Como o
Brasil vai implantar os ODS?
A fachada do prédio da ONU em Nova York na
terça-feira 22, com projeção sobre os ODS. Cia Pak / UN Photo.
O desafio maior é inserir a Agenda 2030 nas
prioridades das instituições privadas e públicas.
Por Claudio Fernandes*
Nesta sexta-feira 25, na sede da Organização das
Nações Unidas em Nova York, presidentes e autoridades de alto nível de 193
países, incluindo a inédita presença de um papa, irão discursar sobre a nova Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável e lembrar
o que representaram os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) na
mitigação de graves problemas mundiais.
Na septuagésima sessão da Assembleia Geral da ONU,
os Estados membro adotarão a resolução que representa o consenso político
possível para, nos próximos 15 anos, tratar graves problemas que afetam o
mundo. Erradicar a pobreza, reduzir a desigualdade entre e intra países,
atingir equidade de gênero, regular o crescimento desordenado das cidades,
acabar com a epidemia de Aids, garantir educação básica para todas as crianças
e estancar completamente o desmatamento, fazem parte da lista de compromissos
sociais, econômicos e ambientais assumidos nos dezessete Objetivos do
Desenvolvimento Sustentável (ODS) e suas 169 metas.
Mesmo considerando as dificuldades do processo de
negociação do acordo, o maior desafio começa agora, que é o de inserir a agenda
de desenvolvimento sustentável nas prioridades das instituições privadas e
públicas para que, de fato, seja possível articular políticas nacionais,
estaduais e municipais orientadas pelos ODS, ou como será também conhecida,
pela Agenda 2030.
E está claro que, neste processo de implementação,
a adequação dos orçamentos públicos dos países e a forma como trabalham com a
sociedade civil serão dois aspectos fundamentais para o sucesso desta
empreitada.
No caso do Brasil, para alocar recursos a partir de
2016 já é necessário agir agora, alinhando o Plano Plurianual, por
exemplo, e começando a preparar as estruturas de acompanhamento dos ODS. Este
será o principal indicador sobre o interesse sincero do governo em honrar os
compromissos assumidos na Assembleia Geral pois, para além dos tradicionais
discursos que serão feitos na ONU, é preciso compromisso generalizado do
governo no sentido de levar esse debate para todas as comunidades e populações
afetadas pelas desigualdades.
Para isso será fundamental mudar a lógica de
financiamento e incentivos que fomentam os parâmetros de sustentabilidade.
Neste sentido, uma das expectativas do Grupo de
Trabalho da Sociedade Civil, um coletivo com cerca de 60 organizações que
acompanha a agenda do pós-2015, é a criação de uma Comissão Nacional para
tratar dos ODS. Esta demanda é fruto de um maduro processo de diálogo e foi
apresentada inúmeras vezes por este GT ao governo brasileiro ao longo das
negociações da agenda Pós 2015.
Esperamos que esta comissão seja anunciada pela
presidente Dilma Rousseff já na sua fala de abertura da Assembleia Geral, e que
sua composição contemple espaços múltiplos para participação qualificada da
sociedade civil, tenha representações multissetoriais dos governos federal,
estaduais e municipais e que, principalmente, tenha eficiência deliberativa.
Outra questão importante é que a disputa com os
defensores do utilitarismo neoliberal, que tanto tencionou o processo de
negociação, continuará a ser um empecilho, agora na implementação, pois
formalmente a Agenda 2030 insiste que o crescimento econômico deve vir
acompanhado de distribuição de renda e respeito ao meio ambiente e às
populações vulneráveis – abordagem visivelmente distante do contexto
brasileiro.
Mas esta é a solução exigida não apenas para o Brasil,
mas para todos os países frente ao diagnóstico de que as políticas alinhadas à
desregulação financeira, ao endividamento público, ao aumento da poluição
causada por emissão de gases orgânicos, à expansão da desigualdade social, ao
aumento da pobreza, às guerras, à fome, entre tantos outros desequilíbrios
contemporâneos, não estão funcionando.
De fato, os dados produzidos pelas agências da ONU,
por organizações da sociedade civil e pela academia apontam que, se não houver
uma mudança global urgente de paradigmas nas gerações atuais, o futuro das
próximas gerações estará comprometido de forma irremediável. O mantra atual nos
corredores e salas de reunião da ONU é de que, por exemplo, “esta é a última
geração que pode fazer alguma coisa para reverter as causas das mudanças
climáticas”, um problema que, finalmente admitiu-se, é efeito colateral do
modelo de produção e consumo dominante do mundo.
Para entender a crítica sobre o ‘modelo’, basta
observar como os padrões de desejo foram se tornando hegemônicos, condicionando
o significado social do indivíduo, capturando as subjetividades frente a
simbologias repetidas em cada espaço social, reproduzidas em uma imensa rede de
canais em que mensagens subliminares – comprar, adquirir, acumular para depois
descartar e repor – é na prática o coração do crescimento econômico
a-qualquer-custo para se alcançar esse tipo de ‘prosperidade’.
Em nome de cifras macroeconômicas e prazeres
individuais, vidas e territórios são atropelados pela cadeia de fornecimento
global (Global Supply Chain) – pouco regulada e nada transparente – para a
dinamização dos centros de consumo do mundo.
A importância dessa resolução a ser aprovada pela
ONU é que ela dialoga diretamente com a realidade atual do planeta, dos países
e das pessoas, caracterizada por desarranjos sociais, econômicos e ecológicos,
algo sem precedentes na história recente. E propõe soluções possíveis frente à
percepção de que todas as crises se acumulam e se sobrepõem, impulsionadas por
uma multiplicidade dos interesses de países, grupos e pessoas poderosas para a
manutenção de suas posições hegemônicas.
Um dos exemplos dessa queda de braço entre países
desenvolvidos e os países em desenvolvimento, no contexto da Agenda 2030, foi o
processo de negociação da terceira Conferência Internacional de
Financiamento para o Desenvolvimento, realizada em julho, em Addis
Ababa, Etiópia.
A Conferência, parte do processo pós-2015, deveria
ter resultado na identificação das fontes de recursos e meios de implementação
dos ODS, estimada atualmente entre 3 e 6 trilhões de dólares por ano. Mas,
apesar de a conferência ter pautado a criação de um mecanismo de facilitação
tecnológica e de um sistema para seguimento de sua implementação, ela não
indicou as fontes de financiamento adicionais para o desenvolvimento
sustentável.
Sem clareza sobre de onde sairão os recursos
financeiros além dos mecanismos atuais de cooperação e investimentos diretos,
claramente insuficientes, abriu-se a porta para que a iniciativa privada seja protagonista
em serviços e infraestrutura, que antes eram responsabilidades do Estado.
A questão aqui é que já temos exemplos de como
parcerias-público-privadas funcionam no Brasil. Por isso, implementar a Agenda
2030 vai demandar um monitoramento rigoroso dessas parcerias para realmente
colocar a sustentabilidade no cerne desse formato de contratualismo político e
econômico.
A agenda para o desenvolvimento sustentável também,
ao contrário do que se anuncia e se pratica no Brasil, clama aos países
adotarem políticas tributárias progressivas, buscando desonerar a população com
redução de impostos regressivos sobre o trabalho e a produção.
Mesmo a Agenda de Ação resultante de Addis Ababa
sugere buscar mecanismos inovadores de financiamento, ainda que não explicite
que os tributos sobre transações financeiras no mercado de capitais é uma das
medidas mais indicadas.
Assim, implementar os compromissos acordados nos
próximos 15 anos vai exigir coragem de todos os países porque o modelo da
economia mundial há muito vem se consolidando como uma ditadura financeira. Os
orçamentos públicos dedicam a maior fatia dos recursos para cobrir juros de
dívidas crescentes, enquanto políticas de austeridade e redução de
investimentos diretos esfriam as atividades econômicas, colocando em risco a
estabilidade dos países e comprometendo a empregabilidade de gerações futuras.
No Brasil, frente à atual crise econômica, o
governo federal precisa trabalhar com a ideia de justiça fiscal e
progressividade tributária como a célula nevrálgica tanto para a mobilização de
novos recursos, como para dar continuidade à redução de desigualdades sociais e
econômicas, inclusive com diminuição de riquezas extremas.
Isto seria o início de uma possível democracia
econômica promovida pelo poder soberano do Estado em coletar e alocar recursos
públicos de forma justa, eficiente e responsável.
O compromisso da Agenda 2030 está pactuado na ONU,
mas seu resultado só o tempo e os indicadores dirão. E neste caso dirão mesmo,
pois a Agenda tem um processo de monitoramento que inclui a sociedade civil. O
desafio não é pequeno, o trabalho enorme e, somente em conjunto, será alcançado
a contento.
* Claudio Fernandes é economista, assessor
da Gestos-Soropositividade, Comunicação e Gênero, co-coordenador da campanha
TTF Brasil e membro do GT da SC para o Pós 2015. Convidado do GR-RI.
Fonte: CartaCapital
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