Nova tecnologia, barata e rápida,
identifica a presença do agrotóxico na água, terra e até no alimento.
Seis
milhões de litros. É o volume usado em 2010 do inseticida metamidofós em
lavouras mato-grossenses. Ele está no topo de duas listas: o segundo mais utilizado
no estado e na classe mais perigosa à saúde. Uma gota pode matar um homem
adulto. O contato com o agrotóxico pode causar paralisias, convulsões, perda de
memória e levar até ao desenvolvimento do Mal de Alzheimer.
Desde
2012 seu uso foi proibido, mas ele permanece no ambiente por 10, 20 anos,
atingindo terra, água, plantas e animais. Incluindo o Homem. Além disso, muitos
outros defensivos agrícolas ainda ajudam a sustentar a economia do maior
produtor de soja do país.
E do
centro deste problema de saúde pública começam a surgir soluções. Izabela
Gutierrez, em seu mestrado na Universidade Federal de Mato Grosso [UFMT],
desenvolveu uma tecnologia barata e rápida para identificar a presença do
agrotóxico na água, terra e até no alimento. Antes disso, os estudos precisavam
ser feitos em laboratórios na região sudeste. Isso levava dez dias. Com a
invenção da cacerense, o teste sai em 30 minutos.
O sensor de fato é uma pequena peça de
vidro recoberta de metal e feita artesanalmente (Foto: Bruna Maciel/Voluntária
Fapemat Ciência).
O perigo
deste agrotóxico é que ele bloqueia uma enzima no cérebro, atrapalhando as
sinapses, que são os pulsos elétricos que fazem o cérebro controlar tudo.
Normalmente, esta enzima quebra algumas moléculas, gerando íons. Mas o
pesticida se gruda, segura a enzima e não a deixa trabalhar. As moléculas que
deveriam ser quebradas acabam se acumulando, e começa o problema.
Mas foi
justamente isto que o entregou. Utilizando a mesma enzima em uma fita, é
possível ver a ação do metamidofós. Se ele estiver ali, a enzima não vai
trabalhar. E se ela não trabalha, vai diminuir produção de íons do mesmo jeito
que acontece no cérebro. Daí é só medir e… pimba! Teste feito.
Mas será
que é fácil assim medir? Pior que sim. Os íons causam uma mudança de acidez, do
pH. E medidor de pH já existe há um bom tempo. O objetivo agora é compactar os
equipamentos de leitura de precisão para algo semelhante a um medidor de
diabetes, barato e que caiba no bolso. Alguns estudos já estão sendo feitos nos
laboratórios do campus de São Carlos da Universidade de São Paulo [USP-SC].
Segundo o orientador da dissertação e professor da UFMT, Romildo
Ramos, isso é perfeitamente realizável. Só falta o investimento do
setor público ou privado para alavancar o processo.
Izabela
conta que o processo é bastante confiável. A enzima usada [acetilcolinesterase]
é bem específica. Isso significa que coisas como sujeira e outros elementos não
vão alterar o resultado. Além disso, os pesquisadores fizeram mais de 50 testes
e conseguiram o mesmo resultado em diferentes laboratórios na UFMT e USP-SC.
Eles ainda contam que bastam novas baterias de testes e calibrações para que
outros tipos de agrotóxicos possam ser também identificados.
Reconhecimento
Sábados,
domingos, feriados. O expediente começa cedo e não tem hora para acabar. A
marmita é o que salva nos 30 minutos de almoço. As aulas na escola pública
ajudam a sustentar a pesquisa, que sofre com o financiamento ralo. Para alguns,
o relato de Izabela e Romildo podem ser bem chocantes. A gestação dessa
tecnologia foi de 20 meses, e repleta de duras penas. Mas valeu.
A
pesquisa de Gutierrez e seu biossensor já carregam alguns títulos invejáveis. A
tecnologia ainda é a única patente da UFMT, mas deve ganhar companhia logo,
segundo o Escritório de Inovação Tecnológica [EIT] da
universidade. É também o único mestrado de Física da universidade a publicar
dois artigos em revistas internacionais. Mostras da importância deste trabalho
são os convites de um grande laboratório francês e de uma pesquisadora
espanhola para trabalhos em parceria.
O aparelho de medição ainda precisa ser
compactado (Foto: Bruna Maciel/Voluntária Fapemat Ciência).
A
tecnologia ainda não foi testada para poder ser comercializada no Brasil, mas o
registro já garante que, quando ela for explorada, o dinheiro dos direitos vai
ser dividido entre as instituições e pesquisadores que participaram do
trabalho.
A tecnologia permite precisão nos dados
obtidos (Foto: Bruna Maciel/Voluntária Fapemat Ciência).
Para o
professor Romildo, a criação de produtos é fundamental para a universidade. “É
nisso que deviam investir. A UFMT subiu no ranking com ajuda da patente [leia mais]. Já pensou uma indústria dessas aqui
em Mato Grosso? Nós não podemos ficar dependendo só do agronegócio. E isso traz
visibilidade para cá. E melhora a qualidade de vida de todo mundo”.
A imagem
do inventor gênio, que tem a ideia e constrói tudo sozinho, não se encaixa
muito bem na realidade. Izabela é matemática. Seu orientador é físico. Seus
parceiros na pesquisa incluem médicos, químicos e biólogos. E “cada um teve um
papel importante no trabalho, não dá para fazer tudo sozinha”, conta Gutierrez.
Continuidade
dos trabalhos
Enquanto
o financiamento não vem, os pesquisadores ficam parados? Não. Izabela agora
cursa doutorado na USP-SC, onde procura aprimorar sua criação. Apesar de manter
os detalhes em segredo, ela revela que a tecnologia deve se tornar ainda mais acessível
e sustentável. Algo envolvendo um abacate que corta a necessidade de importar
enzimas. “É, cada vez mais, uma tecnologia que vem da natureza para encontrar
uma coisa que faz mal à natureza”, conta empolgada a pesquisadora.
Passando
o bastão. Três gerações de pesquisadores: Izabela, estagiária de Química e o
professor Romildo (Foto: Bruna Maciel/Voluntária Fapemat Ciência).
Izabela
continua regularmente voltando e trazendo novos conhecimentos para a UFMT.
Nesse meio tempo, Romildo fortalece o Grupo de Pesquisa em Materiais
Moleculares, treinando universitários de várias áreas e alunos do ensino médio
que podem dar continuidade aos trabalhos desenvolvidos hoje. Segundo ele, “é
preciso investir na base. “Daqui uns anos vai ter alguém para fazer mestrado
nessa área, e quando ela sair, já vamos ter outro capaz de continuar”.
Fonte: Revista Fapemat Ciência
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