sexta-feira, 24 de outubro de 2014

O sócio-ambientalismo e o ‘velho ambientalismo dos anos 60 e 70′, artigo de Bruno Versiani.
O discurso do desenvolvimento sustentável, definitivamente sedimentado e alardeado com o Relatório da Comissão Brundtland em 1987, parece ter colocado uma “pá de cal” no “velho” ambientalismo dos anos 60-70, que foi tido como reducionista, “malthusiano” (preocupado com a superpopulação), preocupado com o crescimento econômico industrial e com o excesso de poluição e suas consequências nos chamados “países do Norte”. Como contraproposta, e dados os (legítimos) clamores das nações em desenvolvimento para as questões sociais, o discurso do desenvolvimento sustentável, ou sócio-ambientalismo (apesar das leves diferenças conceituais entre ambos), erigiu uma retórica universal, abrangente, em que atacava o capitalismo e seus alicerces, se propondo a abarcar questões sociais, falando em um novo modelo baseado no “desenvolvimento sincrônico para as gerações atuais, sem comprometer diacronicamente as futuras gerações”.

Se houve algo que o discurso socioambiental gerou foi um quase consenso, sendo que a população finalmente viu suas aspirações por justiça social e um planeta melhor unidas em torno um novo paradigma único. Outros resultados dignos de nota foram centenas ou milhares de encontros, acordos e conferências, dezenas ou centenas de milhares de estudos e planejamentos teóricos e muita, muita retórica e dinheiro gasto.

Passados quase trinta anos do citado Relatório Brundtland, o que temos de fato: um planeta exaurido pelo sobre-uso dos recursos naturais, uma população que se aproximará perigosamente da casa dos dez bilhões, um ecocídio de proporções cataclísmicas, a perda de milhões de quilômetros quadrados de florestas virgens e demais ecossistemas naturais, só para citar os mais propalados e gritantes.

Abandonando a retórica e indo diretamente aos fatos: no quesito biodiversidade e controle de poluição (duas das principais temáticas ambientais) o que realmente foi realizado de execução efetiva: a criação de unidades de conservação a nível mundial (ao que pese as suas inúmeras deficiências); mecanismos de controle de poluição da água e do ar mais ou menos rígidos, de acordo com o país e o contexto político. Citamos apenas dois exemplos mais evidentes, lembrando que são herdeiros do “moribundo ambientalismo das décadas 60 e 70”, quando as massas invadiram as ruas da América do Norte e Europa clamando por um mundo mais limpo.

Em relação ao sócio-ambientalismo (além da retórica, estudos e conferências) o resultado foi um consensual porém perigoso amálgama das questões sociais e ambientais. Perigoso não pelo fato de que ambas não estão relacionadas (é consenso que estão), mas pelo fato de ter gerado uma verdadeira paralisia executiva. O discurso socioambiental, por sem amplo e abrangente demais, não conseguiu delimitar os problemas, e muito menos as soluções .Sob um ponto de vista de metodologia científica, que pode também ser aplicada nas ciências sociais, um dos primeiros passos necessários na resolução de um problema é justamente sua delimitação, e nisso o discurso socioambiental falhou e continua a falhar. Ao mesmo tempo em que ficou paralisado pela falta de delimitação e por misturar dezenas ou centenas de aspectos, não foi forte o necessário ou suficiente para derrotar o sistema capital-industrial e suas máximas e premissas micro e macroeconômicas. Talvez esse só seja derrotado se realmente houver um colapso generalizado da civilização humana – o que é improvável. Na falta de colapso, vamos assistindo a uma “sangria” progressiva e rápida do planeta e dos ecossistemas, com a consciência lavada pelo discurso socioambiental, que, insisto, assim como a paz e o amor, é um consenso quase universal.

Além de inócuo e inefável (talvez o único ganho real seja um aumento da conscientização sobretudo nos chamados países em desenvolvimento, mas até isso tem seu perigo, pois condiciona as pessoas a aceitar o discurso sem questioná-lo muito) o discurso socioambiental é uma benesse para políticos de quase todo o espectro ideológico. Uma benesse, pois os livra de delimitar e atacar os problemas de maneira frontal e honesta, sendo que para isso muitas vezes são necessárias medidas impopulares e coercitivas a curto prazo, ou que contrariam interesses de setores corporativistas poderosos (como o agronegócio no Brasil), sendo que muitas vezes até esses setores ficam repetindo versões distorcidas, segundo seus interesses, do genérico discurso do desenvolvimento sustentável. Sendo assim, os políticos e a sociedade se esquecem das velhas medidas de comando e controle herdadas do “velho ambientalismo dos anos 60 e 70”.

Edulcorados e anestesiados pelo discurso socioambiental, assistimos à degradação do nosso planeta.

Bruno Versiani dos Anjos – Analista Ambiental do IBAMA. Mestre em Ecologia pela Universidade de Brasília.


Fonte: EcoDebate

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