Biênio
promete novos recordes de calor.
Foto: Shutterstock
Oscilações naturais do clima devem somar-se a
tendência de longo prazo de aquecimento global e acelerar aumento das
temperaturas, diz relatório britânico.
Por Clauido Angelo, do OC –
Não são apenas a inflação, os juros e o desemprego
que prometem subir a níveis insuportáveis em 2015 e 2016. As temperaturas
globais também devem crescer no biênio e podem ultrapassar os recordes já
quebrados neste século. Se você já sofreu em 2014, o ano mais quente da
história, prepare o ventilador.
O alerta foi lançado nesta segunda-feira (14) pelo
Met Office, o serviço nacional de meteorologia do Reino Unido. Os pesquisadores
daquela instituição apostam que, após mais de uma década sem acelerar, o
aquecimento global deve assistir a uma nova retomada de velocidade. Isso está
encomendado devido a mudanças em mecanismos naturais que regulam a variação do
clima no planeta. Mas vamos por partes.
Primeiro, é preciso esclarecer uma aparente
contradição: o aquecimento da superfície terrestre não acelerou neste século.
Ou seja, o crescimento das temperaturas mundo afora foi menor do que seria
esperado dadas as concentrações crescentes de gás carbônico na atmosfera. Isso
não quer dizer, veja bem, que o aquecimento global tenha “parado”, como muitos
negacionistas (que devem viver em Marte ou permanentemente trancafiados num
quarto com ar-condicionado) dizem por aí. Significa apenas que o termômetro
está subindo mais devagar.
O gráfico mostra a evolução das temperaturas médias
desde 1970, com períodos sem aceleração (pontilhados horizontais) sobrepostos a
uma clara tendência de aquecimento. Imagem: Noaa
Os cientistas ainda não têm certeza do que causa o
chamado “hiato” no aquecimento, mas uma hipótese forte é que a energia extra
que a humanidade está injetando no sistema climático por meio do desmatamento e
da queima de combustíveis fósseis está indo esquentar o oceano profundo e
derreter gelo nos polos, por exemplo, em vez de aquecer a superfície. Há quem
diga, inclusive, que o “hiato” é apenas uma ilusão estatística, mas eu vou poupar
os leitores desse debate. Nada disso elimina o fato de que todos os anos mais
quentes registrados desde que se começou a usar termômetros para medir as
temperaturas globais, em 1880, estão no século 21.
Ocorre que o aquecimento global não conta toda a
história. Ele é apenas a tendência de longo prazo, uma espécie de partitura da
máquina do clima da Terra sobre a qual fatores naturais podem improvisar.
Alguns desses improvisos, chamados oscilações climáticas, podem produzir
décadas mais quentes ou décadas menos quentes e/ou afetar o clima regional de
maneiras importantes.
Três dessas oscilações estão sofrendo ou começando
a sofrer mudanças importantes, segundo os cientistas do Met Office: a Oscilação
Decadal do Pacífico, a Oscilação Multidecadal do Atlântico e o El Niño. Isso
terá impacto direto nas temperaturas dos próximos anos.
O El Niño é o modo de variabilidade natural do
clima mais conhecido do mundo. A cada cinco anos, mais ou menos, ele produz um
aquecimento anormal das águas do Oceano Pacífico perto da América do Sul. Isso
muda o regime de chuvas e ventos em todo o planeta, causando inclusive secas
homéricas no Nordeste e incêndios na Amazônia. O El Niño joga os termômetros
para cima, na média.
Há um El Niño em curso em 2015, e os
meteorologistas apostam que ele será de magnitude similar à do de 1997/1998.
Aquele fenômeno causou pequenas catástrofes, mortes e prejuízos bilionários no
mundo todo, inclusive os incêndios florestais que arrasaram o Estado de
Roraima. O ano de 1998 foi o único do período instrumental que teve
temperaturas médias globais comparáveis às do século 21.
Mas oscilações de mais longo prazo também parecem
estar em transformação, puxando o clima em direções opostas. Uma é a do
Pacífico, conhecida pela sigla PDO. Na sua fase negativa, ela tem um efeito
médio de resfriamento do Pacífico, que pode durar uma década ou mais. Na fase
positiva, o inverso acontece.
Nos últimos anos a PDO está na fase negativa, o que
pode ajudar a explicar o hiato no ritmo de aquecimento da Terra. Há evidências,
no entanto, de que ela tenha entrado em sua fase positiva. Um sinal disso é que
o aquecimento do Pacífico foi detectado antes mesmo do início do El Niño deste
ano.
Em sentido oposto trabalha a AMO (Oscilação
Multidecadal do Atlântico), um padrão climático de tão longa duração que só
teve três ciclos registrados na história. Em sua fase positiva, ela esquenta o
oceano, o que ajuda, por exemplo, a derreter o gelo marinho no Ártico e os
glaciares da Groenlândia. Esse modo de variabilidade é suspeito por causar o
forte episódio de degelo na Groenlândia na década de 1930.
Há indícios de que a AMO esteja entrando em sua
fase fria (negativa), embora seja cedo para afirmar isso – justamente por sua
longa duração. Se isso acontecer, ela pode compensar em parte o efeito da PDO
positiva nos próximos anos e, eventualmente, produzir mais décadas de
aquecimento contínuo, mas desacelerado.
Para este ano e o próximo, porém, o prognóstico é
de muito calor: já em 2015 as temperaturas médias estão 0,38oC mais altas do que
a média de 2000-2010, o que pode levar 2015 a bater o recorde de 2014 como ano
mais quente da história, algo que deve se repetir em 2016, já que as condições
de El Niño se arrastam por mais alguns meses e a PDO pode empurrar o clima para
condições mais quentes por mais alguns anos.
Segundo o Met Office, a Terra pode retomar uma taxa
de aquecimento semelhante à do fim do século 20 – 0,2oC por década – ao longo
dos próximos dez anos. “Salvo uma grande erupção vulcânica ou um retorno muito
repentino de condições de La Niña ou de uma AMO negativa que resfrie o clima de
repente, as médias globais de aquecimento em dez anos tendem a retornar aos
níveis de fins do século 20 em dois anos”, escreveram os autores do relatório.
Fonte: Observatório do Clima
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