dez anos anteriores a 2004 com os dez anos
após, constata-se que, de 1993 a 2003, esses gastos alcançaram, em média, 86
mil 479 dólares. Já, de 2004 a 2013 os gastos médios foram de 134 mil 310
dólares. Ou seja, de um período para o outro o crescimento dos gastos
produtivos médios, por fazenda nos EUA, foi de 55%. Isso que, na década de 1993
a 2003, a taxa média de crescimento desses gastos foi de 0.64% ao ano, saltando
para 5.7% ao ano, no período de 2004 a 2013. Portanto, um incremento
excepcional nos custos de produção.
Os fenômenos acima antecipam projeções de renda
preocupantes para as fazendas americanas. Assim, deverá pressionar os cidadãos
daquele país por aportes progressivamente maiores de apoio à atividade
agrícola. Projeções do Departamento de Agricultura dos Estados USDA, de
dezembro de 2013, apontam a tendência de encolhimento da renda agrícola líquida
nas fazendas.
Assim, nas condições acima, cada vez mais os
Estados nacionais têm desempenhado papel nevrálgico para a sustentação
econômica das fazendas do agronegócio. Isso vem se dando pelas subvenções
diretas à atividade, concessões regulatórias e, por via indireta, com o
protecionismo.
Estudo da Organização para Cooperação do Desenvolvimento – OCDE atesta que, na média, 18% da renda dos agricultores dos países desenvolvidos são provenientes de subvenções. Tem nações nas quais essa participação chega a 65%.
A China foi o país que mais aumentou os
gastos com subsídios agrícolas no período recente. Até 2008, ano em que eclodiu
a crise econômica global, o máximo que os chineses haviam gasto com subsídios
foi cerca de 60 bilhões de dólares em 2007. Desde então, até 2012, o incremento
desses dispêndios foi de 183%.
No Brasil as subvenções diretas para a
agricultura empresarial medidas pelo PSE (Percentage Producer Support Estimate
– PSE, indicador criado pela OCDE), saltaram de três bilhões de dólares em
2004, ano de início da alta dos preços agrícolas, para 10 bilhões de dólares em
2010 (OECD.Stat). Na posição atual, esse valor significaria cerca de 22 bilhões
de Reais em subsídios no crédito e em gastos tributários.
Considerando os dados do PIB da agricultura
a preços de dezembro de 2013 (CEPEA/USP), temos que os gastos com subsídios
agrícolas no Brasil saltaram do correspondente a 5,05% do PIB agrícola em 2004
para o equivalente a 15% em 2010. Portanto, um salto significativo nas
subvenções declaradas à agricultura empresarial. Então, não passa de uma grande
falácia a tese ruralista sobre a eficiência econômica do agronegócio e da
‘saída à francesa’ do Estado na sustentação do setor.
IHU On-Line – Qual a importância de Patrus Ananias
no Ministério do Desenvolvimento Agrário? É um contraponto à perspectiva de Kátia
Abreu?
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“Fazer valer o princípio da função social para os
imóveis rurais não é apenas a premissa básica para se começar a incidir de
forma efetiva na questão agrária brasileira”
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Gerson Teixeira - A expectativa é muito positiva. A trajetória
política do ministro, notadamente na militância no PT, como prefeito de Belo
Horizonte e ministro do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à
Fome – MDS, o credenciam para uma boa gestão à frente doMinistério de
Desenvolvimento Agrário – MDA. Além disso, o ministroPatrus
certamente conta com o apoio pleno dos movimentos sociais do campo e mantém
estreita relação com a Igreja católica.
Por suposto ele não terá facilidades para viabilizar
uma estratégia de ação que consiga de fato redirecionar a agricultura familiar
e camponesa para uma realidade de sustentabilidade econômica e de protagonismo
concreto da segurança alimentar e nutricional do país. Terá mais dificuldades
ainda para emplacar as ideias que defendeu na sua posse para a política
agrária. Mas as dificuldades são naturais, o que não pode ser natural é a
acomodação e a rendição política.
IHU On-Line – De que maneira a questão indígena,
assunto delicado e que o Estado parece não saber bem como lidar, se relaciona
com a questão agrária no Brasil?
Gerson Teixeira - A questão indígena é uma dimensão das mais
importantes da questão agrária brasileira. Na atualidade, as terras dos povos
indígenas, as unidades de conservação, os territórios quilombolas, bem
como das áreas do programa de reforma agrária foram transformadas em alvo da
voracidade por mais terras pelo agronegócio que está sob o controle do capital
financeiro internacional.
Graças ao PT e setores do governo, os ruralistas ainda
não conseguiram êxito nas suas lutas por transferir para o Congresso a
prerrogativa das demarcações das terras indígenas. No entanto, já conseguiram
atos que reduziram sobremaneira as áreas de algumas Unidades de Conservação.
Na verdade, os ruralistas também perderam importante batalha no Supremo
Tribunal Federal – STF.
Pretendiam estender para todos os casos os termos
da Raposa Serra do Sol. O Estado tem oscilado as suas posições ao não efetivar
as demarcações que precisam ser feitas. Mas, ao mesmo tempo, por conta da
sensibilidade da temática indígena, tem barrado algumas iniciativas dos
ruralistas.
A ministra da Agricultura também aproveitou a
exposição propiciada pelo cargo para intensificar a carga sobre os índios,
acusados pelos ruralistas de possuírem muita terra e de estarem invadindo
terras produtivas. Mais uma vez, os dados desmentem o discurso. De acordo com o
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – Incra, das 130 mil e
500 grandes propriedades rurais, 69 mil 200 são improdutivas. Estas detêm 228
milhões e 500 mil de hectares (posição de 2010). A área é mais de duas vezes
superior ao conjunto das áreas indígenas no país, estimado em 112 milhões de
hectares. Ou seja, considerando a população total de 818 mil indígenas (dados
da Fundação Nacional do Índio – FUNAI), conclui-se que os índios ocupam 137
hectares per capita, enquanto cada latifundiário improdutivo ocupa 3 mil e 300
hectares.
IHU On-Line – Em que medida o Direito à Propriedade
viola os Direitos Humanos?
Gerson Teixeira - Viola num cenário de propriedade absoluta como
praticamente acontece no Brasil. Não é à toa a pregação do novo ministro do MDA
pela efetividade do cumprimento da função social pela grande propriedade rural,
exigência constitucional que na prática não vem sendo observado no Brasil. No
nosso país são comuns ocorrências nos grandes imóveis, de trabalho escravo, de
contaminação e destruição generalizadas dos recursos naturais e de propriedades
com extensões continentais. Ainda assim, não são expropriados, e mesmo a
desapropriação ocorre apenas quando não cumprem os parâmetros que aferem se os
imóveis são produtivos ou não.
Contudo, o cumprimento pleno dos graus e critérios
que definem a função social conforme consta na Constituição Federal por
certo garantiria um padrão mais civilizado para a legitimação da propriedade
fundiária no Brasil. Mas, considero indispensável o aprofundamento desse
conceito de sorte a que inclua, também, um limite para o tamanho da
propriedade. Na esquizofrenia institucional brasileira, temos a pequena
propriedade como aquela com área equivalente a até quatro Módulos Ficais – MF,
a média propriedade como o imóvel acima de 4 MF até 15 MF. Parou aí.
Ou seja,
foram estabelecidos limites de área para os imóveis de tamanhos pequeno e médio
e se omitiu o limite para a grande que vai de acima de 15 MF ao infinito.
De todo o modo, fazer valer o princípio da função
social para os imóveis rurais não é apenas a premissa básica para se começar a
incidir de forma efetiva na questão agrária brasileira. É, também, um tema
nuclear da agenda dos direitos humanos no Brasil.
Por Ricardo Machado e João Vitor Santos
Fonte: IHU On-line
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