Negociações
climáticas ignoram questão da água.
Previsão é de secas cada vez mais frequentes,
inundações e alterações dos calendários pluviométricos em geral, provocando
riscos à saúde e à segurança alimentar, além de importantes tensões
geopolíticas.
Por Luna Gámez, Juliana Splendore e Carlos Garcia,
especial para o ISA
As negociações da Conferência Internacional do
Clima (COP-21) – que acontecem em dezembro, em Paris – não contemplam o
problema da água, um recurso essencial fortemente impactado pela mudança
climática.
Os negociadores reunidos na penúltima rodada de
negociações prévias ao evento, em Bonn, Alemanha, na semana passada, a menos de
100 dias da conferência, seguiram ignorando o assunto. Ele simplesmente não
aparece em nenhum documento preliminar da conferência.
Apesar disso, a situação da água é um dos
principais indicadores sobre os efeitos da mudança climática. Por causa do
aumento da temperatura média global, até o final do século as fontes renováveis
na superfície e os recursos hídricos subterrâneos diminuirão consideravelmente
nas regiões secas subtropicais.
A previsão é de secas cada vez mais frequentes,
inundações e alterações dos calendários pluviométricos em geral, provocando
riscos à saúde e à segurança alimentar, além de importantes tensões
geopolíticas. Esse cenário é detalhado no relatório do Painel Intergovernamental
de Mudanças Climáticas (IPCC) lançado no ano passado.
Além disso, em escala planetária, estamos
enfrentando alterações de ecossistemas essenciais para o ciclo d’água como o
derretimento das geleiras, a salificação de mananciais (decorrente do aumento
do nível do mar) e a acidificação dos oceanos.
O desafio aumenta considerando que, até 2050, a
demanda de água crescerá 55%, puxada pelos usos agrícolas, crescimento da
população e pela produção de energia, como explica o relatório “Água para um mundo sustentável”, lançado por
agências das Nações Unidas neste ano.
“A água é o denominador comum de todos os aspectos
da mudança climática. Mudança climática é mudança hídrica”, ressaltou Torgny
Holmgre, diretor executivo do Instituto Internacional da Água de Estocolmo
(SIWI, na sigla em inglês), durante a Semana Internacional da Água, realizada
em Estocolmo, Suécia, há 15 dias.
Os especialistas que participaram do evento
insistiram na necessidade de inserir o tema da água nos processos de negociação
relacionados ao financiamento climático, – principalmente o Fundo Verde; aos
Planos de Adaptação Nacionais; e às Contribuições Nacionalmente Determinadas
Pretendidas (INDC, sigla em inglês). A ideia é que a inclusão do assunto nesses
mecanismos faria da gestão dos recursos hídricos parte essencial das ações de
mitigação e de adaptação às mudanças climáticas.
Amazônia em foco
O Brasil é o país mais rico em fontes de água doce
não congelada. Só a Bacia Amazônica contém 20% do recurso. Cientistas acreditam
que a diminuição das precipitações no Sudeste do país pode ser resultado das
alterações climáticas decorrentes do desmatamento da Amazônia. A floresta
amazônica libera na atmosfera, a cada dia, 20 milhões de toneladas de água que
são transportadas pelos ventos alísios até o Sudeste, por meio dos chamados
“rios voadores”, com um volume hídrico maior que o do próprio Rio Amazonas
(saiba mais).
A proteção das florestas e a governança hídrica são
objetivos importantes para garantir a segurança hídrica no planeta, segundo
destacam as Nações Unidas no último relatório sobre Sustentabilidade Hídrica.
Brasil apresenta um nível de estresse hídrico de
0,659, sendo 0 o menor nível de estresse e 1 o maior nível de estresse.
Estresse hídrico indica o nível de demanda de água que supera a oferta deste
recurso
Acesse aqui o infográfico fonte do mapa acima.
Mudança climática, estresse hídrico e alimentação
Os especialistas que participaram do encontro em
Estocolmo reforçaram que os fenômenos climáticos extremos já estão impactando
as safras de numerosas culturas agrícolas. “Cerca de 90% da agricultura no
planeta depende da água da chuva”, afirmou Malin Falkenmark, pesquisadora do
SIWI.
Um exemplo é o milho, que será um dos produtos mais
afetados pela mudança climática. De acordo com as estimativas do Grupo de
Investigação de Agricultura.
Internacional, a produção dessa cultura poderá ter
uma redução de 25% até 2055. No Brasil, até 2020 a produção de soja pode
diminuir 24% e a do trigo, 41%, segundo o World Resources Institute.
Evolução das safras para 2050 em um mundo com um
acréscimo de mais 3ºC na temperatura média. Fonte – WRI.
No contexto das mudanças climáticas, os atuais
padrões de uso de água para a agropecuária são cada vez mais insustentáveis.
Para a produção de um quilo de carne bovina, por exemplo, são necessários
atualmente 15 mil litros de água, segundo a Rede da Pegada Hídrica, ao mesmo tempo
que muitas regiões do planeta, principalmente na Ásia e na África Subsaariana,
enfrentam situações de alto estresse hídrico. Uma região ou população enfrenta
estresse hídrico quando a demanda supera a quantidade de água disponível. Em
consequência, tornam-se urgentes compromissos de eficiência e de redução do uso
da água nos processos produtivos como medidas essenciais de adaptação à mudança
climática (leia mais).
BOX
A água nos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável
O acesso à água limpa e segura é um direito humano
essencial à vida, segundo uma resolução das Nações Unidas aprovada em julho de
2010. A segurança de provisão de água, de saneamento para todos e de gestão
sustentável do recurso constitui um dos Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável para 2030 – que devem ser aprovados no mês de setembro na
assembleia das Nações Unidas em Nova Iorque.
Como resultado dos esforços de cada país para
alcançar a meta dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) para 2015,
mais de 2,3 bilhões de pessoas no mundo conseguiram acesso a fontes seguras de
água desde 1990, segundo o relatório de metas atingidas no decénio da água das
Nações Unidas (2005-2015).
No entanto, existem 1,6 bilhão de pessoas que moram
em países e regiões com uma escassez de água absoluta e estima-se que esse
número possa crescer até 2,8 bilhões em 2025, segundo o Banco Mundial.
Fonte: Instituto Socioambiental
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