Exemplo de gestão energética sustentável.
Vista do Mar do Caribe a partir da aldeia de Plan
Grande, no departamento de Colón, em Honduras, onde se chega de Tegucigalpa após
dez horas de um acidentado caminho em automóvel e depois em lancha. A pequena
comunidade de pescadores se converteu em um exemplo de gestão energética
sustentável. Foto: Thelma Mejía/IPS.
Por Thelma Mejía, da IPS –
Plan Grande, Honduras, 1/10/2015 – Uma pequena
comunidade de pescadores do litoral Atlântico de Honduras se converteu em
referência no manejo da energia renovável, ao desenvolver seus próprios
protocolos de consumo e conservação da floresta, deixando para trás as velas e
a energia suja e cara, da qual dispunham por apenas três horas na semana.
Trata-se de Plan Grande, aldeia do município de
Santa Fé, no departamento de Colón, norte do país, à qual se chega apenas por
mar. Antes, é preciso percorrer 400 quilômetros de carro desde Tegucigalpa, por
intrincados caminhos até a comunidade de Río Coco, já na costa caribenha. Ali,
no dia seguinte, embarca-se em uma lancha que em 20 minutos leva ao povoado.
São seis horas da manhã e o sol começa a despontar.
O mar está calmo e é propício para navegar, explicam os lancheiros, enquanto
contam que nessas águas antes se via peixe-boi, mas se extinguiram com o passar
do tempo, fato atribuído à deterioração do ambiente.
Plan Grande, com cerca de 500 habitantes, aparece
recostada nas faldas de uma das grandes escarpas voltadas para o Mar do Caribe.
Durante o trajeto se divisa ao longe algumas gaivotas em pleno voo, bem como o
retorno dos pescadores em suas embarcações, após trabalharem no mar durante a
noite. Outros optam por trabalhar em barcos pesqueiros de maior escala, e com
isso ficam ausentes por oito meses.
A pesca e a agricultura são as únicas fontes de
renda nessa localidade. Daí a importância da eletricidade. Antes, não podendo
refrigerar suas capturas, tinham que vendê-las rápido e a baixo preço. “O espaço
para negociar era muito limitado, perdíamos parte de nosso esforço”, disse à
IPS o líder comunitário Óscar Padilla, grande defensor das mudanças em Plan
Grande.
Em 2004, já entrando o século 21, conseguiram ter
energia elétrica pela primeira vez, com apoio da cooperação espanhola. Foi
energia térmica e por isso, dizem sorrindo, era “luz pela metade”, já que
pagavam, por três horas na semana de iluminação, em média, entre US$ 13 e US$
17 por moradia.
Óscar Padilla, líder da comunidade de Plan Grande e
principal gestor do processo em que a eletricidade finalmente fez a aldeia
entrar no século 21. O manejo sustentável e solidário de sua energia renovável
transformou essa aldeia de pescadores do norte Atlântico de Honduras. Foto:
Thelma Mejía/IPS.
“Não tínhamos para mais, apenas iluminação pública,
sem televisão nem refrigerador, porque os custos disparavam. Os produtos não
podiam ser mantidos com gelo por muito tempo e os lácteos e as carnes nos
deixavam arruinados”, contou Padilla, de 65 anos. Mas, em 2011, os moradores de
Plan Grande optaram pela energia hídrica, depois da visita de técnicos do
Programa de Pequenas Doações (PPD), promovido pelo Fundo para o Meio Ambiente
Mundial e pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). Eles
chegaram com a proposta de uma usina hidrelétrica comunitária para que
aproveitassem o recurso de água da região.
A comunidade se integrou totalmente à proposta e
elaborou seu próprio projeto de energia renovável e de sustentabilidade. Com
US$ 30 mil doados pelo PPD e pela Agência Alemã de Cooperação Internacional,
mais a Fundação Hondurenha de Pesquisa Agrícola, a luz permanente foi possível
e Plan Grande renunciou às velas e à energia térmica.
“Nossa vida mudou e agora temos eletricidade
durante as 24 horas do dia e podemos ter refrigerador, freezer, ventilador e
até televisão, mas isso fazendo um uso adequado, com medidas de controle que
nos impusemos e todos cumprem, explicou à IPS o jovem Edgardo Padilla. “Do
contrário, a demanda energética dispara e teremos problemas novamente”,
explicou este pescador de 33 anos, responsável pela administração da
mini-hidrelétrica da aldeia.
Edgardo Padilla, que administra o uso da pequena
central hidrelétrica, explica como funciona o processo e as regras que
estabeleceu para um uso racional do consumo e da distribuição da eletricidade
em Plan Grande, uma comunidade de pescadores da costa atlântica de Honduras.
Foto: Thelma Mejía/IPS.
Essas medidas de uso e racionamento de eletricidade
incluem um horário para ver telenovelas, refrigerar os produtos ou usar os
ventiladores, por exemplo. Das 10 da noite às seis da manhã são ligados os
congeladores para refrigerar, porque é quando baixa o consumo, disse Padilla.
“Neste momento, o uso do ar-condicionado está proibido porque gasta muita
eletricidade; os pontos de luz devem ser econômicos e os freezers também”,
acrescentou, lembrando que outra política aplicada é a transparência e a
prestação de contas.
A mudança da fonte de energia trouxe vantagens
enormes. “Antes pagávamos 360 lempiras (US$ 17) por três horas na semana e
agora 100 lempiras (US$ 4) por 24 horas de energia”, pontuou o jovem. Os
moradores de Plan Grande desenvolveram também uma tarifa diferenciada de
cobrança. Os que têm refrigerador, ventilador, computador e congelador pagam
uma tarifa de US$ 11; quem tem apenas ventilador ou televisão paga US$ 6, e os
que têm apenas lâmpadas pagam US$ 4.
A mini-hidrelétrica fica a 2,5 quilômetros do
centro do povoado por meio de caminhos que se transita a pé, em meio a uma
floresta de 300 hectares que rodeia o rio Matías, onde se abastecem. A central
gera 16,5 quilowatts por hora de eletricidade.
Os habitantes do lugar também desenvolveram um
projeto de conservação para preservar as fontes de água e instalaram câmeras de
monitoramento para detectar se alguém corta árvores ou para identificar o tipo
de fauna com que contam. Belkys García, uma jovem de 27 anos, é a responsável
pelo viveiro, criado há um ano para reproduzir árvores madeireiras, de pinho e
outras espécies, que permitam regenerar a floresta e preservar o verdor da
comunidade. É ela quem organiza as brigadas de manutenção e reflorestamento nas
quais estão envolvidos todos os moradores.
Belkys García é responsável pelo viveiro de Plan
Grande, destinado a reflorestar a bacia do rio Matías, que abastece a
minirrepresa da aldeia, e para cultivar árvores frutíferas e madeireiras, o que
gera renda para a isolada comunidade de pescadores, no norte caribenho de
Honduras. Foto: Thelma Mejía/IPS.
“Se alguém não vem no dia que lhe foi destinado
para limpeza e manutenção do viveiro ou para limpar as ruas e os caminhos que
levam à represa, tem de pagar esse dia de trabalho”, disse García à IPS,
enquanto regava algumas pequenas árvores madeireiras. “Aqui todos nos
organizamos, e com o viveiro queremos também incursionar como empreendedores em
outros setores que nos gerem renda como o rambutão” (Nephelium lappaceum),
destacou.
A população de Plan Grande é mestiça, pois o
município de Santa Fé é eminentemente garífuna, um dos sete povos originários
hondurenhos. O prefeito de Santa Fé, o garífuna Noel Ruíz, se orgulha dessa
comunidade. “É um modelo em nível nacional do bom uso da energia limpa”,
afirmou à IPS.
“Investir aqui vale a pena, é uma comunidade comprometida e seus
líderes sabem prestar contas, acreditam na transparência e amam a natureza,
três coisas que não se encontra com muita facilidade”, destacou com orgulho
este prefeito de 44 anos, reeleito pela segunda vez.
“Esta gente está feliz, porque o país apresenta
problemas de energia, e eles não têm, entenderam que existe uma relação entre
conservar a natureza e o bem-estar humano”, acrescentou Ruíz, que é engenheiro
agrônomo.
Honduras, com 8,8 milhões de pessoas, tem uma
demanda energética estimada em 1,375 megawatts por hora. A estatal Empresa Nacional
de Energia Elétrica gera 60% dessa energia, e o restante é comprado de
companhias privadas ou importado por meio da interligação com outros países
centro-americanos.
A geração de energia ocorre em quatro fontes:
hidráulica, térmica (a maior), eólica e biomassa. Até 2010, a matriz energética
hondurenha era 70% térmica e 30% renovável. Desde 2013, essa tendência começou
a se reverter e agora a térmica representa 51% do total, e o restante provém da
renovável.
No momento, Plan Grande está sendo um exemplo de
uso racional e conservação da energia renovável, a tal ponto que a comunidade
já conta com uma padaria. “Quando era criança, nunca imaginei que um dia
trocaria a vela por uma lâmpada. Como mudamos”, ressaltou à IPS, ainda
admirada, a moradora Julia Baños, de 55 anos.
* Esta reportagem faz parte de uma série concebida
em colaboração com a Ecosocialist Horizons.
Fonte: ENVOLVERDE
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