Vários
ODM conquistados e o desafio dos ODS.
A atenção à mãe durante a gravidez, o parto e o
pós-parto são essenciais para diminuir a alta mortalidade materna na América
Latina. Foto: Cortesia do governo do município de Tigre.
Por Marianela Jarroud, da IPS –
Santiago, Chile, 24/9/2015 – A América Latina e o
Caribe alcançaram nos últimos 15 anos várias metas fundamentais dos Objetivos
de Desenvolvimento do Milênio (ODM), como a redução da pobreza extrema, da fome
e da mortalidade infantil, a incorporação das meninas à educação e o acesso a
água potável.
Entretanto, ao iniciar o desafio dos Objetivos de
Desenvolvimento Sustentável (ODS), que constituirão o mapa do caminho até 2030,
a região deverá se esforçar mais para, entre outros objetivos, reduzir a
mortalidade materna e a gravidez de adolescentes, dois de seus maiores
fracassos nas metas do milênio, devido em parte à cultura patriarcal da
sociedade e aos poderes regionais.
“Não se deve esperar a análise dos ODM para
compreender que a região está em dívida nessas matérias”, afirmou à IPS o
médico chileno Ramiro Molina, fundador do Centro de Medicina Reprodutiva e de
Desenvolvimento do Adolescente. “Os investimentos necessários em saúde sexual e
reprodutiva para adolescentes são baixos. Não se percebe claramente que é
absolutamente indispensável investir mais nessa área”, destacou.
Os oito ODM foram aprovados em setembro de 2000 por
189 chefes de Estado e de governo, em uma cúpula da Organização das Nações
Unidas (ONU), e tentaram corrigir os déficits de desenvolvimento durante os
primeiros 15 anos deste milênio.
Em outra cúpula em Nova York, governantes de todo o
mundo aprovarão, no dia 27, o Marco para o Desenvolvimento Sustentável depois
de 2015, que inclui os 17 ODS da, desde já, denominada Agenda 2030 para o
Desenvolvimento Sustentável. Com eles a comunidade internacional seguirá
tratando de corrigir as desigualdades e promover um desenvolvimento sustentável
e inclusivo.
O informe América Latina e Caribe: Um Olhar no
Futuro a Partir dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, publicado este
mês pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), detalha
que a região cumpriu a meta de erradicar a pobreza extrema e a fome. Entre 1990
e 2015, reduziu em mais da metade a porcentagem de pessoas com renda inferior a
um dólar: 4,6% viviam com menos de US$ 1,25 diário em 2011, contra 12,6% em
1990. A proporção de pessoas que passam fome também diminuiu, de 14,7% no
biênio 1990-1992, para 5,5% no período 2014-2016.
Além disso, os números de participação no trabalho
e desemprego mostram agora os melhores níveis dos últimos 20 anos, a taxa de
acesso e término de estudos em educação primária aumentou, e o nível de
analfabetismo entre as pessoas de 15 a 24 anos caiu de 6,9% em 1990 para 1,7%
em 2015.
A região também conseguiu a meta de garantir acesso
das meninas a educação primária, secundária e superior, e reduziu a brecha de
gênero no setor político. Mas esses avanços contrastam com importantes
descumprimentos, em especial no quinto ODM, o de melhorar a saúde materna, com
carências que continuam sendo de arrepiar.
O informe destaca que, em 2013, na América Latina e
no Caribe houve 85 mortes maternas para cada cem mil nascidos vivos, o que
supõe uma redução de 39% em relação a 1990, bem longe dos 75% comprometidos nos
ODM. Além disso, na região são registrados 75,5 nascidos vivos de mães entre 15
e 19 anos para cada mil mulheres dessa faixa etária. “A adolescência, seu
desenvolvimento e fecundidade estão sustentados na ignorância de nossos
países”, pontuou Molina.
Miriam Toaquiza e sua filha Jennifer, em um
hospital de Latacunga, no Equador. Ela é a única ocupante de uma sala especial
para mães adolescentes, graças a políticas públicas para reduzir o fenômeno.
Foto: Gonzalo Ortiz/IPS.
Tamara, hoje com 23 anos, é um bom exemplo disso.
Aos 13, ficou grávida de seu noivo de 27 anos.
A gravidez inesperada a obrigou
a deixar o colégio, embora com esforço tenha conseguido terminar o curso
primário. Nunca chegou a cursar o secundário e três anos mais tarde teve seu
segundo filho, do mesmo pai. “Mas faltaram várias coisas, como o apoio da minha
mãe e do meu pai, e, sobretudo, educação sexual”, disse à IPS esta jovem que
pediu para não revelar seu sobrenome.
A história de Tamara esteve carregada de
sofrimentos anteriores à sua primeira gravidez. Filha de uma mãe que não
concluiu a educação primária e de um pai alcoólico e viciado em drogas, foi
testemunha de violência dentro da família durante toda sua infância. Desde
pequena foi vítima das violações sexuais por parte do mais velho de seus seis
irmãos, que pagou com dez anos de prisão, já que ela decidiu denunciá-lo, sem o
consentimento da mãe.
Hoje, próxima de ter o terceiro filho, de um pai
diferente dos demais, mas igualmente ausente, garantiu que sua luta é pela
educação de seus filhos. “Me esforço todos os dias para que meus filhos
estudem, me esforço para educá-los, porque não quero que sejam vítimas do que
eu sofri. Quero romper o ciclo”, afirmou.
Segundo Molina, para reduzir as brechas em matéria
de saúde sexual e reprodutiva, a intenção política deve estar refletida em
investimento econômico no nível de atenção primária em saúde sexual e
reprodutiva da adolescente, preparação de profissionais e do pessoal de saúde
nesse tema e programas de educação sexual efetivos, dos quais toda a região
carece.
“Os bons programas de educação sexual no México
caminham parcialmente; os excelentes programas que a Costa Rica tinha foram
descontinuados; a Colômbia fez tremendos esforços para ter um material didático
muito bonito e bastante adequado em educação sexual, mas os aspectos políticos
e estratégicos não deixam o país avançar e praticamente fazem com que
fracasse”, afirmou o médico.
“Algo semelhante ocorre no Peru, onde também há
bons programas, mas sem apoios estratégicos e políticos por parte do governo. A
Argentina tem bons resultados, com um tremendo apoio estatal e do governo no
desenvolvimento de programas de educação sexual. O mesmo ocorre no Paraguai”,
continuou Molina.
Segundo este especialista, o caso chileno é “o pior
de todos, porque estamos cobertos de vexame e vergonha. Somos o último país a
ter uma lei, de 2010, que protege os jovens com educação sexual e que somente
em julho de 2014 entrou em vigor. É uma realidade que envergonha”, ressaltou
Molina.
Nessa linha, insistiu que, para conseguir a meta de
prevenir a gravidez adolescente, com vistas à Agenda 2030, não basta fornecer
anticoncepcionais, “porque eu poderia lançar camisinhas e pílulas de um
helicóptero, mas não seria uma medida efetiva”. Segundo Molina, o problema está
no fato de as pessoas usarem e saberem quando e como usar, e para isso é
preciso instrução e educação.
“Em primeiro está a prevenção da primeira gravidez,
e para isto é preciso educação, educação, e quando tudo fracassar, educação,
educação. E dentro da educação, educação sexual ampla e profunda, sem vícios
ideológicos ou de valor”, enfatizou Molina, que também destacou que, tanto a
mortalidade materna como a gravidez na adolescência, “já não são um problema
técnico, mas político”, que requer que o Estado seja responsável e implante
políticas pública efetivas, sem se importar em enfrentar poderes conservadores,
“de um tradicionalismo ignorante que nos causa um dano espantoso”.
Será todo um desafio para a região ao assinarem os
ODS, que supõem novas metas, com um olhar mais holístico, participativo,
interdisciplinar e universal.
Fonte: ENVOLVERDE
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