Os EUA e a China (e o Brasil e…)
podem fazer mais pelo clima?
por
Márcio Santilli*
No relatório anual sobre as concentrações de gases
de efeito estufa, a agência das Nações Unidas indica que a taxa de crescimento
dos níveis de dióxido de carbono na atmosfera entre 2012 e 2013 representa o
maior aumento anual em 30 anos. Foto: Rafael Neddermeyer/ Fotos Públicas.
O acordo anunciado pelos dirigentes dos Estados
Unidos e da China para a redução das respectivas emissões de gases do efeito
estufa dá um grande alento às negociações que ocorrem no âmbito da ONU para
enfrentar a ameaça da mudança climática e do aumento da temperatura média na
superfície da Terra.
Os EUA haviam assumido, há cinco anos, o
compromisso voluntário de reduzir suas emissões em 19%, até 2020, em relação
aos níveis de emissão de 2005. Agora, ampliaram essa meta para 27%, até 2025, o
que representaria uma pequena aceleração do processo de redução de emissões já
em curso, em consequência do aumento em escala da produção de energias fósseis
oriundas da exploração das reservas de xisto, que substituem, com menor emissão
de carbono, o carvão e o petróleo anteriormente importado do Oriente Médio.
A China, por seu lado, assume, pela primeira vez, o
compromisso de iniciar reduções absolutas dos seus níveis de emissões, até
2030. Além disso, propõe elevar para 20% a participação das energias limpas na
composição da sua matriz energética, num salto expressivo. Há cinco anos, havia
se comprometido, apenas, a reduzir suas emissões em relação ao crescimento da
economia, o que significa continuar aumentando o volume bruto das emissões em
proporção menor que o crescimento do PIB.
O anúncio do acordo, às vésperas da conferência da
ONU sobre mudança climática em Lima, no início de dezembro, terá impacto
positivo nas negociações em curso, que devem desembocar num acordo global até
dezembro de 2015, quando haverá a próxima conferência, em Paris, com a presença
dos chefes de estado. Como EUA e China detêm as maiores economias, que
respondem por 40% das emissões globais e, até então, eram obstáculos para um
acordo internacional, sua nova postura destrava o processo e instiga os demais
países a também definirem compromissos significativos.
Porém, o impacto climático desse acordo é ainda
diminuto diante do que os cientistas afirmam que é necessário fazer para evitar
que a temperatura média aumente mais do que 2 graus centígrados na superfície
da Terra, reduzindo o risco de consequências mais sinistras da mudança do
clima. Para reduzir em 80% as emissões globais até 2050 em relação aos níveis
de 1990, seria necessário que todos os países entrassem na próxima década
acelerando muito mais esse processo em comparação com o que vem sendo
anunciado.
Na verdade, as metas agora anunciadas poderão ser
alcançadas dando-se continuidade a políticas e investimentos que já estão em
curso, sem exigirem grandes esforços adicionais. Com uma indução mais forte de
políticas e a potencialização de vantagens econômicas comparativas decorrentes
dos processos já em andamento, há espaço nessas economias gigantescas para
reduções de emissões mais significativas do que as assumidas.
Por exemplo, especialistas calculam com base no
cenário atual que o pico de emissões da China ocorrerá em 2023, sete anos antes
do compromisso assumido. No caso dos EUA, um investimento em escala na produção
de energias limpas, como foi feito na China, poderia levar o país a reduções
mais significativas do que a projeção da meta já assumida por mais cinco anos.
As dificuldades são mais políticas, derivadas de
resistências internas. A aceleração ainda maior da introdução de energias
limpas na matriz chinesa contraria interesses da indústria carbonífera,
arraigados no próprio Partido Comunista, mas sinaliza para uma melhora futura
nas condições da poluição da água e do ar, que vêm provocando revoltas na população.
Nos EUA, a oposição republicana, fortalecida nas últimas eleições, promete
combater a atuação da agência federal que controla a poluição e inviabilizar e
implementação da meta anunciada.
Por outro lado, os efeitos da mudança do clima
agravam-se em todas as partes do mundo, afetando principalmente os países e as
populações mais pobres, sem poupar, no entanto, quem quer que seja, como aponta
o recém-divulgado relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças
Climáticas, vinculado a ONU. A intensificação de eventos climáticos extremos,
com o aumento das vítimas e dos prejuízos, deve aumentar a pressão sobre
empresas e governos para adotar medidas mais fortes.
Assim, também há espaço para que, de Lima até
Paris, EUA e China possam ampliar as metas anunciadas, na medida em que outros
grandes emissores globais também aumentem as suas apostas. A União Europeia já
sinaliza neste sentido, por exemplo.
Urge que o Brasil – governo, inclusive – discuta e
defina claramente o papel que pretende desempenhar no período decisivo dessa
negociação, que trará consequências para as economias e as futuras gerações.
Enquanto o mundo aguarda o anúncio da nossa disposição para a próxima década,
as emissões brasileiras voltaram a crescer a partir de 2013, tanto no setor de
energia quanto em decorrência da retomada do desmatamento na Amazônia, apesar
da quase paralisia da economia no período (saiba mais).
Já não somos os protagonistas que fomos há cinco
anos, quanto o Brasil foi o primeiro país emergente a anunciar uma meta de
redução para 2020. Estamos, na verdade, saindo do rumo para o cumprimento dessa
meta no momento em que esperamos que o país tenha, assim como os demais grandes
emissores da Terra, compromissos fortes para os próximos anos.
* Márcio Santilli é sócio fundador do ISA.
Fonte: Instituto Socioambiental
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