Gás de
xisto fratura comunidades.
O ativista Ray Kimble transformou sua casa, em
Dimock, em um emblema da oposição à exploração de gás de xisto e à técnica do
fracking no Estado da Pensilvânia, nos Estados Unidos. Foto: Emilio Godoy/IPS.
Por Emilio Godoy, da IPS –
Montrose, Estados Unidos, 16/9/2015 – A
norte-americana Vera Scroggins foi processada cinco vezes pela indústria
petroleira e, desde outubro de 2013, pesa sobre ela uma ordem de restrição
permanente para se aproximar de suas instalações. “Me sinto uma cidadã pela
metade, porque as empresas podem fazer o que querem e os cidadãos não. As
corporações violam leis ambientais e continuam operando”, lamentou à IPS esta
agente imobiliária aposentada, mãe de três filhos e com dois netos.
Desde 2008, Scroggins, do movimento Shaleshock
Media, é uma decidida ativista contra a prospecção e exploração do gás de xisto
no município de Montrose, no Estado da Pensilvânia, no nordeste do país. O
desenvolvimento desse hidrocarbono não convencional, também conhecido pela
palavra inglesa shale, requer a técnica da fratura hidráulica, ou fracking,
em inglês.
Nesta localidade, com 1.600 habitantes e parte do
condado de Susquehanna, há cerca de 1.100 poços em aproximadamente 600 campos,
além de 43 estações que compactam o gás para transportá-lo a longa distância.
Toda essa infraestrutura está próxima de moradias e escolas, e está nas mãos de
sete empresas.
Este Estado é atravessado pela bacia gasífera
Marcellus, um dos três grandes depósitos do recurso, que converteram os Estados
Unidos em “frackistão”, pela utilização corrente do fracking na
indústria de petróleo e gás. Nesses depósitos, a molécula do hidrocarbono está
presa em rochas profundas, perfuradas e quebradas pela injeção de enorme
quantidade de uma mistura de água, areia e aditivos químicos, que são
considerados nocivos para a saúde e o ambiente.
Dessa forma, o gás ou o petróleo é liberado. Mas a
tecnologia gera maciços volumes de dejetos líquidos, que devem ser tratados
para sua reciclagem, e de emissões de metano, mais contaminante do que o
dióxido de carbono, o maior responsável pelo aquecimento global. “Os poços
contaminam a água com o metano e o gás vaza para a atmosfera. Muitos não sabem
o que acontece, não têm informação. Não me sinto segura com o fracking”,
denunciou Scroggins, que vive em Montrose com seu marido, um professor
aposentado, e tem como vizinho um poço de gás que opera a um quilômetro de sua
casa.
O fracking alterou a paisagem, pois o
desenvolvimento dos poços se traduziu na presença de dezenas de caminhões
transportando terra, areia e água. As empresas constroem altas torres de aço
para perfurar o poço, e, quando sai o gás, é como se um ferro de passar roupas
passasse por cima, porque o terreno fica visivelmente plano. Só florescem a
tampa do poço e os tubos que transportam o hidrocarbono, conforme denúncia de seus
vizinhos forçados.
A industrialização dessas áreas rurais as deixou
pouco atraentes, enquanto o acúmulo de metano pode acabar em explosões ou
problemas respiratórios para as pessoas, afirmam os ativistas.
Perfuração de um poço de gás de xisto em Montrose,
na Pensilvânia, nos Estados Unidos. Muitas localidades desse Estado tiveram
suas vidas alteradas pelo desenvolvimento desse hidrocarbono não convencional e
pela polêmica técnica de fratura hidráulica exigida para sua exploração. Foto:
Emilio Godoy/IPS.
Em sua Prospectiva Anual de Energia 2015, a estatal
Administração de Informação Energética indica que, em 2014, o setor do xisto
forneceu 11,34 trilhões de pés cúbicos de gás, equivalentes a 47% da produção
gasífera do país. Já a produção de petróleo por fracking foi de 4,2
milhões de barris diários no ano passado, equivalentes a 49% da extração total
de petróleo no país, acrescenta o documento.
O petróleo é a principal fonte nacional de energia,
com 36% do total, seguido do gás, com 27%, e do carvão com 19%. Na Pensilvânia,
a produção de gás saltou de 9.757 pés cúbicos, em 2008, para 3,05 milhões, em
2013. Nesse Estado, berço do primeiro boom do petróleo norte-americano e
da fratura hidráulica, foram perfurados 9.200 poços, enquanto as permissões
concedidas passam de 16 mil.
Os Estados Unidos são o país que de forma mais
intensiva e comercial explora atualmente os hidrocarbonos de xisto. Esse
desenvolvimento foi facilitado desde que, em 2005, a Lei de Política Energética
eximiu a indústria petroleira das sete maiores normas ambientais. Por isso, a
indústria desatou uma onda de queixas em torno de questões ambientais,
sanitárias e contratuais, quando as regulamentações estaduais lhe eram
adversas.
Em setembro de 2012, o Congresso norte-americano
aprovou a Lei de Petróleo e Gás, conhecida como Lei 13, que cancelava o poder
das localidades de aprovar ou vetar autorizações de hidrofraturas. Depois da
apelação apresentada por conselhos, pessoas e organizações ambientais, a
Suprema Corte de Justiça declarou essa lei inconstitucional, o que facultou
novamente às administrações locais utilizar suas legislações territoriais para
tomar decisões sobre o desenvolvimento do shale em suas jurisdições.
O viajante se depara constantemente na estrada com
cartazes onde se lê “Mantenha bonita a Pensilvânia”, mas o que acontece em suas
artérias rurais pouco contribui para esse lema. Ray Kimble, mecânico de 59
anos, pode testemunhar a contradição desse lema em Dimock, a localidade próxima
onde vive. Ele denunciou à IPS que seu povoado sofre a contaminação da água
desde 2009, pelos resíduos da indústria gasífera, onde ele trabalhou como
transportador.
“Destruíram o povoado. Não os queremos aqui”,
protestou Kimble, alegando que tem tosse persistente e os tornozelos inflamados
por causa do contato com os gases enquanto trabalhou no setor. Agora se nega a
beber a água que sai das torneiras e se dedica a transportar esse recurso para
famílias afetadas pela contaminação denunciada.
Dimock é um povoado com cerca de 1.500 habitantes e
cenário do muito premiado documentário Gasland, do norte-americano Joshua
Fox, que mostra os danos causados pelo fracking e gerou as primeiras
demandas legais contra os chamados “senhores do shale”, que desembocaram
em acordos extrajudiciais. A casa de Kimble está a pouco mais de 150 metros de
um poço de gás.
Com o xisto, “há ganhos no curto prazo, mas o que
acontece quando os campos secam e resta o legado de dejetos?”, questionou à IPS
o ativista Tyson Slocum. “Resta água contaminada, fluidos de refluxo,
transformação de áreas agrícolas rurais afetadas pela operação dos poços. Há
poucas obrigações legais e financeiras de longo prazo para garantir que o
legado seja abordado adequadamente”, afirmou esse diretor do programa de
Energia do não governamental Public Citizen. Essa organização promove a defesa
do consumidor e assessora afetados pelo fracking.
Agora a indústria enfrenta a queda dos preços
internacionais dos hidrocarbonos, a contração do financiamento e uma crescente
oposição da população à sua tecnologia. Nos últimos oito meses, cerca de 400
cidades em 28 Estados aprovaram vetos ou moratórias ao fracking. Os
casos mais importantes aconteceram nos Estados de Nova York, que censurou essa
extração em dezembro de 2014, e em Vermont, em 2012.
“Por que não colocam um poço ao lado da casa de um
político? Os cidadãos não os querem junto de suas casas”, ressaltou Scroggins.
“Tomara que não ocorra um vazamento maior, porque será devastador. Mas a
indústria não aceita que praticou mal algum”, acrescentou. Para Slocum, os
Estados se acomodaram aos interesses da indústria. “O balanço entre ganhos e
saúde pública foi aviltado, o debate sobre empregos e benefícios econômicos é
secundário”, destacou.
Fonte: ENVOLVERDE
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