‘Caranguejo verde’ garante
sustentabilidade à cadeia produtiva do crustáceo.
Agora é política pública. A captura, acomodação e
transporte do caranguejo-uçá das áreas de mangue do Piauí, Maranhão, Ceará e
Pará até o consumidor final deve seguir um processo tecnológico desenvolvido
pela Embrapa Meio-Norte (PI), que se popularizou com o nome de “caranguejo
verde”. O processo organiza ecologicamente a cadeia produtiva do crustáceo,
garantindo padrões corretos de captura, estocagem e transporte desse animal
vivo, levando sustentabilidade à atividade pesqueira.
A Instrução Normativa número 9, de 2 de julho de
2013, do Ministério da Pesca e Aquicultura e do Ministério do Meio Ambiente,
que acaba de entrar em vigor e que tem o processo tecnológico da Embrapa como
base, define padrões e afasta a ameaça de quebra da cadeia produtiva do
caranguejo-uçá com ações predatórias. Técnicos do Ibama e do Instituto Chico
Mendes estão monitorando a atividade e orientando os pescadores a cumprirem a
Instrução. Ainda não foram definidas as penalidades para quem desobedecê-la.
Desenvolvido pelo pesquisador Jefferson Legat, o
processo tecnológico que deu origem ao caranguejo verde é uma ação para
estancar crimes ambientais nas áreas de mangue. O processo gerou um documento
em forma de cartilha (http://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/106193/1/Cartilha-caranguejo-Biologia.pdf)
e define as etapas da atividade pesqueira do caranguejo-uçá, afastando a
pressão nos mangues.
O processo é simples e eficaz. O braceamento, por
meio do qual o catador coloca o braço na toca do animal e o retira com a mão, é
o método de captura que provoca menos danos ao caranguejo-uçá. Portanto, é o
indicado. Os crustáceos, em número de 80, no máximo, devem ser transportados
soltos e acondicionados em caixa de plástico, um recipiente com mais espaço e
seguro. É recomendado também que os animais fiquem divididos em faixas de
espuma umedecida com água, o que reduz o nível de estresse. Com essas
recomendações, a taxa de mortalidade cai de 55% para 5%.
Sucesso no comércio e na mesa
A vida do maior e mais famoso vendedor de
caranguejo-uçá do Nordeste brasileiro mudou com o processo tecnológico do
caranguejo verde. Francisco Querino Lourenço, o Chico do Caranguejo, foi o
primeiro comerciante a aderir à tecnologia e garante que ela “deveria ter surgido
há pelo menos 100 anos”.
Instalado há 33 anos com uma barraca na praia do
Futuro, em Fortaleza, ele conta que dos cerca de 40 mil caranguejos que compra
todo mês da área de mangue do Delta do Rio Parnaíba, nos estados do Piauí e
Maranhão, nem 5% chegam mortos. “Antes, de 40 mil caranguejos que eu trazia,
apenas 18 mil chegavam vivos. O prejuízo ao comércio e ao meio ambiente era
muito grande”, lembra.
Chico do Caranguejo é a garantia do caranguejo de
qualidade. Ele repassa, todo mês, cerca de 20 mil crustáceos a 166 pontos
comerciais da capital cearense, entre bares e restaurantes.
“Olha que interessante! Esse processo, além de
preservar o meio ambiente e a espécie, nos garante um alimento de qualidade”,
disse, surpresa, a fonoaudióloga Cheyla Alencar, piauiense de Pio Nono, que
passa férias em Fortaleza, ao ser informada sobre o caranguejo verde. Ela, o
marido, Ednaldo Alencar, e a irmã Charla Sousa, aprovaram a ideia do processo
tecnológico.
Conhecido nacionalmente, o Beach Park é outro
cartão de apresentação do caranguejo verde. Situado na praia Porto das Dunas,
em Aquiraz, a 15 quilômetros de Fortaleza, o parque aquático tem no caranguejo
seu maior destaque no cardápio. “O processo já fala por si só”, diz o chef
corporativo Bernard Twardy, um dos entusiastas do caranguejo verde.
Nascido em Bonn, na Alemanha, e vivendo há 30
anos no Brasil, Bernard conta que de janeiro a julho deste ano o parque já
recebeu do fornecedor Paulo César Aguiar, 106 mil caranguejos, todos
capturados, acomodados e transportados obedecendo o processo tecnológico
desenvolvido pela Embrapa. Aguiar também traz caranguejo do Piauí, Maranhão e
Pará.
Para o português Vitor Hugo Teixeira, que mora em
Lisboa e passa férias todo ano com a mulher e os dois filhos em Fortaleza, o
caranguejo verde é uma segurança para o consumidor. “Fiquei contente em saber
dessa tecnologia. Ela dá segurança a quem está consumindo o crustáceo. Penso
que todos os donos de bares e restaurantes deveriam adotar esse caranguejo
verde,” sugere.
Monitoramento e orientação
Com eficiência comprovada, o processo do
caranguejo verde recebe apoio de instituições públicas e de uma organização não
governamental. Também trabalham no monitoramento do desembarque de caranguejos
no porto dos Tatus, no município de Ilha Grande, no litoral do Piauí,
pesquisadores das universidades federal e estadual e da ONG Comissão Ilha Ativa
(CIA).
A ação é uma das atividades dos projetos
“Fortalecimento das Comunidades Tradicionais da Ilha Grande Santa Isabel para
conservação” e “Manejo Sustentável dos Recursos Naturais”, conduzido pela CIA.
A pesquisadora Fabíola Fogaça, da Embrapa
Meio-Norte, coordena as ações de pesquisa e é responsável pelo levantamento de
informações sobre o extrativismo do pescado. O projeto é financiado pela
Tropical Forest Conservation ACT, instituição norte-americana.
“Vejo esse processo da Embrapa como o marco zero
para a regulamentação do trabalho dos catadores de caranguejo-uçá, evitando,
assim, a extinção da atividade no Delta do Parnaíba”, diz a bióloga Liliana Oliveira,
da Comissão Ilha Ativa. Segundo ela, já há sustentabilidade na cadeia produtiva
do crustáceo, “mesmo existindo ações predatórias, que são pontuais e
controladas”.
A oceanógrafa Silmara Erthal, do Instituto Chico
Mendes, tem a mesma opinião de Oliveira. “O processo afasta a possibilidade de
extinção da cata do caranguejo-uçá”, garante. Já o professor João Marcos de
Góes, da Universidade Federal do Piauí e doutor em zoologia, reforça o
pensamento da bióloga. Para ele, a Instrução Normativa “é uma política
mitigadora do problema”.
O professor, no entanto, acredita que há
necessidade de mais estudos sobre toda a cadeia produtiva do caranguejo-uçá. “É
preciso um conhecimento geral da população de animais nas áreas de mangue”,
sentenciou. Góes é biólogo e trabalhou, como bolsista, nas pesquisas que
resultaram no processo do caranguejo verde. No trabalho, ele descobriu que o
caranguejo atinge a maturidade sexual entre 3 e 4 centímetros de comprimento.
“Isso foi importante, pois a lei que protege os caranguejos determina que eles
só podem ser capturados com tamanho superior a 6 centímetros de comprimento”,
destacou.
O caranguejo-uçá, cujo nome científico é Ucides
cordatus, habita todos os 25 mil quilômetros quadrados de área de mangue do
Brasil, que são distribuídos em mais de 7 mil quilômetros da orla litorânea –
do extremo norte do Amapá até Santa Catarina. Segundo estudos da Embrapa
Meio-Norte, o caranguejo-uçá tem pouca gordura, alto teor de proteínas e é
fonte de minerais.
Riqueza ambiental e fonte de renda
Na área de mangue, nos anos 2000, segundo um
estudo da Embrapa, cerca de 20 milhões de caranguejos eram capturados
anualmente para o consumo dos próprios pescadores e para exportação. Hoje, não
há uma estimativa do número de captura desses crustáceos. No Piauí e Maranhão,
capturar caranguejo é uma atividade que ocupa pelo menos 7 mil pessoas, sendo a
principal fonte de renda.
A captura de caranguejo para exportação acontece
sempre de terça-feira a sábado. Os compradores sobem o rio Tatus, braço do rio
Parnaíba, em barcos de médio porte, logo no início da manhã e só voltam à
noite. A negociação é feita no meio do rio. Caranguejos com mais de 6
centímetros de carapaça são ao mais valorizados: custam R$ 1,50. Já os que têm
apenas 6 centímetros são vendidos por R$ 1,00. Nos bares e restaurantes de
Fortaleza, por exemplo, uma porção com quatro caranguejos pode custar de R$ 19
a R$ 42.
Fonte: Embrapa Meio-Norte
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