Degradação
ambiental ameaça a saúde humana.
Avanços obtidos nas últimas décadas, como aumento
da expectativa de vida, podem ser revertidos pela rápida e contínua perda da
biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos, indicam relatórios globais. Foto:
Shutterstock
A contínua e rápida degradação dos sistemas
naturais observada em todo o planeta coloca em risco a saúde humana e pode
reverter conquistas obtidas nas últimas décadas, como o aumento da expectativa
de vida.
O alerta é de dois relatórios globais publicados
simultaneamente nos últimos meses – um no fim de junho pelo Secretariado da
Convenção da Diversidade Biológica (CDB) da Organização das Nações Unidas
(ONU), em parceria com a Organização Mundial da Saúde (OMS), e o outro no mês
seguinte pela Rockefeller Foundation, dos Estados Unidos, em colaboração com a
revista Lancet, do Reino Unido.
As duas publicações foram lançadas no Brasil no dia
24 de setembro, durante o painel “Planetary health: a challenge for individual
health”, realizado no campus da Universidade de São Paulo (USP) na capital
paulista.
“Os dois relatórios se complementam e resumem o
atual conhecimento científico sobre as relações entre saúde e meio ambiente”,
disse Braulio Ferreira de Souza Dias, secretário executivo da CDB, em sua
palestra durante o evento.
Intitulado Connecting Global Priorities:
Biodiversity and Human Health, o relatório lançado pela CDB em colaboração
com a OMS aponta que a degradação ambiental tem causado o declínio da
biodiversidade e de serviços ecossistêmicos no mundo, como o fornecimento de
água, alimentos e ar limpo.
O declínio desses serviços ecossistêmicos
representa um risco crescente para a saúde humana e para a sustentabilidade
econômica do planeta, avaliam os autores do documento.
“Diferentemente das mudanças climáticas, que podem
se manifestar por meio de eventos extremos muito perceptíveis, como maior
frequência de secas e inundações, a perda de biodiversidade e dos serviços
ecossistêmicos pela degradação ambiental é um processo lento, contínuo e pouco
visível. Por isso, a maior parte das pessoas não se dá conta disso”, afirmou
Dias.
O relatório indica que a contínua degradação
ambiental já causou a perda de mais de 80% da vegetação herbácea, além de 90%
de todas as áreas úmidas e dos estoques de peixes de maior porte no mundo.
Além disso, também resultou na perda de mais de 90%
da variedade genética de espécies de trigo, arroz e frutas, como maçã, nas
últimas décadas.
“A perda dessa diversidade de cultivares está
tornando a população mundial mais vulnerável a surtos de pragas agrícolas e a
um colapso na oferta de alimentos”, disse Dias.
Segundo ele, muitos dos fatores que estão causando
a degradação ambiental mundialmente são os mesmos que estão levando à perda de
qualidade da saúde humana.
Entre esses fatores estão as mudanças no uso da
terra, sobre-explotação de recursos biológicos, poluição, dispersão de espécies
exóticas e invasoras, além das mudanças climáticas e a acidificação dos
oceanos.
Os desequilíbrios nos ecossistemas causados por
essas formas de degradação ambiental provocam surtos de doenças, como as
causadas por ebola e hantavírus, aponta o relatório.
“O empobrecimento de ecossistemas leva à
proliferação de organismos que são hospedeiros ou vetores de doenças. Há,
claramente, uma relação entre doenças e desequilíbrios de ecossistemas”,
afirmou Dias.
Os barbeiros (Triatoma infestans), que
transmitem a doença de Chagas, por exemplo, preferem se acomodar em palmeiras –
plantas que se proliferam em áreas que sofreram degradação ambiental.
Ao desmatar uma área de floresta, as palmeiras
rebrotam e facilitam a proliferação do inseto, explicou Dias.
Já o vibrião (Vibrio cholerae) responsável
por causar a cólera está presente em todas as zonas costeiras do mundo inteiro,
geralmente sem causar problemas.
A poluição resultante de eutrofização – excesso de
nutrientes – que chega a zonas costeiras causa um fenômeno chamado maré
vermelha e a destruição de microcrustáceos que habitavam aquela região,
exemplificou Dias.
“O recente surto de ebola, na África, também está
associado à quebra do equilíbrio da relação humana com os ecossistemas”,
afirmou.
“O consumo de carne de animais silvestres por
populações pobres no interior de áreas florestais, em razão da falta de opção
de outros alimentos, está fazendo com que entrem em contato com a doença
causada pelo vírus ebola e outras zoonoses”, avaliou.
Ações urgentes
O relatório Safeguarding human health in the
Anthropocene epoch, da Rockefeller Foundation em parceria com a Lancet,
ressalta que os perigos apresentados à espécie humana em razão da degradação
ambiental exigirão uma ação coletiva urgente, tanto em nível global como local,
e a cooperação será indispensável.
A Cúpula das Nações Unidas sobre Desenvolvimento
Sustentável, realizada este fim de semana na sede da ONU, em Nova York – em que
os países passaram a adotar oficialmente os Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável (ODS) –, e a 21ª Conferência das Nações Unidas sobre o Clima
(COP21), em Paris, no início de dezembro, representam uma janela de
oportunidades para colocar em pauta a discussão sobre os impactos da degradação
ambiental na saúde na agenda global, avaliam os autores do relatório.
“É necessário que os países se empenhem em atacar
as causas das mudanças ambientais, promovendo padrões sustentáveis e
equitativos de consumo, controlando o crescimento de suas populações e que usem
o poder das novas tecnologias para promover mudanças”, disse Sir Andy Haines,
professor da London School of Hygiene and Tropical Medicine, em sua palestra
por videconferência durante o evento.
Algumas das medidas apontadas pelo relatório para
diminuir os impactos da degradação ambiental na saúde humana são proteger os
recursos hídricos, combater e reduzir o desperdício de alimentos, investir em
planos escaláveis e modelos de financiamento para a implementação de energias
renováveis e incentivar o investimento regional em infraestrutura de transporte
urbano.
Os investimentos em transporte público urbano podem
ser benéficos tanto para a saúde cardiovascular das populações como também para
a saúde ambiental, ressaltam os autores do relatório.
“As soluções devem se basear na redefinição de
prosperidade, com foco na melhoria da qualidade de vida e na promoção da saúde,
juntamente com o respeito pela integridade dos ecossistemas”, disse Haines.
O encontro teve a participação de José Goldemberg,
presidente da FAPESP, e de representantes da Secretaria do Meio Ambiente do
Estado de São Paulo, da USP e dos hospitais Sírio Libanês e Albert Einstein.
Na avaliação de Goldemberg, a pesquisa científica
pode auxiliar muito na busca de soluções para a diminuição de causas da
degradação ambiental, que, eventualmente, podem contribuir com outras áreas,
além da saúde.
A descoberta de que a palha da cana-de-açúcar
poderia ser usada para gerar eletricidade fez com que a prática da queima da
planta para a colheita manual fosse substituída pela colheita mecanizada da
cana crua nos canaviais no Estado de São Paulo, exemplificou.
“O aproveitamento desse subproduto da
cana-de-açúcar contribuiu para diminuir a poluição, está ajudando a gerar
lucros para as usinas e produzir eletricidade para o país”, avaliou Goldemberg.
“É preciso olhar para as causas e consequências da
degradação ambiental, que podem resultar em soluções como essa”, afirmou.
O relatório Connecting Global Priorities:
Biodiversity and Human Health pode ser acessado aqui.
E o relatório Safeguarding human health in the
Anthropocene epoch pode ser acessado aqui.
Fonte: Agência Fapesp
Nenhum comentário:
Postar um comentário