O calor e a seca que continuará:
que fazer? artigo de Washington Novaes.
“Se o Brasil tivesse cumprido o Plano Nacional de
Mudanças Climáticas, aprovado em 2009, dizem os estudos, estaríamos chegando já
em 2015 ao desejado desmatamento zero. Mas, como diz o dirigente do Instituto
SocioAmbiental, Beto Ricardo, todos os projetos multilaterais para a Amazônia
são “ridículos'”, escreve Washington Novaes, jornalista, em artigo publicado
pelo jornal O Estado de S.Paulo e reproduzido pelo sítio
Comissão Pastoral da Terra, 23-01-2015.
Eis o artigo.
Acendem-se muitos sinais de alerta diante de
notícias como a de que 2014 foi o ano mais quente desde quando se registram
temperaturas no planeta (1880), diz a National Oceanic and Atmospheric
Administration, a agência meteorológica dos Estados Unidos. Os dez anos mais
quentes aconteceram após 2000, com uma única exceção: 2015 tende a ser ainda
mais quente, pois neste ano teremos o fenômeno El Niño, que aquece as águas do
Pacífico e influi na atmosfera continental – o que não se verificou em 2014.
O aumento das emissões de poluentes para a
atmosfera foi muito forte e ao lado da formação de “ilhas de calor” em áreas
urbanas muito adensadas já é causa bem estudada de eventos problemáticos, dizem
os cientistas do Instituto Climatempo. Assim como o aumento do desmatamento no
País, principalmente na Amazônia, e a ocupação de novas áreas pela pecuária e
pela agricultura. E tudo isso nos coloca entre os países que mais contribuem
para mudanças no clima.
Outro estudo, de 18 cientistas respeitados
(ScienceXpress, 15/1), adverte que mudanças no clima e perdas na biodiversidade
podem “levar o planeta Terra a um novo estágio, se a ultrapassagem de limites
continuar ocorrendo”, afetando mesmo a camada de ozônio e intensificando a
acidificação dos oceanos. Na verdade, dizem eles, deveríamos até, ao calcular a
evolução do produto econômico no mundo, incorporar o que acontece em terra, na
água, no ar.
A Organização das Nações Unidas para a
Alimentação e a Agricultura (FAO) dá-lhes razão, ao lembrar que, como a
população terrestre vai chegar a 9 bilhões até 2050, nas próximas décadas
precisaremos aumentar a produção de alimentos em 60% (para atender inclusive
aos 40% da população que vive abaixo do nível de pobreza fixado pela ONU),
aumentar a produção de energia em 50% e a utilização de recursos hídricos em
40%. E tudo sem aumentar a degradação – o que exigirá modos de viver adequados
às possibilidades do planeta.
Deveríamos também, todos, ler o relatório O
Futuro Climático da Amazônia, do professor Antônio Donato Nobre, pesquisador no
Inpe, MCT e Inpa, produzido para a Articulação Regional Amazônica. Ele chama a
atenção para os efeitos devastadores do desmatamento na Amazônia e sua
influência muito forte em todo o País, inclusive para quem vive nas áreas
urbanas. E destaca alguns ângulos da questão:
1) A capacidade da Floresta Amazônica de
contribuir decisivamente para manter a umidade do ar naquele bioma e em outras
partes distantes; as árvores extraem água pelas raízes, levam-na para as folhas,
que jogam o líquido, evaporado, para a atmosfera; isso leva a que uma árvore de
grande porte contribua a cada dia com o equivalente a mil litros de água – o
que se traduz em quase 20 bilhões de toneladas de ar diárias evaporadas pela
floresta, mais que o aporte diário de água para o Rio Amazonas; e que equivale,
em energia solar, a mais do que toda a energia gerada por uma usina como
Itaipu.
2) Esse processo leva a um rebaixamento da
pressão atmosférica sobre a floresta, que suga o ar úmido que está sobre o
oceano para dentro do continente, mantendo as chuvas “em quaisquer
circunstâncias”.
3) No processo a Amazônia também exporta “rios
aéreos de vapor”, que transformam a água transportada em “chuvas fartas que
irrigam regiões distantes no verão hemisférico”; o processo florestal também
distribui e dissipa a energia transportada nos ventos que chegam e impede a
formação de “eventos climáticos extremos”, como furacões e similares.
Mas todo esse processo está em risco. Até 2013 o
desmatamento na Amazônia chegou a quase 763 mil km2. Se forem somadas as áreas
onde ocorreu a “degradação florestal”, serão mais 1,2 milhão de km2 – chegando
o total final a quase 2 milhões de km2.
A tudo isso ainda se podem somar as perdas no
Cerrado (mais de 50% da área já desmatada), na Mata Atlântica e em outros
biomas. A impermeabilização do solo do Cerrado com o desmatamento impede que a
água se infiltre – e se reduz a capacidade de geração de fluxos para as três
grandes bacias brasileiras.
Cinco passos essenciais são apontados por Antônio
Nobre e outros cientistas:
1) Ter uma estratégia de “guerra à ignorância”
quanto às questões das chuvas e da Amazônia;
2) conseguir, com políticas competentes e
obrigatórias, chegar ao desmatamento zero na Amazônia;
3) abolição do uso do fogo;
4) estratégias de recomposição de espaços das
florestas;
5) conscientizar as “elites” de seu papel
decisivo no processo.
Se o Brasil tivesse cumprido o Plano Nacional de
Mudanças Climáticas, aprovado em 2009, dizem os estudos, estaríamos chegando já
em 2015 ao desejado desmatamento zero. Mas, como diz o dirigente do Instituto
SocioAmbiental, Beto Ricardo, todos os projetos multilaterais para a Amazônia
são “ridículos”.
Então, será decisivo impedir que o desmatamento
propicie a expansão de pastagens (com o aumento das emissões de metano), é
preciso mudar os caminhos da pecuária. Repensar nossos formatos de mobilidade
urbana, para reduzir as emissões de poluentes por veículos. Tratar com
competência a área de energia e não utilizar fontes térmicas, altamente poluentes,
como o carvão. Sempre lembrando o que é conclusão quase unânime na Convenção do
Clima: teremos de reduzir em 80% o uso dos chamados “combustíveis fósseis”.
Nas cidades, onde as “ilhas de calor” causadas
pelo adensamento atraem chuvas problemáticas, vale a pena enfatizar o recente
“apelo à população” feito pelo diretor executivo da Rede Nossa São Paulo, Oded
Grajew: “A cidade de São Paulo está diante de uma catástrofe social, econômica
e ambiental sem precedentes (…). A Cantareira pode secar em 60 dias (…).
Estamos acomodados e tranquilos num Titanic, sem nos dar conta do iceberg que
está se aproximando”.
Fonte: IHU On-line
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