Revolução
eleitoral no Brasil.
O Supremo Tribunal Federal durante a leitura, no
dia 17 deste mês, da histórica decisão proibindo como inconstitucionais as leis
que até agora facilitavam o financiamento das campanhas eleitorais pelas
empresas. Foto: STF.
Por Mario Osava, da IPS –
Rio de Janeiro, Brasil, 18/9/2015 – As eleições no
Brasil serão mais democráticas a partir de agora, sem a influência do poder
econômico, que se tornara decisiva e corruptora. Uma sentença do Supremo
Tribunal Federal (STF), do dia 17 deste mês, proíbe, por serem
inconstitucionais, as doações de empresas às campanhas eleitorais. A decisão
adotada por oito votos contra três responde a uma ação da Ordem dos Advogados
do Brasil (OAB) contra as leis que autorizavam e regulamentavam tais doações.
Essas normas violam o princípio democrático,
espinha dorsal da Constituição de 1988, que estabelece a igualdade política dos
cidadãos, com cada voto valendo exatamente o mesmo dos demais, argumentou a OAB
em sua Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI). O financiamento empresarial
também contradiz o princípio republicano do primeiro artigo da Constituição,
que determina que os representantes eleitos pelo povo administram a república,
que pertence a toda a coletividade, e exige a separação entre o espaço público
e o privado, segundo a ação acolhida pelo STF como guardião constitucional.
As contribuições de empresas transferem ao campo
político a desigualdade característica da esfera econômica, negando a
democracia e tendendo a formar uma plutocracia – o governo dos ricos –
argumentou a OAB com base em vários estudos acadêmicos. O sistema eleitoral com
dinheiro de empresas leva à captura do poder político pelo econômico, ao
converter os candidatos financiados em “devedores” que devem defender “os
interesses econômicos de seus doadores na elaboração legislativa, na confecção
e execução do orçamento, na regulamentação administrativa, nas licitações e nos
contratos públicos”, diz o documento.
Nessa relação promíscua entre capital e meio
político entram também vantagens ilícitas, isto é, a corrupção, cujos
escândalos na área política quase sempre têm algum vínculo com o financiamento
de campanhas eleitorais.
O grande escândalo atual, que pressionou
decididamente a sentença do STF, envolve a empresa petroleira Petrobras em
negócios de dezenas de bilhões de dólares, dos quais empresários e políticos
desviaram pelo menos US$ 6 bilhões, segundo estimativas superficiais. Mais de
30 políticos são acusados de receber subornos de grandes empresas que buscavam
conquistar contratos, e parte do dinheiro teria financiado candidatos e
partidos nas eleições.
A abolição das doações empresariais trará também
como consequência a redução do desequilíbrio de gênero na política, destacou à
IPS a socióloga Clara Araújo, pesquisadora da Universidade do Rio de Janeiro
(UERJ). As mulheres candidatas recebem poucos recursos eleitorais dos partidos,
mas lhes foram destinadas proporções maiores de doações por parte de pessoas
físicas do que de empresas, em proporção inversa à dos homens, pontuou, baseada
no estudo As Mulheres nas Eleições de 2010, do qual é coautora, e em
dados de 2014.
As desvantagens financeiras e na propaganda, por
discriminações partidárias, especialmente na televisão, mantêm as mulheres
brasileiras sub-representadas no parlamento, onde são apenas 10% na Câmara
Federal e 13,6% no Senado, embora representem 52% do eleitorado. “A sentença do
Supremo Tribunal é uma boa notícia em meio ao caos da crise política que vive o
Brasil”, ao reequilibrar um jogo que era muito desfavorável às mulheres,
afirmou à IPS uma das diretoras do Centro Feminista de Estudos e Assessoria,
Guacira de Oliveira.
Mas veio em um momento de muitas incertezas, em que
a crise tende a golpear mais as correntes progressistas, e não altera as regras
que sustentam as desigualdades dentro dos partidos e entre eles. Os recursos
públicos, como os do Fundo Partidário, e os tempos no rádio e na televisão para
a propaganda eleitoral, continuarão beneficiando os grandes partidos, por serem
distribuídos segundo o tamanho da bancada de cada um, lamentou Oliveira.
Só uma reforma política profunda, como a proposta
por organizações da sociedade civil, poderia democratizar efetivamente o
processo eleitoral. Mas o atual parlamento, dominado por conservadores, não a
aprovaria. Isso exige uma Assembleia Constituinte, que talvez se viabilize se a
crise se agravar.
De todo modo, sem o dinheiro empresarial “as
campanhas sofrerão uma forte redução de recursos e, por fim, candidatos e
partidos terão que baratear custos. A internet e as redes sociais, que já têm
crescente participação nas eleições, se tornarão muito mais importantes”,
previu Fernando Lattman-Weltman, professor de política na UERJ. “Mas o capital
buscará outros caminhos para influir na política”, ressaltou. “Se fechou a
porta legal das doações e ficou mais difícil a via ilegal, depois dos
escândalos, prisão e afastamento de muitos envolvidos em corrupção, mas
buscarão brechas na lei”, acrescentou.
Em primeiro plano, Gilmar Mendes, um dos três
magistrados do Supremo Tribunal Federal que votaram contra a proibição do
financiamento das campanhas eleitorais pelas empresas. Em abril de 2014,
impediu que esta sentença se tornasse realidade ao pedir mais tempo para
examinar o assunto, permitindo que as eleições presidenciais daquele ano
contassem com os multimilionários fundos privados. Foto: Fabio Rodrigues
Pozzebom/Agência Brasil.
As campanhas eleitorais ficaram muito caras no
Brasil nas duas últimas décadas, com o uso intenso das técnicas de publicidade
e comunicação em massa. Especialistas da área agora são guias imprescindíveis e
cada dia mais caros. Alguns se converteram em celebridades e ultrapassaram
fronteiras. Após seus triunfos no Brasil, foram contratados por dezenas de
milhões de dólares para dirigir campanhas em outros países latino-americanos e
africanos.
Equipes numerosas com variados especialistas em
aproveitar todos os recursos da publicidade e dos meios de comunicação em massa
transformaram as contendas eleitorais brasileiras em uma guerra midiática entre
exércitos bem remunerados, seguindo um modelo norte-americano. Pesquisas
quantitativas quase permanentes orientavam discursos, lemas e apresentações na
televisão.
Agora será preciso torná-las mais simples, retomar
o discurso pessoal, relações públicas diretas, mobilizações de rua e convocação
de voluntários, apontou Lattman-Weltman. Sem recursos para produzir e difundir
sofisticados serviços de publicidade, “os candidatos tratarão de seduzir os
meios jornalísticos, buscando torná-los mais tendenciosos e partidarizados”,
como nos Estados Unidos, observou, se referindo a um perigo colateral do novo
cenário. Gerar novos fatos políticos e criatividade na campanha também serão
fatores importantes, acrescentou.
Sem os recursos milionários das empresas o jogo
será menos desigual, mas os que já dispõem de algum poder e são conhecidos da
população, como governantes e parlamentares, levam uma boa vantagem sobre as
novas candidaturas, argumentou Oliveira.
É uma desvantagem das mulheres em geral, que
começaram a disputar eleições mais recentemente e são muito poucas nos poderes
Executivo e Legislativo, embora uma mulher, Dilma Rousseff, seja a presidente,
desde 2011, deste país de 202 milhões de habitantes. Celebridades como
apresentadores e atores de televisão, jogadores de futebol, junto com
sindicalistas e líderes sociais serão, provavelmente, mais procurados pelos
partidos.
As próximas eleições, para escolher prefeitos e
vereadores nos 5.570 municípios brasileiros, será uma prova de como funcionará
o processo eleitoral sem os recursos legais e ilegais dos grandes
patrocinadores, especialmente nas grandes capitais, como São Paulo e Rio de
Janeiro, com muitos milhões de eleitores. Os dados do Tribunal Superior
Eleitoral de 2010 e 2014, quando houve eleições presidenciais, estaduais e para
o Congresso, apontam “uma forte relação entre maior gasto e a vitória
eleitoral.
Assim, sem ter direito a voto, as empresas haviam
se convertido em fator decisivo nas eleições. Em outras palavras, “o grande
eleitor era o dinheiro”, segundo Claudio Weber Abramo, diretor da organização
Transparência Brasil, em expressão aproveitada pela OAB em sua ação que levou o
STF a acabar com as eleições dominadas pelas finanças.
Fonte: ENVOLVERDE
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