Oceanos
são cruciais para a Agenda 2030.
O secretário de Estado norte-americano, John Kerry,
intervém na segunda conferência internacional sobre Nuestro Oceano, realizada
no porto de Valparaíso, no Chile, com as presenças da presidente do país
anfitrião, Michelle Bachelet, e de seu chanceler, Heraldo Muñoz. Foto:
Chancelaria do Chile.
Por Marianela Jarroud, da IPS –
Valparaíso, Chile, 8/10/2015 – Os produtos do mar
fornecem uma considerável quantidade de proteína animal à alimentação das
pessoas em todo o mundo e 12% da população mundial depende de forma direta da
pesca e da aquicultura para seu sustento. Entretanto, o impacto da mudança
climática, a contaminação marinha por dejetos plásticos, a pesca ilegal e a
acidificação afetam os oceanos e sua biodiversidade, confirmou a segunda
conferência internacional Nuestro Oceano, que aconteceu nos dias 5 e 6 deste
mês no porto chileno de Valparaíso, 120 quilômetros a noroeste de Santiago.
Na reunião, os mais de 500 participantes de 56
países se comprometeram com cerca de 80 iniciativas de conservação e proteção
marinha, que superam os US$ 2,1 bilhões e incluem mais de 1,9 bilhão de
quilômetros de oceanos, destacou o ministro chileno das Relações Exteriores,
Heraldo Muñoz. Ele e o secretário de Estado norte-americano John Kerry foram os
anfitriões do encontro, que teve sua primeira versão no ano passado, em
Washington.
Em uma das primeiras conclusões da conferência, o
diretor-geral da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a
Agricultura (FAO), o brasileiro José Graziano da Silva, advertiu que a saúde e
a produtividade dos oceanos serão estratégicos para alcançar a Agenda 2030 e a
erradicação da fome.
“Os recursos marinhos e aquáticos são finitos”, destacou.
Graziano enfatizou que “os oceanos não têm uma
capacidade infinita para suportar as ameaças que enfrentam atualmente:
exploração excessiva dos recursos, mudança climática, contaminação, perda de
habitat”. E reforçou que “a saúde dos oceanos é fundamental na erradicação da
fome e uma condição essencial para o desenvolvimento mundial’.
Segundo a FAO, o pescado é um alimento muito
nutritivo e valioso complemento de uma dieta na qual faltem outras vitaminas e
minerais fundamentais. Calcula-se que cerca de 7% da proteína animal que
comemos é proveniente da pesca e da aquicultura. Essa porcentagem supera os 20%
em alguns países, particularmente nos pequenos Estados insulares. O pescado não
é apenas um alimento vital, mas também dá trabalho e renda a milhões de pessoas
em todo o mundo.
“A pesca é parte da história mais ancestral e mais
remota. Tanto no corpo continental como nas costas e nos canais foi sustento
para uma centena de povos, ou mais, que viram na vida nômade no mar sua
condição de vida”, apontou à IPS o antropólogo social Juan Carlos Skewes. E
continua sendo: estima-se que o sustento de 12% da população mundial depende de
forma direta da pesca e da aquicultura, o que significa um bilhão de pessoas
envolvidas.
“O mar é tão importante para nós que não só nos
alimenta, mas também nos dá a vida”, afirmou Petero Edmunds, prefeito de Rapa
Nui, conhecida mundialmente como Ilha de Páscoa, localizada no meio do Oceano
Pacífico, 3.700 quilômetros a oeste do território continental chileno. “Para os
polinésios, o mar é nossa fonte de vida, é tão importante que em nossa
mitologia temos Tangaloa, o Deus do Mar, e no costume ancestral Rapa Nui,
quando um bebê nasce, a primeira coisa que o pai deve fazer e afundá-lo no mar,
para devolvê-lo ao seu estado natural”, explicou em entrevista à IPS.
Os oceanos cobrem mais de 70% da superfície do
planeta e 97% da água terrestre é salgada, mas apenas 1% dela está protegida.
Foto: Marianela Jarroud/IPS.
Na América Latina e no Caribe existem mais de dois
milhões de pescadores artesanais ou de pequena escala, que geram renda de US$ 3
bilhões anuais, segundo a intergovernamental Organização Latino-Americana de
Desenvolvimento Pesqueiro (Odelpesca). A região acolhe em suas costas
sul-americanas três dos grandes ecossistemas marinhos do mundo.
O mais importante é a Corrente de Humboldt, no
Oceano Pacífico, que atravessa as costas de Chile, Peru e Equador e contribui com
quase 20% do total da pesca capturada mundialmente. Outros sistemas importantes
na região são a Plataforma Patagônia, na Argentina e Uruguai, e a Plataforma
Sul do Brasil, ambas no Oceano Atlântico.
Apesar de sua importância, a ameaça contra os
oceanos é latente. Estima-se que anualmente são jogados cerca de oito milhões
de toneladas de plástico no mar, na forma de garrafas, embalagens, sacos e
outros dejetos, provocando a morte de espécies marinhas e aves. Junto a isto,
quase um terço da população mundial de peixes é superexplorada.
O ponto 14 dos 17 Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável (ODS), aprovados em cúpula mundial realizada em Nova York, entre os
dias 25 e 27 de setembro, se refere a “conservar e utilizar de forma
sustentável os oceanos, os mares e os recursos marinhos para o desenvolvimento
sustentável”. Porém, a interdependência das metas da Agenda 2030 e a
importância vital dos oceanos que, por exemplo, absorvem mais de 30% das
emissões de dióxido de carbono, fazem com que seja impossível alcançar as metas
sem um oceano sadio e, consequentemente, resiliente.
“Hoje sabemos que existe uma inter-relação muito
mais estreita entre oceanos e mudança climática”, afirmou à IPS o comissário da
União Europeia para Meio Ambiente, Assuntos Marítimos e Pesca, Karmenu Vella. A
proteção oceânica deve ser o tema central da 21ª Conferência das Partes (COP
21) da Convenção Marco das Nações Unidas sobre a Mudança Climática, que
acontecerá entre 30 de novembro e 11 de dezembro, em Paris, pontuou.
O chanceler chileno, no entanto, antecipou que os
governos participantes da conferência do Chile, que estarão presentes na COP
21, “nos comprometemos para que nos documentos e compromissos saídos da cúpula
também esteja presente a proteção dos oceanos”, e considerou muito importantes
os anúncios realizados por vários países na conferência de Valparaíso.
Muñoz destacou o do Chile, que divulgou sua decisão
de proteger mais de um milhão de quilômetros quadrados de áreas marinhas, que
constituirão um dos maiores espaços de proteção do mundo. Como parte desta
iniciativa, Santiago anunciou a criação de 720 mil quilômetros quadrados de
áreas protegidas em Rapa Nui, uma demanda de seus pouco mais de cinco mil
habitantes, que buscam proteger a biodiversidade das águas que rodeiam a ilha e
abrigam 142 espécies endêmicas, 27 delas ameaçadas ou em perigo de extinção.
A medida também permitirá que se perpetue a prática
ancestral da pesca de subsistência em uma área que se estende até à distância
de 50 milhas náuticas do litoral. “A pesca artesanal ainda se desenvolve de
forma ancestral em Rapa Nui. São coletadas pedras que servem de peso para
baixar o anzol e assim pescar atum ou os peixes grandes”, contou Edmunds.
O prefeito da Ilha de Páscoa destacou que a criação
do parque, anunciada pela presidente Michelle Bachelet na abertura da
conferência, permitirá acabar com a pesca ilegal nas águas da ilha. “Há muitas
décadas vemos barcos-‘fantasmas’, que aparecem de madrugada como luzes no
horizonte e levam nossos peixes”, denunciou Edmunds. “Com a ajuda das ONGs
demonstramos que há uma média de 20 embarcações ilegais por dia em nossas
águas, que levam nossos recursos que não queremos que se esgotem”, acrescentou.
Bachelet também anunciou a criação do Parque
Marinho Nazca-Desventuradas, que compreende uma superfície de 297.518
quilômetros quadrados e que constituirá o maior parque marinho do continente
americano.
Fonte: ENVOLVERDE
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