terça-feira, 20 de outubro de 2015

Não há empresa sustentável sem trabalho decente.
Foto: Thiago Lopes

O Brasil foi o último dos países das Américas a abolir a escravidão, no entanto a herança maldita de trabalhadores submetidos pela força permanece.

Mais de 120 anos após a promulgação da Lei Áurea (1888), que estabeleceu o fim do regime escravocrata no país, diversos problemas relacionados à exploração ilegal da força de trabalho ainda persistem. A Conferência Ethos 360º 2015 promoveu a mesa de debates “Trabalho escravo ou só emprego ruim?”, que reuniu profissionais e especialistas para debater a legislação trabalhista no Brasil e as relações entre mercado e as condições degradantes de trabalho.

O diálogo contou com a participação do procurador-geral do Trabalho, Luís Camargo de Melo, da auditora fiscal do Ministério do Trabalho e Emprego, Marinalva Dantas, e do jornalista e blogueiro Leonardo Sakamoto, com mediação de Yuri Feres, gerente de sustentabilidade da Cargill.

Apesar de ser o último país independente das Américas a abolir a escravidão, o Brasil foi um dos pioneiros na criação de equipes estatais para o combate ao trabalho escravo – os primeiros grupos datam de 1891. No entanto, a disposição para barrar definitivamente esse processo de degradação humana esbarra em déficits estruturais e legislativos, identificados pelos especialistas no debate.

As imprecisões relacionadas ao conceito de trabalho escravo contemporâneo, que figuravam como empecilhos à aplicação de sanções e à elaboração de políticas públicas somente foram sanadas em 2004, com o surgimento do artigo 146 do Código Penal. A norma traz características da condição análoga à escrava, como o trabalho forçado, a condição degradante, a servidão por dívida e ainda a jornada exaustiva tida como aquela que extrapola de forma contínua os parâmetros legais.

O procurador geral destacou a importância de ações repressivas além da esfera penal. “A responsabilização civil não pode ficar de lado, pois em muitos casos é a medida mais eficaz. O trabalhador deve ser indenizado por sua exploração, assim como a comunidade na qual ele está inserido”, ressaltou.

Outra questão relevante suscitada pelo procurador geral foi a edição de emenda constitucional que instituiu o artigo 243 da Constituição. “A possibilidade de expropriação de propriedades que se utilizam de trabalho escravo significou um grande avanço”, destacou o representante do poder judiciário.

Para Sakamoto, a escravidão vai muito além da questão moral. “Não se trata de mera maldade do empregador, mas o trabalho escravo é um problema de ordem econômica. Muitas empresas tendem a reduzir ou suprimir direitos trabalhistas básicos para alcançar competitividade no concorrido mercado global”.

Outro ponto importante, disse Marinalva Dantas, é que as condições degradantes de trabalho não fazem parte apenas da realidade dos locais mais distantes do território nacional, está presente também nos grandes centros. Ela destacou a importância do engajamento das empresas. “Flagramos diversos casos de obras destinadas às Olímpiadas que estavam utilizando trabalho análogo ao escravo. E não há empresa sustentável sem trabalho decente, nem trabalho decente sem empresa sustentável”, concluiu.


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