Ninguém
nos representa.
Não há um problema específico com o
formato do debate da sexta-feira na Globo – exceto talvez os tempos muito
limitados. Mas, no caso, tempo não fez falta, porque raramente alguém tinha
algo importante a dizer. O buraco é mais embaixo.
O que não havia era candidatos. Dilma é uma
fantasia do Lula. Foi pinçada meio que do nada para realizar uma sacada do
ex-presidente, de que era “a vez de ter uma mulher no cargo”, tese que em si
não está nada errada. Mas, para fazer sentido, seria necessário ter uma mulher
com uma trajetória social e política de verdade – com sua história nos
movimentos populares, Marina seria um exemplo disso (e ela também foi ministra
de Lula).
Já Aécio é uma fantasia de outro tipo: a do
“herdeiro político” consanguíneo. Ao contrário de Dilma, Aécio tem uma
trajetória pública compreensível – o que não quer dizer recomendável. Mas pelo
menos sabe-se o que ele representa politicamente. Aécio traz em si essa marca
do que o elitismo nacional tem de pior, a mediocridade do compadrio e do
nepotismo patriarcais. Aécio, no fundo, não passa de uma fantasia de Tancredo
Neves.
No debate global, o mediador também não existia,
no sentido de que não é um jornalista importante enquanto jornalista. É um
jornalista-galã, uma bobagem que vem da empáfia estética da Globo “padrão de
qualidade” nos anos 70, e que desembocou confortavelmente no
jornalismo-celebridade dos dias atuais.
O Brasil está num momento estranho. Saiu de
alguma coisa (essa coisa elitista branca e patriarcal que Aécio
simboliza-sinaliza bem), mas ainda não chegou a lugar nenhum. A oratória
incompreensível de Dilma, que é uma mescla de clichês, impaciência e confusão,
não tem muito significado em si mesma.
Durante o debate, chegou a ser ofensivo o momento
em que Dilma sugeriu a uma eleitora indecisa, uma economista de 54 anos
desempregada, que fosse fazer um curso profissionalizante. O bizarro é que a
mulher, com quem Dilma não teve a menor empatia, não era dissemelhante à
própria Dilma. Que uma vez, em 1995, faliu uma loja de R$ 1,99. A resposta de
verdade seria “mais sorte na sua próxima vida”.
O que os petistas chamam por jargões como
“coração valente” e “onda vermelha” não tem uma substância real. O curso à
esquerda esboçado no segundo turno não corresponde às crenças reais de Dilma –
Dilma só acredita, e num nível bem medíocre, na economia de consumo. “Coração
valente” teria se não escondesse sua posição (se é que ainda a tem) sobre o
aborto.
Um instante antes das manifestações de
2013 o melhor que o governo Dilma tinha conseguido pensar como programa de
inclusão era uma campanha com a Regina Casé, falando de “comprar
eletrodomésticos para equipar as casas próprias do programa Minha Casa Minha
Vida”.
Há um problema aí. Principalmente depois do seu
caso de câncer, Lula se afastou da rotina de Dilma. Deixou de transmitir sua
visão, matreira mas ainda assim bem mais próxima da realidade, de como se
relacionar com movimentos sociais, sindicatos, e outras representações da
sociedade civil.
A ruptura com o elitismo e a horizontalidade do
governo Lula não só não prosperaram no governo Dilma, como ganharam essa
leitura medíocre (da parte de Dilma) e vazia e “estilizada” (da parte do
marqueteiro João Santana). Sobrou, claro, o vício “sindical” petista em
aparelhar o estado. Mas a animação moralista de final de campanha não vai abrir
um “portal mágico” (como alguém escreveu no facebook) que traga o velho PT de
volta. A fantasia social de Lula deu uma degenerada.
Lula sabe disso. As conversas sobre a
participação de Lula no segundo turno da campanha foram bastante
complicadas. Certamente Lula, Dilma e João Santana deram uma adiada na
resolução dos conflitos para embarcar o ex-presidente na falácia do portal
mágico e do “coração valente”.
A situação política atual é canhestra, bisonha. A
potência mostrada nas manifestações de junho de 2013 pertence a outro canal de
percepção – simplesmente não há hoje como expressar essa potência, viva, num
tipo de joguete publicitário em que as eleições se transformaram. Saudades de
um bom bate-boca com o Brizola, ou com o próprio Lula.
A sensação “épica” do embate entre Aécio e Dilma
é uma fraude. O que há são dois candidatos-atores (canastrões) apelativos e
moralistas, um contra a “corrupção” (quando ele mesmo vem do coração das
estruturas corruptas, coisa que o eleitorado detecta) e o outro contra o
“elitismo” playboy, mas sem nada de verdade a alegar.
Eu, falando por mim, já dei um voto de confiança
a Dilma há quatro anos – e esse voto de confiança foi totalmente frustrado. Não
tenho a menor razão para acreditar que, apesar das falas recentes, ela
represente de alguma maneira as preocupações com as nações indígenas (nosso
mais importante patrimônio psíquico), o meio ambiente, as mulheres, os negros,
a cultura, os ativistas pró-maconha, os gays.
Dilma já demonstrou que não compreende nada
disso, e não vai compreender. Teve a faca e o queijo na mão e não soube o que
fazer com eles. Há gente desses movimentos que quer fazer essa disputa num
próximo governo do PT. Eu acho mais prudente devolver o PT para a oposição,
para ver o que sobra.
Assistir a um debate do vazio, entre uma fantasia
de Lula e uma fantasia de Tancredo Neves, mediada por uma fantasia da Globo, só
me reforça essa certeza de que nada nem ninguém ali me representa.
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Fonte: YAHOO! NOTÍCIAS
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