quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Hoje, como ontem. E amanhã, como será?
Foto: Shutterstock

Por Washington Novaes*

É bastante disseminada a crença de que são de origem recente os grandes problemas que atormentam hoje a humanidade – como mudanças climáticas; concentração da renda no mundo e nos países, agravando os problemas sociais, a pobreza, a miséria; os gravíssimos problemas no campo dos recursos hídricos, no Brasil e fora daqui; o crescimento infindável da geração de lixo; e até a “nova diáspora da terra”, de feições a cada dia mais trágicas e agora incluindo o território europeu, com a fuga para lá de africanos, turcos, sírios (já há no mundo 60 milhões de emigrados clandestinos, segundo a ONU).

Quem se der, entretanto, ao trabalho de voltar no tempo, à comunicação de umas poucas décadas atrás, verá que todas essas questões já estavam presentes, muito graves, muito preocupantes. Pouco ou quase nada mudou – a não ser para se agravar.

Pode-se começar pelas mudanças climáticas, tema tão presente nas linhas escritas neste espaço pelo autor deste artigo. Há poucos dias terminou mais uma reunião dos 195 países-membros da Convenção do Clima sem que se tenha conseguido chegar a um texto para ser aprovado em dezembro, quando termina o prazo para um acordo global que permita impedir que o aumento da temperatura planetária ultrapasse 2 graus Celsius. O esboço de texto ficou com 83 páginas, dezenas de divergências.

Há 18 anos, quando se iniciava a colaboração deste escriba nesta página, escreveu ele que numa reunião em Kyoto, em dezembro, provavelmente não se chegaria ao acordo, tantos eram os impasses – os mesmos que perduram até hoje. Já havia cientistas dizendo – como repetem hoje – que “só em 2100 será possível avaliar melhor o que pode acontecer”, aí incluídas “novas tecnologias que se encarregarão de resolver o problema”. E acabou-se aprovando em princípio, em Kyoto, proposta brasileira de atribuir cotas de redução de emissões em cada país proporcionais às suas emissões históricas e atuais. Mas tudo ficou no “em princípio”, até agora sem nenhuma eficácia prática.

Nesse mesmo passado de duas décadas atrás, reproduziam-se aqui palavras ditas no Itamaraty pelo professor Ignacy Sachs, da École de Hautes Études em Sciences Sociales, de Paris, advertindo para os fluxos financeiros especulativos que já dominavam o mundo e ameaçavam dois terços da humanidade, inclusive o Brasil. Mencionava ele a necessidade de um imposto como o idealizado pelo Prêmio Nobel James Tobin sobre operações especulativas de US$ 1 trilhão por dia – que geraria uma receita anual de US$ 150 bilhões, “capaz de financiar nos países mais pobres os programas da Agenda 21 que as nações “desenvolvidas” se comprometeram em 1992 a custear” (mas não cumpriram, como não cumprem ainda hoje). O professor Sachs advertia para a baixa competitividade dos produtos brasileiros no comércio exterior, já antevista por um relatório Pnud-Ipea segundo o qual o Brasil não tinha nenhum setor realmente competitivo no comércio exterior – e isso só se agravou até agora, transformando-nos em vendedores quase só de commodities e produtos primários, que também estão perdendo valor. Tudo como dantes no quartel de Abrantes.

Em dezembro de 1997, um dos temas neste espaço era o da discussão sobre a regulamentação da Lei 9.433, da Política Nacional de Recursos Hídricos, em que pareciam prevalecer interesses de grupos participantes do processo de privatizações de hidrelétricas; em que desaparecia todo um capítulo referente às compensações para municípios; e se tentava suprimir os dispositivos que tornavam obrigatório o pagamento pelo uso da água. Um emaranhado de dispositivos tão complexos e contraditórios que um relatório da OCDE – comentado neste espaço na sexta-feira passada – afirma agora que as normas de regulação e os conflitos entre as instâncias federal, estaduais e municipais transformam tudo em “tigres de papel”, sem eficácia, nessa área dos recursos hídricos.

O lixo já era personagem de destaque, com um aumento de 28% na produção em seis anos (seis vezes mais que o aumento da população), cada habitante já produzindo mais de um quilo por dia – e menos de 1% sendo reciclado (Estado, 26/12/97, artigo Assoviando no escuro). A trajetória seguiu firme, para chegarmos hoje a mais de 250 mil toneladas de lixo domiciliar por dia no País. E distantes de qualquer solução mais ampla.

Não faltou, nesse final de 1997, a discussão sobre alimentos transgênicos, quando crescia na Europa e em outras partes a resistência legal a eles, fruto da convicção de que podiam ser prejudiciais à saúde humana. Exportações brasileiras de soja já ocupavam o primeiro lugar na pauta europeia de importações – e poderiam ser atingidas. Mas a nossa Comissão Técnica Nacional de Biossegurança já iria decidir se seria ou não obrigatória a rotulagem dos alimentos transgênicos no mercado nacional – e duas décadas depois se decidiu que não haverá mais obrigatoriedade.

E last but not the least, nesse final de 1997 já estava em questão “a nova diáspora da terra”, com os massacres de refugiados da África, as emigrações em massa desse continente, assim como do Oriente Médio e do Sudeste Asiático, a ponto de “estatísticas de organizações internacionais já falarem em 20 milhões de pessoas por ano nessas condições”. Hoje são “60 milhões de emigrados clandestinos”. Com o presidente Barack Obama advertindo que nas próximas décadas a população de desempregados no mundo pode dobrar para 2 bilhões.

E assim vamos num mundo onde transformações a passos de tartaruga seriam consideradas até muito rápidas. A informação dissemina-se mais rapidamente que o vento – mas não significa transformações rumo a um mundo melhor para todas as pessoas. Miséria, fome, injustiça alastram-se. O noticiário de agora está cada vez mais amplo em torno do drama dos refugiados ou fugitivos. E as alternativas ainda não estão à vista.

* Washington Novaes é jornalista (e-mail: wlrnovaes@uol.com.br).


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