O sócio-ambientalismo e o ‘velho
ambientalismo dos anos 60 e 70′, artigo de Bruno Versiani.
O discurso do desenvolvimento sustentável,
definitivamente sedimentado e alardeado com o Relatório da Comissão Brundtland
em 1987, parece ter colocado uma “pá de cal” no “velho” ambientalismo dos anos
60-70, que foi tido como reducionista, “malthusiano” (preocupado com a
superpopulação), preocupado com o crescimento econômico industrial e com o
excesso de poluição e suas consequências nos chamados “países do Norte”. Como
contraproposta, e dados os (legítimos) clamores das nações em desenvolvimento
para as questões sociais, o discurso do desenvolvimento sustentável, ou
sócio-ambientalismo (apesar das leves diferenças conceituais entre ambos),
erigiu uma retórica universal, abrangente, em que atacava o capitalismo e seus
alicerces, se propondo a abarcar questões sociais, falando em um novo modelo baseado
no “desenvolvimento sincrônico para as gerações atuais, sem comprometer
diacronicamente as futuras gerações”.
Se houve algo que o discurso socioambiental gerou
foi um quase consenso, sendo que a população finalmente viu suas aspirações por
justiça social e um planeta melhor unidas em torno um novo paradigma único.
Outros resultados dignos de nota foram centenas ou milhares de encontros,
acordos e conferências, dezenas ou centenas de milhares de estudos e
planejamentos teóricos e muita, muita retórica e dinheiro gasto.
Passados quase trinta anos do citado Relatório
Brundtland, o que temos de fato: um planeta exaurido pelo sobre-uso dos
recursos naturais, uma população que se aproximará perigosamente da casa dos
dez bilhões, um ecocídio de proporções cataclísmicas, a perda de milhões de
quilômetros quadrados de florestas virgens e demais ecossistemas naturais, só
para citar os mais propalados e gritantes.
Abandonando a retórica e indo diretamente aos
fatos: no quesito biodiversidade e controle de poluição (duas das principais
temáticas ambientais) o que realmente foi realizado de execução efetiva: a
criação de unidades de conservação a nível mundial (ao que pese as suas
inúmeras deficiências); mecanismos de controle de poluição da água e do ar mais
ou menos rígidos, de acordo com o país e o contexto político. Citamos apenas
dois exemplos mais evidentes, lembrando que são herdeiros do “moribundo
ambientalismo das décadas 60 e 70”, quando as massas invadiram as ruas da
América do Norte e Europa clamando por um mundo mais limpo.
Em relação ao sócio-ambientalismo (além da
retórica, estudos e conferências) o resultado foi um consensual porém perigoso
amálgama das questões sociais e ambientais. Perigoso não pelo fato de que ambas
não estão relacionadas (é consenso que estão), mas pelo fato de ter gerado uma
verdadeira paralisia executiva. O discurso socioambiental, por sem amplo e
abrangente demais, não conseguiu delimitar os problemas, e muito menos as
soluções .Sob um ponto de vista de metodologia científica, que pode também ser
aplicada nas ciências sociais, um dos primeiros passos necessários na resolução
de um problema é justamente sua delimitação, e nisso o discurso socioambiental
falhou e continua a falhar. Ao mesmo tempo em que ficou paralisado pela falta
de delimitação e por misturar dezenas ou centenas de aspectos, não foi forte o
necessário ou suficiente para derrotar o sistema capital-industrial e suas
máximas e premissas micro e macroeconômicas. Talvez esse só seja derrotado se
realmente houver um colapso generalizado da civilização humana – o que é
improvável. Na falta de colapso, vamos assistindo a uma “sangria” progressiva e
rápida do planeta e dos ecossistemas, com a consciência lavada pelo discurso
socioambiental, que, insisto, assim como a paz e o amor, é um consenso quase
universal.
Além de inócuo e inefável (talvez o único ganho
real seja um aumento da conscientização sobretudo nos chamados países em
desenvolvimento, mas até isso tem seu perigo, pois condiciona as pessoas a
aceitar o discurso sem questioná-lo muito) o discurso socioambiental é uma
benesse para políticos de quase todo o espectro ideológico. Uma benesse, pois
os livra de delimitar e atacar os problemas de maneira frontal e honesta, sendo
que para isso muitas vezes são necessárias medidas impopulares e coercitivas a
curto prazo, ou que contrariam interesses de setores corporativistas poderosos
(como o agronegócio no Brasil), sendo que muitas vezes até esses setores ficam
repetindo versões distorcidas, segundo seus interesses, do genérico discurso do
desenvolvimento sustentável. Sendo assim, os políticos e a sociedade se
esquecem das velhas medidas de comando e controle herdadas do “velho
ambientalismo dos anos 60 e 70”.
Edulcorados e anestesiados pelo discurso
socioambiental, assistimos à degradação do nosso planeta.
Bruno Versiani dos Anjos – Analista Ambiental
do IBAMA. Mestre em Ecologia pela Universidade de Brasília.
Fonte: EcoDebate
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