terça-feira, 6 de outubro de 2015

Terramérica – Projeto agroecológico apoia inovação local.
Armando Marcelino Pi e membros de sua família, que trabalham juntos na propriedade particular agroecológica de La Carmelina, na localidade de La Palma, nas montanhas da província de Pinar del Río, no extremo ocidental de Cuba. Foto: Jorge Luis Baños/IPS.

Por Ivet González*

La Palma, Cuba, 14 de setembro de 2015 (Terramérica).- Armando Marcelino Pi divide seu dia entre a universidade, onde dá aulas de filosofia, o trabalho na propriedade familiar La Carmelina, e a coordenação de um grupo de 33 produtores agroecológicos, nesta localidade montanhosa do extremo ocidental de Cuba. “Falta conseguir maior aplicação da ciência e da técnica na agricultura, que levem aos camponeses os conhecimentos dos centros de pesquisa”, ressaltou ao Terramérica.

Pi e seus 12 familiares plantam frutas e criam porcos, aves e abelhas de “maneira limpa” em sete hectares. Graças à implantação de boas práticas, assegurou que a propriedade fornecesse a comida necessária para as quatro famílias que trabalham nela. Embora não tenham grandes rendimentos, revelou que plantam 90% da área com “total independência dos insumos estatais”.

“São muitos os camponeses que não estão incorporados no movimento agroecológico”, lamentou Pi, que identificou entre as causas a falta de conhecimentos, resistência à mudança, escassos serviços disponíveis para fazendas ecológicas e o baixo pagamento pelos alimentos orgânicos, que são mais difíceis de se conseguir. La Carmelina elabora desde seu próprio adubo orgânico até o alimento para os porcos à base de palmeira palmiche e farinha de cana e de milho.

Em busca de maior e mais sustentável crescimento do agronegócio cubano, pesquisadores e produtores ecológicos como Pi preparam o caminho, no momento em 45 dos 168 municípios cubanos, para estabelecer um sistema que apoie os governos locais na administração do desenvolvimento socioeconômico.

“Buscamos institucionalizar grupos municipais com diversos atores para criar um Sistema de Inovação Agropecuária Local (Sial), que seja único no país”, explicou Iván Paneque, coordenador do Programa de Inovação Agropecuária Local (Pial) em Pinar del Río, província vizinha a Havana onde fica La Palma.

A nova iniciativa é apresentada, segundo material entregue ao Terramérica, com o slogan “para um enfoque participativo nas práticas de desenvolvimento”, e afirma que o Sial amplifica o trabalho do Pial, que em 2000 começou a ensinar as famílias camponesas a obterem suas próprias sementes e a promover maior participação na atividade produtiva das mulheres e da população jovem, uma dívida pendente no setor rural cubano.

Além disso, o Pial ajuda a criar redes entre os produtores, a melhorar a comercialização, e a adaptação e a mitigação diante da mudança climática. Esse programa, coordenado pelo estatal Instituto Nacional de Ciências Agrícolas, com apoio da cooperação internacional, melhorou a vida de 50 mil pessoas entre os 45 municípios de dez províncias onde está presente. O plano é que até 2017 chegue a mais 30 localidades.

Agora a missão das novas plataformas do Sial é aproximar alternativas das pessoas, para produzir mais com a pouca disponibilidade de recursos neste país caribenho de governo socialista, que tenta sair de uma crise econômica de mais de 20 anos sem desmontar todos os controles ou abrir-se plenamente ao mercado global.

Especialistas afirmam que o sistema estatal de inovação agrícola quase não funciona, por causa do desgaste da depressão econômica e por décadas de excessiva centralização. Identificam o limitado acesso dos produtores às tecnologias e aos conhecimentos necessários entre os tantos freios do esperado decolar agrícola.

Enquanto isso ocorre, soube-se que Cuba reduziu pela metade o gasto público em pesquisa e desenvolvimento nos últimos quatro anos. Em 2010, foram destinados para esse fim US$ 651,5 milhões e, em 2014, US$ 380,5 milhões no total, segundo as mais recentes cifras divulgadas pelo estatal Escritório Nacional de Estatísticas e Informação.

Por essa razão, mulheres e homens defensores da agroecologia asseguraram ao Terramérica que chegou a hora de aproveitar mais as oportunidades abertas pela descentralização da agricultura e pelo empoderamento dos governos locais, que a reforma econômica, impulsionada desde 2008 pelo governo de Raúl Castro, permite.

Paneque afirmou ao Terramérica que “muitos projetos e muitas pessoas trabalham na inovação agropecuária local, mas não como sistema”. E acrescentou que “não basta chegar às cooperativas, é preciso ir mais além: ao município e à Direção Municipal da Agricultura (representante do Ministério da Agricultura), entre outros, para trabalhar unidos e concentrar esforços e recursos”.

“Já apresentamos o Sial ao governo municipal de La Palma e estamos na fase de avaliação”, pontuou Paneque, também pesquisador sobre os avanços nesta localidade, onde iniciativas de vários especialistas germinaram o Pial e suas diferentes feiras de biodiversidade para intercambiar sementes, mudas, tecnologias e conhecimento.

O grupo é composto, entre outros, por produtores inovadores, pesquisadores de diversas disciplinas, representantes da seção municipal do Ministério da Agricultura, a presidente do governo local e ativistas de organização camponesas, e de técnicos e profissionais agropecuários. Para Paneque, o sistema permitirá “divulgar mais as boas práticas que aplicamos nas localidades, que podem ser um exemplo a ser seguido por todos”.

Paneque também explicou que será um espaço para tratar com as autoridades locais temas importantes, como a necessidade de certificar os produtos agroecológicos, conseguir preços diferenciados e competitivos para os alimentos orgânicos, apoiar a criação de pequenas indústrias de conservas e estender tecnologias protetoras dos solos.

Como exemplo, disse que, com apoio das autoridades, toda a agricultura de La Palma pode se autoabastecer de sementes de feijão. Os produtores capacitados nas técnicas de melhoramento e conservação de sementes têm, “neste momento, um banco local de sementes de feijão com 285 variedades”, enfatizou.
Vista do município rural e montanhoso de La Palma, no extremo ocidental de Cuba, na província de Pinar del Río. Foto: Jorge Luis Baños/IPS.

Este município montanhoso, com 34.920 habitantes espalhados em 636 quilômetros quadrados, tem como principal atividade econômica a agricultura, com forte destaque para os setores florestal, do tabaco e pecuário.

Para a professora universitária Bárbara Mosquera, o sistema “vai estabelecer conexões entre o governo e os órgãos e as instituições que podem facilitar os processos de inovação para o desenvolvimento. É preciso ótimas experiências nas cooperativas e produtores individuais para generalizar”.

O Sial que surgir de maneira voluntária, até agora apenas nos 45 municípios com redes de produtores, deverá ser avaliado pelos governos locais. Representantes da coordenação nacional do projeto disseram ao Terramérica que 26 municípios já assinaram acordos de intenção para institucionalizar aos novos coletivos.

“O conhecimento e a criação das pessoas são fundamentais em nossa agricultura, de baixos insumos e muito afetadas economicamente”, indicou Rodobaldo Ortiz, coordenador-geral do Pial, em um encontro com jornalistas em Havana. “Então as pessoas precisam fazer produções ecológicas e ajustar as tecnologias ao seu terreno”, propôs às 500 mil propriedades de Cuba.

As propriedades familiares, quintais-horta e pequenas áreas, majoritariamente em áreas urbanas, lideram o impulso à agroecologia, embora também esta esteja presente em todas as formas produtivas do país, onde dominam as cooperativas.

O setor agropecuário – liderado por tabaco, cana-de-açúcar, hortaliças, tubérculos – cresceu 4,8% no primeiro semestre do ano, um décimo maior que o aumento geral da economia. No ano passado, o setor respondeu por 3,8% do produto interno bruto (PIB).


Fonte: ENVOLVERDE

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