Desmatamento menor favorece
adoção de posição mais afirmativa do Brasil nas negociações climáticas.
por
Márcio Santilli*
Confira o artigo de Márcio Santilli sobre a taxa de
desmatamento na Amazônia, divulgada pelo governo nesta semana, e suas
implicações nas políticas e negociações climáticas.
Mesmo com queda de 18% em relação a período
anterior, foram desmatados quase 5 mil quilômetros quadrados de florestas.
Foto: Ibama-Ascom.
A divulgação pelo Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais (Inpe) de uma redução de 18% na taxa de desmatamento na Amazônia
contesta a expectativa de que poderia ter ocorrido uma nova alta, após os 29%
de aumento apurados entre 2012 e 2013. O Projeto de Monitoramento do
Desmatamento da Amazônia por Satélite (Prodes) registrou a derrubada de 4.884
quilômetros quadrados de florestas, entre agosto de 2013 e julho de 2014. No
período anterior, entre agosto de 2012 a julho de 2013, haviam sido desmatados
5.891 quilômetros quadrados.
O Prodes é o sistema mais adequado para estimar os
índices anuais e a extensão provavelmente desmatada. Neste ano, seu resultado
foi bem melhor do que o projetado pelo Sistema de Detecção do Desmatamento em
Tempo Real (Deter), que indicava a possibilidade de um aumento de 9% na
comparação com as ocorrências registradas no mesmo período. O Prodes calcula a
taxa oficial do desmatamento na Amazônia e ainda fará, até meados do próximo
ano, uma revisão minuciosa dos dados para confirmar, em definitivo, a redução
agora divulgada. O Deter tem resolução menor, produz informações mensalmente e
serve para orientar a fiscalização em campo.
Ainda será preciso verificar o que significam os
dados do Deter, também divulgados pelo Inpe há uma semana, apontando um aumento
de 122% no desmatamento detectado entre agosto e setembro de 2014, em
comparação com os mesmos meses de 2013. Este aumento só se refletirá na próxima
taxa anual (agosto de 2014 a julho de 2015) a ser apurada pelo Prodes.
Embora não se possa comemorar a supressão de
floresta amazônica registrada agora, a redução de 18% é um grande alívio por
não confirmar uma tendência contínua de aumento das emissões brasileiras de
gases estufa decorrentes do desmatamento, como vem ocorrendo com as emissões
decorrentes da queima de combustíveis fósseis. Dada a grande participação das
emissões florestais na composição das emissões brasileiras, o aumento de 7,8%
nas emissões totais do país em 2013, divulgado pelo Observatório do Clima na
semana passada, também poderá arrefecer em 2014 (saiba mais).
Mesmo que os recentes dados negativos do Deter
corroborem uma nova oscilação – agora para cima – das emissões florestais, vai
ficando ainda mais claro que o país pode e deve aprofundar as medidas de
combate ao desmatamento em todo território nacional, o que será essencial para
poder definir e implementar uma estratégia de maior fôlego para reverter o
expressivo aumento das emissões por queima de combustíveis fósseis fomentado
pelo uso intensivo de usinas termoelétricas e pelo aumento da frota de
veículos.
Vem em boa hora a indicação de que o desmatamento
oscila, mas sem descrever uma tendência contínua de alta e sem ensejar um
descontrole total das emissões brasileiras, pois se aproximam os momentos
decisivos das negociações no âmbito da ONU para se chegar, até o final de 2015,
a um acordo internacional para a redução das emissões globais de gases estufa.
O Brasil, que já foi um protagonista importante
nessas negociações em 2009, ao assumir uma meta de redução de 36% e 39% das
suas emissões em relação aos níveis projetados para 2020, vem adotando uma
discreta postura defensiva no estágio atual, quando se avalia serem muito melhores,
agora, as chances de se alcançar um acordo. Se o recuo for devido ao temor do
Itamarati de que uma tendência de alta contínua das emissões possa inviabilizar
o cumprimento de metas de redução, o anúncio dos dados do Prodes deveria
tranquilizar, pois repõe o Brasil na direção do cumprimento da meta já assumida
para 2020 e em condições de aprofundar esse compromisso para a década seguinte
no âmbito daquelas negociações.
A boa nova trazida pelo Inpe também ocorre de forma
concomitante ao anúncio de um acordo entre os EUA e a China, pelo qual os
primeiros se comprometem a aumentar para 28%, em 2025, a redução de suas
emissões de 17% anteriormente assumida para 2020, enquanto a China aumentará
ainda mais os investimentos em energias limpas e iniciará a redução total das
suas emissões, no mais tardar, em 2030. No mesmo rumo, a União Europeia também
aumentou a sua aposta, assumindo a meta de 40% de redução das suas emissões até
2030.
O agravamento das condições do clima em todo o
mundo também ocorre no Brasil. Da enchente inédita no Rio Madeira, afetando
duramente as populações do Acre, Rondônia e do sul do Amazonas, à seca aguda
que ameaça São Paulo e outras regiões do sudeste, os sinais estão por todos os
lados nos mostrando que não estamos fora do mundo e que já estamos pagando um
preço incalculável pela mudança do clima.
Como se as melhores condições em que ocorrem as
negociações não bastassem, é o povo brasileiro que precisa de uma posição mais
afirmativa da nossa diplomacia para que o enfrentamento à mudança do clima se
faça com mais urgência e consequência. A diplomacia não deve ficar refém do
receio que outras áreas do governo, responsáveis pelo controle do desmatamento,
não sejam capazes de fazer a sua parte para honrar compromissos que venham a
ser internacionalmente assumidos. A gravidade da situação climática exigirá que
a sociedade aprenda a expressar, ainda que de forma dramática, os seus anseios
e necessidades a respeito dela diante de qualquer governo.
Recorrendo, evidentemente, aos melhores subsídios
técnicos e científicos, o Brasil precisa assumir uma meta clara para reduzir as
suas emissões nos anos seguintes a 2020, além de reclamar o devido
reconhecimento internacional de reduções efetivadas entre 2006 e 2012 que,
apesar das oscilações mais recentes, sustentam o cumprimento da meta já
adotada.
* Márcio Santilli é sócio fundador do ISA.
Fonte: Instituto Socioambiental
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