As implicações para a saúde dos conflitos territoriais no campo, florestas e cidades.
O tema foi debatido durante o 2º Simpósio Brasileiro de Saúde e Ambiente, em Belo Horizonte, reunindo pesquisadores e movimentos sociais
Não é uma falácia quando se afirma que os
conflitos ambientais e sociais no campo, nas florestas e cidades provocam
impactos na vida das populações. Como afirmou Cristiane Faustino, da RBJA, de
Fortaleza (CE), os projetos econômicos demandam da terra, dos territórios, da
água, dos recursos da natureza, e esse movimento do que chamam de
“desenvolvimento” acaba criando um consenso social sobre essa necessidade. Entretanto,
os governantes por trás desses projetos econômicos, como ressalta Cristiane,
“esquecem que esses territórios não estão vazios, têm populações (urbanas,
rurais, florestais) que possuem uma relação indissociável com esses ambientes”.
Essa não foi uma fala isolada. A mesa “Conflitos
territoriais no campo, florestas e cidades: implicações para a saúde”, durante
o 2º Simpósio Brasileiro de Saúde e Ambiente da Abrasco, em Belo Horizonte,
reuniu além de Cristiane Faustino, Guilherme Delgado (CBJP) e Roberto Passos
Nogueira (IPEA) sob a moderação de Kátia Souto, da DAGEP/SGEP/Ministério da
Saúde, para debater o tema com os participantes do evento. Guilherme Delgado
afirmou que se queremos igualdade, devemos controlar a mercadorização do
trabalho e dos territórios. “Estamos falando sobre a violência institucional,
seja ela governamental, empresarial, sobre as pessoas e o ambiente”, explicou.
Roberto Passos trouxe o conceito de habitação e as relações históricas que
fizeram com que ela perdesse, pelo menos na prática, a designação do ato de
viver num lugar natural onde o homem tem sua morada, o campo que cultiva, as
florestas, os rios, as montanhas. “O trabalho não se separa do viver neste modo
natural de posse da terra”, enfatizou Passos.
Roberto Passos apresentou um comparativo dos
pensamentos de Karl Polanyi e Karl Marx, mesmo estando separados de história
capitalista, para defender que para o homem escapar dos novos “moinhos
satânicos” do mercado, o Estado e as instituições democráticas têm que
construir sistemas de proteção e de preservação da vida humana e da natureza
que contrariem a disposição de realizar o desenvolvimento a qualquer custo.
“Marx sabia tudo sobre o desenraizamento do homem de suas condições naturais de
produção, mas compreendia que esse processo era historicamente necessário para
estabelecer o homem como ‘soberano da natureza’, rumo à sociedade comunista.
Mas um século depois, Polanyi, um socialista, vendo a experiência do socialismo
real podia ser cético quanto ao projeto histórico de Marx e afirmava que
qualquer economia precisa estar enraizada nos valores e práticas da sociedade”,
disse.
Passos afirmou que a precariedade dos sistemas de
desenvolvimento no Brasil é hoje bem visível pelas enormes dificuldades de dar
efetivas garantias de preservação dos modos de habitar tradicionais dos
indígenas e dos quilombolas. “Emancipar-se hoje é liberar-se da compulsão com o
aumento incessante da produtividade e da inovação. Emancipação tem hoje ‘outras
palavras’: conservar, preservar, reservar. O que? O homem e a natureza em sua
relação recíproca na habitação de um dado território e em torno daquilo que é
‘comum’, como mero valor de uso e não como mercadoria”, pontuou.
“Há interesses diferentes. O governo tem
interesse diferente das populações, das empresas, dos animais, como eles também
têm interesses diferentes do governo. É onde nasce o conflito. Quem define
esses territórios? Quem define políticas públicas? Minorias, consideradas de
segunda categoria, não são dotadas de autonomia social, não podem definir seus
territórios, suas políticas públicas, onde querem viver e morrer. Nesse
sentido, entendemos que o controle sobre os territórios e sobre as populações é
mais do que controle econômico. Conflitos territoriais e sociais estão ligados
à força patriarcal, que domina as minorias”, enfatizou Cristiane Faustino.
Nenhum comentário:
Postar um comentário