Reestruturação das metrópoles: primeiro os empreendimentos, depois a mobilidade.
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Redação do IHU On-Line
Trânsito na Av. 23 de maio, em São Paulo. Foto:
Robson Fernandjes/ Fotos Públicas – 22/09/2014.
“Planos Diretores passaram a ser feitos por
empresas, em série, sem a realização de estudos necessários para realmente
gerar um Plano Diretor adequado à realidade de determinados municípios”,
adverte o geógrafo Paulo Roberto Rodrigues Soares.
Os novos arranjos urbanos nas metrópoles
brasileiras, bastante diferentes dos ocorridos há 30 anos, estão relacionados
tanto à habitação como às atividades econômicas, com o surgimento de novos
empreendimentos do mercado imobiliário.
De acordo com Paulo Roberto Rodrigues Soares, com a
reestruturação das cidades “o mercado imobiliário criou um novo produto, que
chama de bairros planejados; são grandes empreendimentos em áreas periféricas
que não tinham essa ação do mercado imobiliário. Nesse sentido, há uma mudança
significativa na estrutura das cidades pela localização desses grandes
empreendimentos”.
Pesquisador do Observatório das Metrópoles de Porto
Alegre, Soares enfatiza que a geografia urbana das cidades não é considerada
nesse processo. “É levado em conta muito mais a possibilidade de rentabilidade
desse investimento, e não exatamente a geografia urbana ou a relação deste
empreendimento com um conjunto urbano já preexistente, com uma estrutura urbana
já preexistente”. Segundo ele, apesar da reestruturação urbana gerar novos
pontos centrais de organização em algumas zonas urbanas, ela tem gerado uma
“fragmentação” social, porque “o mercado imobiliário já programa os
empreendimentos para um determinado público. Então, ao indicar determinado
público, ele já homogeniza socialmente essas áreas”.
Na entrevista a seguir, concedida à IHU On-Line por
telefone, o geógrafo também assinala a falta de conexão entre a expansão das
cidades e as mudanças em mobilidade. Como exemplo, ele menciona a expansão da
cidade de Porto Alegre para o extremo sul, “com muitos empreendimentos de
classe média, classe média alta, no caso de condomínios fechados,
especialmente, e tem uma expansão também para o bairro Restinga, com uma série
de empreendimentos de habitação popular. Essas pessoas vão ter necessidade de
transporte coletivo, mas essa demanda não está sendo programada. Estão criando
os empreendimentos, mas não se sabe como será resolvida a necessidade de transporte
dessas pessoas. Então, a questão da mobilidade deveria ser colocada inclusive
na pauta dos empreendimentos, ou seja, como esse número de pessoas que viverão
nesses bairros vão se deslocar? Isso é algo importantíssimo de ser planejado”,
reitera.
Paulo Roberto Rodrigues Soares é doutor em
Geografia Humana pela Universidad de Barcelona, Espanha, mestre em Geografia
pela Unesp e graduado em Geografia pela Universidade Federal do Rio Grande –
FURG. Atualmente é professor do Departamento de Geografia e do Programa de
Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS
e colaborador no Programa de Pós-Graduação em Geografia da FURG.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Quais são os novos arranjos espaciais
metropolitanos que estão surgindo nas metrópoles e como o mercado imobiliário
tem contribuído para essa reestruturação das metrópoles?
Paulo Soares – Temos dois tipos de arranjos: um relacionado à
habitação e outro relacionado às atividades econômicas. Relacionados à
habitação, temos uma expansão de grandes empreendimentos imobiliários em
grandes bairros, condomínios fechados. O mercado imobiliário criou um novo
produto, que chama de bairros planejados; são grandes empreendimentos em áreas
periféricas que não tinham essa ação do mercado imobiliário.
Nesse sentido, há uma mudança significativa na
estrutura das cidades pela localização desses grandes empreendimentos. Em
termos econômicos também surgem novos arranjos, porque a indústria e o comércio
hoje em dia se localizam de forma diferenciada. Por exemplo, os grandes
empreendimentos comerciais, os grandes shoppings centers, os grandes atacados,
hipermercados, se localizam também em grandes eixos viários, e a indústria está
criando parques tecnológicos, condomínios industriais, clusters industriais. O
complexo automotivo é um exemplo disso, não é só a montadora, mas uma união de
sistemistas junto à montadora. Então, são arranjos diferenciados da forma como
se dava esse crescimento há, digamos assim, 30 anos.
IHU On-Line – A geografia urbana é levada em conta
nos processos de reestruturação urbana?
Paulo Soares – O que é levado em conta nessas localizações é a
otimização do empreendimento. Geralmente esses novos arranjos são grandes
empreendimentos imobiliários, tanto habitacionais como também comerciais e
industriais. Então, é levado em conta muito mais a possibilidade de
rentabilidade desse investimento, e não exatamente a geografia urbana ou a
relação deste empreendimento com um conjunto urbano já preexistente, com uma
estrutura urbana já preexistente.
IHU On-Line – Evidencia um processo de fragmentação
socioterritorial nas metrópoles? Quais as implicações sociais desse processo?
Paulo Soares – O que se vê realmente é uma tendência a essa
fragmentação, porque essas implantações não têm muita relação com a estrutura
preexistente, elas são quase que independentes dessa estrutura: se localizam em
redes viárias, em grandes áreas de expansão urbana sem relacionamento com a
estrutura preexistente. E, por outro lado, o mercado imobiliário já programa os
empreendimentos para um determinado público. Então, ao indicar determinado
público, ele já homogeniza socialmente essas áreas.
Geralmente no Brasil não temos o costume de ter um
misto social num mesmo ambiente — em alguns países muitas vezes é até uma
obrigatoriedade que os empreendimentos tenham uma mistura social organizada que
pelo menos leve a uma população diversificada. Como no Brasil isso não existe,
o mercado imobiliário atua e coloca em uma área 5 mil habitantes, por exemplo,
mas todos com certa homogeneidade social. Então, isso obviamente contribui para
a segregação, porque vai haver um grupo homogêneo isolado e, consequentemente,
isso cria uma fragmentação, uma vez que esse grupo não vai ter relação com seu
entorno, mas com as áreas de centralidade da cidade. Um exemplo disso é o que
está ocorrendo no entorno da Arena do Grêmio, em Porto Alegre. Nessa região
está surgindo um complexo de edifícios, mas quem vai morar ali não terá relação
com o entorno; vai ter relação com outros lugares da metrópole, mas não
exatamente com o entorno e com a população segregada que vive ao lado da Arena.
IHU On-Line – Quais foram as transformações
físico-territoriais, socioeconômicas, ambientais e simbólicas das cidades sedes
da Copa? Depois de três meses do fim da Copa do Mundo, que análise é possível
fazer acerca das reformas feitas no espaço urbano nas cidades sedes?
Paulo Soares – Nós estamos finalizando o projeto de estudos sobre
a Copa do Mundo, e até o final do ano teremos resultados mais consolidados. Mas
podemos dizer que realmente houve uma certa reestruturação físico-territorial e
uma mudança na centralidade da cidade. Nesse sentido, os estádios e as áreas
que receberam investimentos da Copa ganharam uma certa centralidade. Outra
alteração — não sei se vai redundar numa alteração socioeconômica —, foi a
geração de grandes empreendimentos imobiliários no entorno dos estádios, e
também houve transformações simbólicas à medida que determinados lugares
ganharam um significado para a cidade.
Recentemente estive em São Paulo e passei próximo
ao Itaquerão, ou Arena Corinthians, e se vê que naquele entorno está tendo uma
grande mudança, considerando que aquela era uma região abandonada na cidade.
Nesse sentido, há um certo olhar do mercado imobiliário para outros pontos da
cidade. Apesar disso, temos de deixar claro que nem todas as obras foram
concluídas, porque ocorreram atrasos e, no final das contas, mudanças mais
amplas — como no caso de Porto Alegre —, que poderiam ter acontecido, ainda não
aconteceram, tanto que as grandes obras viárias programadas não se realizaram.
IHU On-Line – O senhor fez uma análise dos impactos
socioespaciais da construção do BarraShoppingSul na zona sul de Porto Alegre.
Quais os processos de produção e reestruturação econômica, social e espacial em
curso na região?
Paulo Soares – Foi uma pesquisa que fiz com alunos de iniciação
científica acerca da construção do BarraShoppingSul e suas implicações para a
Zona Sul. Fizemos uma análise daquele entorno e das transformações. É claro que
um empreendimento daquele tamanho gera uma série de impactos, mas observamos
que o BarraShoppingSul conseguiu formar uma centralidade para a Zona Sul de
Porto Alegre. Do ponto de vista econômico — não estou dizendo que sou a favor
disso —, a Zona Sul não tinha uma centralidade tão forte em Porto Alegre, e o
BarraShoppingSul atraiu essa centralidade. Tanto que hoje ele congrega linhas
de ônibus, por exemplo, e se tornou um nó na estrutura urbana de início da Zona
Sul. E, a partir disso, nós vimos uma série de empreendimentos imobiliários no
entorno, além de um impacto nos empreendimentos comerciais locais, que foram
afetados pela presença do empreendimento.
Com a construção das novas torres de escritórios,
de torres residenciais, há uma tendência à elitização maior da área do
BarraShoppingSul, com outros projetos que estão à venda para aquela área de
Jockey, para a Orla do Guaíba. As pessoas diziam que o nome “BarraShoppingSul”
não iria funcionar, porque o gaúcho é muito bairrista e tem certa aversão a nomes
“estrangeiros”, mas funcionou e ninguém foi contra a construção do
empreendimento.
IHU On-Line – Como o senhor avalia a
obrigatoriedade dos Planos Diretores Municipais? Qual tem sido o impacto desses
planos na reestruturação do espaço urbano das cidades?
Paulo Soares – É importante as cidades terem seus Planos
Diretores, organizarem o seu espaço, projetarem o seu crescimento, quer dizer,
preverem uma série de situações. Agora, a obrigatoriedade dos Planos Diretores
gerou alguns problemas, porque nem todo munícipio tem capacidade para
realizá-los, e isso gerou uma certa “fábrica de Planos Diretores”, porque
planos passaram a ser feitos por empresas, em série, sem a realização de
estudos necessários para realmente gerar um Plano Diretor adequado à realidade
de determinados municípios.
Então, a obrigatoriedade é boa, mas os municípios
não estão aparelhados, não têm corpo técnico para desenvolver os planos. Muitos
municípios recorrem à universidade, mas também a universidade não tem como dar
conta de toda essa tarefa, afinal só no Rio Grande do Sul são quase 400
munícipios, e no Brasil são 6 mil municípios, ou seja, é uma quantidade muito
grande para ser atendida. O Ministério das Cidades até tentou campanhas e
capacitações para que os municípios realizassem seus planos, mas o que podemos
ver é que muitos deles ficaram pouco contextualizados com a realidade municipal
e não tiveram capacidade de dar conta dos problemas locais.
IHU On-Line – Considerando o aumento significativo
de carros nas grandes metrópoles brasileiras, que alternativas podem ser
implementadas para resolver os problemas de tráfego?
Paulo Soares – Não sou especialista nessa área, mas a alternativa
seria investimento em transporte público. Investir em diferentes modais,
metrôs, transporte coletivo, BRTs, seria uma alternativa. Nós atingimos uma
média de automóveis por habitante que não é muito diferente e ainda está abaixo
de muitos países desenvolvidos; está abaixo do Japão, da França, da Espanha e
dos Estados Unidos.
Mas o que acontece é que esses países —
especialmente os europeus — têm uma estrutura de transporte coletivo que
funciona. As pessoas têm carro, mas grande parte utiliza muito mais o carro
para lazer, para fazer compras, para coisas mais particulares, e não para o
deslocamento cotidiano.
No Brasil há uma média de automóveis por habitante
elevada, mas não temos a correspondente estrutura de transporte público para
permitir que as pessoas deixem seu carro em casa e utilizem outro tipo de
transporte. O que falta para nós é essa estrutura organizada de transporte
público, transporte coletivo, que permita o deslocamento das pessoas sem a
necessidade do carro.
IHU On-Line – A questão da mobilidade não é pensada
juntamente com a reestruturação das cidades, porque, na medida em que as cidades
vão se expandindo, as pessoas precisariam de um novo modelo de mobilidade?
Paulo Soares - Exatamente. Hoje tem uma expansão da cidade de
Porto Alegre para o extremo sul, com muitos empreendimentos de classe média,
classe média alta, no caso de condomínios fechados, especialmente, e tem uma
expansão também para o bairro Restinga, com uma série de empreendimentos de
habitação popular. Essas pessoas vão ter necessidade de transporte coletivo,
mas essa demanda não está sendo programada. Estão criando os empreendimentos,
mas não se sabe como será resolvida a necessidade de transporte dessas pessoas.
Então, a questão da mobilidade deveria ser colocada inclusive na pauta dos
empreendimentos, ou seja, como esse número de pessoas que viverão nesses
bairros vão se deslocar? Isso é algo importantíssimo de ser planejado.
IHU On-Line – O senhor percebe que essa
reestruturação e expansão das cidades pode de alguma maneira segmentar as
cidades ou as áreas metropolitanas no sentido de que cada parte da população
viva só no seu bairro, sem conhecer a totalidade da cidade ou sem interagir com
o restante da cidade?
Paulo Soares – Isso não é impossível, mas nós não temos, por
exemplo, postos de trabalho tão disponíveis assim por toda região
metropolitana. Os locais de trabalho ainda estão relativamente concentrados e
os serviços também, então a população ainda tem de se deslocar para as áreas
onde se concentram o comércio, os serviços e os empregos. Nesse sentido ainda
vai haver o deslocamento. É claro que boa parte das pessoas fica com esse
conhecimento parcial, quer dizer, de conhecer setores da cidade pelos quais
elas se deslocam. Em Porto Alegre isso já acontece: parte da população vive e
conhece a Zona Norte e parte vive e conhece a Zona Sul. Essas pessoas têm seus
deslocamentos organizados entre essas regiões e não têm muito contato com a
região metropolitana.
IHU On-Line – Considerando a geografia das
metrópoles brasileiras, que modelos de reestruturação do espaço urbano são
possíveis de serem projetados e postos em prática?
Paulo Soares – Uma ideia de um modelo mais descentralizado em
termos de empregos e de serviços seria algo interessante. Outra ideia seria
projetar grandes empreendimentos imobiliários que não fossem tão homogêneos
socialmente, permitissem uma mistura maior da população, que diferentes classes
sociais pudessem estar convivendo. O terceiro fator é a questão de
acessibilidade e mobilidade, porque, independentemente de a cidade crescer e de
as pessoas terem seus lugares de moradia, seus lugares de trabalho, de serviços
e de não conviverem na cidade como um todo, é claro que existem espaços na
cidade que têm um significado simbólico para todo mundo, como o Centro
Histórico, os espaços públicos, a Orla, os principais parques. Então, haveria
necessidade de as pessoas terem acesso a esses lugares que têm um significado
importante para todos, não serem excluídas de participar dessa vida urbana que
se dá nessas áreas histórica e culturalmente mais importantes da cidade.
IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?
Paulo Soares – Uma coisa importante para a região metropolitana e
que é algo que estamos analisando nesse momento é a importância que alguns
municípios estão tendo — como, por exemplo, Canoas, Novo Hamburgo, São Leopoldo
e certa parte de Gravataí. Esses municípios estão tendo centralidade
importante, tendo shoppings centers, estão virando centros de serviços e também
podem ou poderão, no futuro, concorrer com Porto Alegre no sentido de oferecer
serviços para a população metropolitana. Isso também vai gerar mudanças muito
grandes em termos de mobilidade, pois o sistema viário hoje é muito
centralizado em Porto Alegre e de repente vão ter de pensar em uma estrutura
urbana mais descentralizada, mais policêntrica para a região metropolitana como
um todo e não somente para a cidade de Porto Alegre.
Fonte: IHU On-Line
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