Estudo investiga atraso da
estação chuvosa na Amazônia.
por
Redação da Agência Fapesp
Observações sugerem que a transição do período de
seca para o de chuva no sul da Amazônia está ocorrendo cerca de um mês mais
tarde do que nos anos 1970. Foto: Neil Palmer/CIAT.
Agência FAPESP – A transição da estação seca para a
estação chuvosa no sul da Amazônia costuma ocorrer entre os meses de setembro e
outubro. Atrasos nesse processo causam fortes impactos na agricultura local, na
geração de energia e no funcionamento dos grandes rios da região, dos quais a
população depende até mesmo para se locomover.
As fortes secas que afetaram a Amazônia nos anos de
2005 e 2010, bem como as enchentes de 2009 e 2014, indicam uma crescente
variabilidade no início do período das chuvas que os modelos de previsão do
clima ainda não são capazes de detectar com sensibilidade.
Compreender melhor os fatores que influenciam essa
transição e, dessa forma, aperfeiçoar os modelos matemáticos existentes é o
objetivo de um projeto apoiado pela FAPESP e coordenado pelo pesquisador José
Antônio Marengo Orsini, do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de
Desastres Naturais (Cemaden), em parceria com a cientista Rong Fu, da
University of Texas, nos Estados Unidos.
“Observamos um aumento de quase um mês na duração
do período de seca, quando comparado aos dados dos anos 1970. Os modelos
matemáticos existentes indicam que esse atraso no início das chuvas tende a
aumentar. Queremos investigar se há influência da pluma de poluição da região
metropolitana de Manaus nesse processo”, contou Marengo.
A pesquisa está sendo realizada no âmbito da
campanha científica Green Ocean Amazon (GOAmazon), que reúne pesquisadores de
diversas universidades e institutos brasileiros e norte-americanos e conta com
financiamento do Departamento de Energia dos Estados Unidos (DoE, na sigla em
inglês), da FAPESP e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas
(Fapeam), entre outros parceiros.
Resultados preliminares foram apresentados na
terça-feira (28/10), em Washington (Estados Unidos), durante o simpósio
FAPESP-U.S. Collaborative Research on the Amazon.
“Evidências da literatura sugerem que a transição
do período de seca para o de chuvas é influenciada por fatores externos, como
anomalias na temperatura da superfície do oceano, transporte de umidade, entre
outros. Mas o gatilho para essa transição está sem dúvida dentro da floresta”,
disse Fu.
Os pesquisadores estão trabalhando com dois
diferentes modelos, um americano, chamado Community Earth System Model (Cesm),
e o Modelo Brasileiro do Sistema Terrestre (Besm, na sigla em inglês). Mas,
segundo Marengo, eles ainda não são capazes de representar com precisão os
impactos da extensão da seca no sul da Amazônia.
Existem parâmetros que precisam ser melhorados,
como a inclusão de aerossóis e a representação das nuvens baixas. A ideia é
usar toda a gama de dados gerada pelos diversos experimentos do GOAmazon para
alimentar esses modelos e aperfeiçoá-los”, contou Marengo.
De acordo com o pesquisador, a região sul da
Amazônia é a que sofre mais com o atraso do início das chuvas, pois no norte
não há um período de seca definido. Além do impacto sobre as populações, os
cientistas temem que o prolongamento do período de seca possa causar danos
permanentes à floresta.
“O ser humano se adapta, mas a floresta pode
começar a secar e ficar mais vulnerável a queimadas. Quando começar a chover
pode ser tarde demais. Somente com o aperfeiçoamento dos modelos poderemos ter
mais certeza sobre os possíveis impactos”, disse Marengo.
Modelando nuvens
Outro projeto realizado no âmbito
do GOAmazon que tem como objetivo o aperfeiçoamento de modelos de previsão
climática foi apresentado no simpósio em Washington por Tercio Ambrizzi, do
Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP e por
seu colega Carlos Roberto Mechoso, da University of California em Los Angeles
(Ucla).
“Nosso objetivo é investigar como os aerossóis produzidos
pela região de Manaus influenciam o processo de formação de nuvens na Amazônia.
Nós comparamos as simulações que os diversos modelos são capazes de fazer com
dados reais que estão sendo produzidos nos diversos sítios de pesquisa do
GOAmazon”, disse Ambrizzi.
Depois de aperfeiçoados, esses modelos poderão ser
incorporados em programas que desenham cenários de mudança climática,
aumentando o grau de confiabilidade das projeções, afirmou o pesquisador.
Ao todo, o grupo trabalha com cinco diferentes modelos
matemáticos, entre eles um de previsão do clima global, um de previsão regional
e um voltado especificamente à formação de nuvens. Há ainda um programa capaz
de mapear a trajetória das nuvens, desde o desenvolvimento inicial, a maturação
e o decaimento, na forma de chuva, com auxílio de imagens de satélite.
Por meio do chamado modelo lagrangiano de difusão
de partículas, o grupo de Ambrizzi investiga detalhadamente de onde vem a
umidade existente na região da Amazônia e para onde ela se dirige. Os primeiros
resultados foram divulgados em artigo publicado na revista
Hydrology and Earth System Sciences.
Sítios de pesquisa
Desde o início de 2014, uma gama enorme de dados
sobre composição química de aerossóis e gases atmosféricos, microfísica de
nuvens e parâmetros meteorológicos está sendo coletada nos diversos sítios de
pesquisa instalados na região amazônica para o projeto GOAmazon.
O chamado sítio T3, localizado em Manacapuru, a 100
km de Manaus, é onde está instalada a estrutura do Atmospheric Radiation
Measurement (ARM) Facility – um conjunto móvel de equipamentos terrestres e
aéreos desenvolvido para estudos climáticos e pertencente ao DoE. O local
recebe a pluma de Manaus após percorrer um longo caminho e sofrer interações
com partículas emitidas pela floresta e com a radiação solar.
O T2 está situado no município de Iranduba, situado
na margem do Rio Negro oposta à cidade de Manaus, e recebe a pluma de poluição
assim que ela é emitida. Lá foi instalado com apoio da FAPESP um contêiner com
equipamentos semelhantes aos existentes em Manacapuru.
A infraestrutura para coleta de dados do GOAmazon
conta ainda com duas torres instaladas dentro da cidade de Manaus, na sede do
Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), batizada de sítio T1, e um
conjunto de torres ao norte de Manaus – conhecido como T0 –, que inclui a Torre
Alta de Observação da Amazônia (Atto), com 320 metros de altura. O T0 está
situado no lado oposto ao percorrido pela pluma e representa, portanto, as
condições da atmosfera amazônica sem a influência da poluição.
“Estamos analisando os dados das estações antes da
pluma de Manaus e depois da pluma de Manaus. A primeira constatação é que, sem
conhecer a situação da química atmosférica antes da pluma, no T0, fica quase
impossível interpretar os dados coletados no T3, onde está a infraestrutura do
ARM”, ressaltou Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física (IF) da USP e
idealizador do projeto GOAmazon ao lado de Scot Martin, da Harvard University,
nos Estados Unidos.
A comparação entre os dados coletados nos diversos
sítios, afirmou Artaxo, revela haver forte influência da pluma de Manaus na
composição química dos aerossóis e dos gases traço observados em Manacapuru.
“Qual é o impacto e suas consequências ainda vamos
analisar. Já vimos, em relação ao ozônio, que há um aumento de até quatro vezes
na concentração quando se comparam o T0 e o T3. Passa de 10 partes por milhão
(ppm) para 40 ppm após a pluma, chegando a níveis que podem ser danosos às
plantas. Vimos também forte efeito no balanço de radiação atmosférica,
alterando a quantidade de radiação disponível para as plantas realizarem
fotossíntese”, disse.
Nenhum comentário:
Postar um comentário