segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Os EUA e a China (e o Brasil e…) podem fazer mais pelo clima?
por Márcio Santilli*
No relatório anual sobre as concentrações de gases de efeito estufa, a agência das Nações Unidas indica que a taxa de crescimento dos níveis de dióxido de carbono na atmosfera entre 2012 e 2013 representa o maior aumento anual em 30 anos. Foto: Rafael Neddermeyer/ Fotos Públicas.

O acordo anunciado pelos dirigentes dos Estados Unidos e da China para a redução das respectivas emissões de gases do efeito estufa dá um grande alento às negociações que ocorrem no âmbito da ONU para enfrentar a ameaça da mudança climática e do aumento da temperatura média na superfície da Terra.

Os EUA haviam assumido, há cinco anos, o compromisso voluntário de reduzir suas emissões em 19%, até 2020, em relação aos níveis de emissão de 2005. Agora, ampliaram essa meta para 27%, até 2025, o que representaria uma pequena aceleração do processo de redução de emissões já em curso, em consequência do aumento em escala da produção de energias fósseis oriundas da exploração das reservas de xisto, que substituem, com menor emissão de carbono, o carvão e o petróleo anteriormente importado do Oriente Médio.

A China, por seu lado, assume, pela primeira vez, o compromisso de iniciar reduções absolutas dos seus níveis de emissões, até 2030. Além disso, propõe elevar para 20% a participação das energias limpas na composição da sua matriz energética, num salto expressivo. Há cinco anos, havia se comprometido, apenas, a reduzir suas emissões em relação ao crescimento da economia, o que significa continuar aumentando o volume bruto das emissões em proporção menor que o crescimento do PIB.

O anúncio do acordo, às vésperas da conferência da ONU sobre mudança climática em Lima, no início de dezembro, terá impacto positivo nas negociações em curso, que devem desembocar num acordo global até dezembro de 2015, quando haverá a próxima conferência, em Paris, com a presença dos chefes de estado. Como EUA e China detêm as maiores economias, que respondem por 40% das emissões globais e, até então, eram obstáculos para um acordo internacional, sua nova postura destrava o processo e instiga os demais países a também definirem compromissos significativos.

Porém, o impacto climático desse acordo é ainda diminuto diante do que os cientistas afirmam que é necessário fazer para evitar que a temperatura média aumente mais do que 2 graus centígrados na superfície da Terra, reduzindo o risco de consequências mais sinistras da mudança do clima. Para reduzir em 80% as emissões globais até 2050 em relação aos níveis de 1990, seria necessário que todos os países entrassem na próxima década acelerando muito mais esse processo em comparação com o que vem sendo anunciado.

Na verdade, as metas agora anunciadas poderão ser alcançadas dando-se continuidade a políticas e investimentos que já estão em curso, sem exigirem grandes esforços adicionais. Com uma indução mais forte de políticas e a potencialização de vantagens econômicas comparativas decorrentes dos processos já em andamento, há espaço nessas economias gigantescas para reduções de emissões mais significativas do que as assumidas.

Por exemplo, especialistas calculam com base no cenário atual que o pico de emissões da China ocorrerá em 2023, sete anos antes do compromisso assumido. No caso dos EUA, um investimento em escala na produção de energias limpas, como foi feito na China, poderia levar o país a reduções mais significativas do que a projeção da meta já assumida por mais cinco anos.

As dificuldades são mais políticas, derivadas de resistências internas. A aceleração ainda maior da introdução de energias limpas na matriz chinesa contraria interesses da indústria carbonífera, arraigados no próprio Partido Comunista, mas sinaliza para uma melhora futura nas condições da poluição da água e do ar, que vêm provocando revoltas na população. Nos EUA, a oposição republicana, fortalecida nas últimas eleições, promete combater a atuação da agência federal que controla a poluição e inviabilizar e implementação da meta anunciada.

Por outro lado, os efeitos da mudança do clima agravam-se em todas as partes do mundo, afetando principalmente os países e as populações mais pobres, sem poupar, no entanto, quem quer que seja, como aponta o recém-divulgado relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, vinculado a ONU. A intensificação de eventos climáticos extremos, com o aumento das vítimas e dos prejuízos, deve aumentar a pressão sobre empresas e governos para adotar medidas mais fortes.

Assim, também há espaço para que, de Lima até Paris, EUA e China possam ampliar as metas anunciadas, na medida em que outros grandes emissores globais também aumentem as suas apostas. A União Europeia já sinaliza neste sentido, por exemplo.

Urge que o Brasil – governo, inclusive – discuta e defina claramente o papel que pretende desempenhar no período decisivo dessa negociação, que trará consequências para as economias e as futuras gerações. Enquanto o mundo aguarda o anúncio da nossa disposição para a próxima década, as emissões brasileiras voltaram a crescer a partir de 2013, tanto no setor de energia quanto em decorrência da retomada do desmatamento na Amazônia, apesar da quase paralisia da economia no período (saiba mais).

Já não somos os protagonistas que fomos há cinco anos, quanto o Brasil foi o primeiro país emergente a anunciar uma meta de redução para 2020. Estamos, na verdade, saindo do rumo para o cumprimento dessa meta no momento em que esperamos que o país tenha, assim como os demais grandes emissores da Terra, compromissos fortes para os próximos anos.

* Márcio Santilli é sócio fundador do ISA.


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