Terramérica
– Projeto agroecológico apoia inovação local.
Armando Marcelino Pi e membros de sua família, que
trabalham juntos na propriedade particular agroecológica de La Carmelina, na
localidade de La Palma, nas montanhas da província de Pinar del Río, no extremo
ocidental de Cuba. Foto: Jorge Luis Baños/IPS.
Por Ivet González*
La Palma, Cuba, 14 de setembro de 2015
(Terramérica).- Armando Marcelino Pi divide seu dia entre a universidade, onde
dá aulas de filosofia, o trabalho na propriedade familiar La Carmelina, e a
coordenação de um grupo de 33 produtores agroecológicos, nesta localidade
montanhosa do extremo ocidental de Cuba. “Falta conseguir maior aplicação da ciência
e da técnica na agricultura, que levem aos camponeses os conhecimentos dos
centros de pesquisa”, ressaltou ao Terramérica.
Pi e seus 12 familiares plantam frutas e criam
porcos, aves e abelhas de “maneira limpa” em sete hectares. Graças à implantação
de boas práticas, assegurou que a propriedade fornecesse a comida necessária
para as quatro famílias que trabalham nela. Embora não tenham grandes
rendimentos, revelou que plantam 90% da área com “total independência dos
insumos estatais”.
“São muitos os camponeses que não estão
incorporados no movimento agroecológico”, lamentou Pi, que identificou entre as
causas a falta de conhecimentos, resistência à mudança, escassos serviços
disponíveis para fazendas ecológicas e o baixo pagamento pelos alimentos orgânicos,
que são mais difíceis de se conseguir. La Carmelina elabora desde seu próprio
adubo orgânico até o alimento para os porcos à base de palmeira palmiche e
farinha de cana e de milho.
Em busca de maior e mais sustentável crescimento do
agronegócio cubano, pesquisadores e produtores ecológicos como Pi preparam o
caminho, no momento em 45 dos 168 municípios cubanos, para estabelecer um
sistema que apoie os governos locais na administração do desenvolvimento
socioeconômico.
“Buscamos institucionalizar grupos municipais com
diversos atores para criar um Sistema de Inovação Agropecuária Local (Sial),
que seja único no país”, explicou Iván Paneque, coordenador do Programa de
Inovação Agropecuária Local (Pial) em Pinar del Río, província vizinha a Havana
onde fica La Palma.
A nova iniciativa é apresentada, segundo material
entregue ao Terramérica, com o slogan “para um enfoque participativo nas
práticas de desenvolvimento”, e afirma que o Sial amplifica o trabalho do Pial,
que em 2000 começou a ensinar as famílias camponesas a obterem suas próprias
sementes e a promover maior participação na atividade produtiva das mulheres e
da população jovem, uma dívida pendente no setor rural cubano.
Além disso, o Pial ajuda a criar redes entre os
produtores, a melhorar a comercialização, e a adaptação e a mitigação diante da
mudança climática. Esse programa, coordenado pelo estatal Instituto Nacional de
Ciências Agrícolas, com apoio da cooperação internacional, melhorou a vida de
50 mil pessoas entre os 45 municípios de dez províncias onde está presente. O
plano é que até 2017 chegue a mais 30 localidades.
Agora a missão das novas plataformas do Sial é
aproximar alternativas das pessoas, para produzir mais com a pouca
disponibilidade de recursos neste país caribenho de governo socialista, que
tenta sair de uma crise econômica de mais de 20 anos sem desmontar todos os
controles ou abrir-se plenamente ao mercado global.
Especialistas afirmam que o sistema estatal de
inovação agrícola quase não funciona, por causa do desgaste da depressão
econômica e por décadas de excessiva centralização. Identificam o limitado
acesso dos produtores às tecnologias e aos conhecimentos necessários entre os
tantos freios do esperado decolar agrícola.
Enquanto isso ocorre, soube-se que Cuba reduziu pela
metade o gasto público em pesquisa e desenvolvimento nos últimos quatro anos.
Em 2010, foram destinados para esse fim US$ 651,5 milhões e, em 2014, US$ 380,5
milhões no total, segundo as mais recentes cifras divulgadas pelo estatal
Escritório Nacional de Estatísticas e Informação.
Por essa razão, mulheres e homens defensores da
agroecologia asseguraram ao Terramérica que chegou a hora de aproveitar mais as
oportunidades abertas pela descentralização da agricultura e pelo empoderamento
dos governos locais, que a reforma econômica, impulsionada desde 2008 pelo
governo de Raúl Castro, permite.
Paneque afirmou ao Terramérica que “muitos projetos
e muitas pessoas trabalham na inovação agropecuária local, mas não como
sistema”. E acrescentou que “não basta chegar às cooperativas, é preciso ir
mais além: ao município e à Direção Municipal da Agricultura (representante do
Ministério da Agricultura), entre outros, para trabalhar unidos e concentrar
esforços e recursos”.
“Já apresentamos o Sial ao governo municipal de La
Palma e estamos na fase de avaliação”, pontuou Paneque, também pesquisador
sobre os avanços nesta localidade, onde iniciativas de vários especialistas
germinaram o Pial e suas diferentes feiras de biodiversidade para intercambiar
sementes, mudas, tecnologias e conhecimento.
O grupo é composto, entre outros, por produtores
inovadores, pesquisadores de diversas disciplinas, representantes da seção
municipal do Ministério da Agricultura, a presidente do governo local e
ativistas de organização camponesas, e de técnicos e profissionais
agropecuários. Para Paneque, o sistema permitirá “divulgar mais as boas
práticas que aplicamos nas localidades, que podem ser um exemplo a ser seguido
por todos”.
Paneque também explicou que será um espaço para
tratar com as autoridades locais temas importantes, como a necessidade de
certificar os produtos agroecológicos, conseguir preços diferenciados e
competitivos para os alimentos orgânicos, apoiar a criação de pequenas
indústrias de conservas e estender tecnologias protetoras dos solos.
Como exemplo, disse que, com apoio das autoridades,
toda a agricultura de La Palma pode se autoabastecer de sementes de feijão. Os
produtores capacitados nas técnicas de melhoramento e conservação de sementes
têm, “neste momento, um banco local de sementes de feijão com 285 variedades”,
enfatizou.
Vista do município rural e montanhoso de La Palma,
no extremo ocidental de Cuba, na província de Pinar del Río. Foto: Jorge Luis
Baños/IPS.
Este município montanhoso, com 34.920 habitantes
espalhados em 636 quilômetros quadrados, tem como principal atividade econômica
a agricultura, com forte destaque para os setores florestal, do tabaco e
pecuário.
Para a professora universitária Bárbara Mosquera, o
sistema “vai estabelecer conexões entre o governo e os órgãos e as instituições
que podem facilitar os processos de inovação para o desenvolvimento. É preciso
ótimas experiências nas cooperativas e produtores individuais para
generalizar”.
O Sial que surgir de maneira voluntária, até agora
apenas nos 45 municípios com redes de produtores, deverá ser avaliado pelos
governos locais. Representantes da coordenação nacional do projeto disseram ao
Terramérica que 26 municípios já assinaram acordos de intenção para
institucionalizar aos novos coletivos.
“O conhecimento e a criação das pessoas são
fundamentais em nossa agricultura, de baixos insumos e muito afetadas
economicamente”, indicou Rodobaldo Ortiz, coordenador-geral do Pial, em um
encontro com jornalistas em Havana. “Então as pessoas precisam fazer produções
ecológicas e ajustar as tecnologias ao seu terreno”, propôs às 500 mil
propriedades de Cuba.
As propriedades familiares, quintais-horta e
pequenas áreas, majoritariamente em áreas urbanas, lideram o impulso à
agroecologia, embora também esta esteja presente em todas as formas produtivas
do país, onde dominam as cooperativas.
O setor agropecuário – liderado por tabaco,
cana-de-açúcar, hortaliças, tubérculos – cresceu 4,8% no primeiro semestre do
ano, um décimo maior que o aumento geral da economia. No ano passado, o setor
respondeu por 3,8% do produto interno bruto (PIB).
Fonte: ENVOLVERDE
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