Francisco,
política partidária e bem comum.
Papa é aplaudido de pé pelos dois lados da divisão
partidária norte-americana, após discurso no Congresso dos Estados Unidos.
Foto: Câmara de Representantes dos Estados Unidos.
Por Andrew Hanauer e Eric LeCompte*
Washington, Estados Unidos, 28/9/2015 – O papa
Francisco passou duas mensagens muito fortes em seu discurso no Congresso dos
Estados Unidos, no dia 24: trabalhemos juntos e protejamos os mais vulneráveis.
Essas palavras são relativamente pouco controversas. As duas mensagens
receberam ovações de pé dos dois lados da divisão partidária, o tipo de ovação
que raramente é dirigida aos presidentes dos Estados Unidos, em seus discursos
sobre o estado da União a cada ano.
O papa, o primeiro de origem latino-americana,
defendeu com eloquência a importância de estender pontes. “Pode-se gerar uma
tentação à qual devemos prestar especial atenção: o reducionismo simplista que
divide a realidade em bons e maus, permitam-me usar a expressão, em justos e
pecadores”, pontuou o papa. “O mundo contemporâneo com suas feridas, que
sangram em tantos irmãos nossos, nos convoca a enfrentar todas as polarizações
que pretendem dividi-lo em dois lados. Sabemos que, no afã de querer se liberar
do inimigo externo, podemos cair na tentação de ir alimentando o inimigo
interno”, prosseguiu.
Essa é uma declaração importante em Washington, uma
cidade presa da paralisação político-partidária, e em meio a uma campanha
presidencial pouco conhecida por seu civismo. Francisco lamentou que tanta
gente viva na “armadilha da pobreza” e afirmou que “a luta contra a pobreza e a
fome deve ser travada constantemente, em suas muitas frentes, especialmente nas
causas que as provocam”.
É tentador dividir essas duas mensagens – trabalhar
juntos, ajudar os necessitados – em duas coisas separadas, dois elementos
fáceis de marcar na lista de tarefas pendentes da sociedade. Seja bom. Ajude os
demais. Mas este papa estava dizendo muito mais. A mensagem de Francisco é que,
se não trabalharmos juntos, não poderemos ajudar as pessoas vulneráveis. Que
todos e cada um de nós deve contribuir para um mundo construído sobre
“esperança e reconciliação, de paz e de justiça”.
“O crescimento que temos de enfrentar hoje nos pede
uma renovação do espírito de colaboração”, apontou o papa. Fazer o bem aos
demais não é só algo bom, mas é nosso dever moral, porque os mais vulneráveis
contam conosco. O papa não deixa dúvidas sobre os desafios que enfrentamos. A
pobreza e a desigualdade lideram a lista. Desde que assumiu o pontificado,
vinculou de maneira hábil e específica os ensinamentos religiosos sobre a
pobreza e a compaixão com as políticas fiscais, comerciais e relacionadas com a
dívida, que dão forma à nossa economia mundial.
Francisco criticou a evasão fiscal diante de
dignitários de paraísos fiscais conhecidos. Pediu um processo de quebra
internacional para os países, em resposta à crise da dívida grega. Denunciou a
austeridade pelo seu nome, descrevendo-a como algo mau para os pobres. Em seu
discurso no Congresso norte-americano, o papa falou sobre “as estruturas
injustas”. Não as identificou, mas toda pessoa que o ouve habitualmente sabe a
que se referia.
Não por erro, se referiu à “economia” de inclusão
ou exclusão. O papa reconhece que o fato de os mais vulneráveis não terem
suficiente dinheiro para alimentar suas famílias é o resultado direto das
políticas econômicas concebidas nas capitais de todo o mundo. Todos temos um
papel na formação dessa economia. E quando trabalhamos juntos podemos lhe dar
uma forma melhor.
Nossa organização, a Rede Jubileu Estados Unidos,
foi fundada por líderes religiosos e pelo papa João Paulo II para mudar essas
políticas econômicas. Conseguimos uma redução de US$ 130 bilhões na dívida
externa dos países mais pobres do mundo, dinheiro que reduziu as taxas de
mortalidade infantil, construiu escolas e clínicas, eliminou tarifas sanitárias
no meio rural africano e muito mais.
De George W. Bush a Barack Obama, passando por Pat
Robertson e Jesse Jackson, forjamos um amplo consenso. Não era inevitável. O
presidente do Banco Mundial, Jim Kim, afirmou recentemente que, quando o
movimento Jubileu começou, na década de 1990, ninguém pensou que teria êxito.
Mas por termos trabalhado juntos através das divisões políticas, agora Kim
considera que a obra de redução da dívida fez do Jubileu uma razão principal
para o crescimento econômico do continente.
Temos outros três grandes desafios para superar.
Mais de um bilhão de pessoas vivem na pobreza extrema. A crise da dívida está
se estendendo, na Grécia, em Porto Rico e El Salvador. O mundo em
desenvolvimento perde quase US$ 1 bilhão por ano pela delinquência, a corrupção
e a evasão fiscal, dinheiro que poderia ser destinado à construção de escolas e
hospitais nos países mais pobres do mundo.
Francisco observou em seu discurso que essas mesmas
estruturas não causam apenas pobreza, mas fomentam os conflitos e a
instabilidade. O Congresso dos Estados Unidos pode fazer muito para ajudar, mas
será mais eficaz se for possível conseguir a cooperação dos dois partidos.
Tomemos como exemplo o fato de os Estados Unidos
serem um dos países que oferecem as maiores facilidades do mundo para a criação
de empresas fictícias anônimas que movimentam o dinheiro sujo. Os criminosos
usam essas empresas fictícias para fraudar os norte-americanos, roubar os
países em desenvolvimento e inclusive financiar o terrorismo. Novas leis
poderiam mudar essa situação, e isso só avançará com o apoio dos dois partidos.
Quando o papa nos incentiva a trabalhar juntos,
tanto democratas quanto republicanos deveriam tomar nota. Francisco não passou
uma mensagem liberal ou conservadora, mas sobre colocar as pessoas em primeiro
lugar, e os mais vulneráveis no centro de nossas vidas políticas, morais e
espirituais.
* Andrew Hanauer é diretor de campanhas e Eric
LeCompte é diretor executivo da Rede Jubileu dos Estados Unidos.
Fonte: ENVOLVERDE
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