Abundância material não produz
bem estar.
por
Marcus Eduardo de Oliveira*
A abundância material das sociedades contemporâneas
nem de longe produz o bem-estar que dela se poderia esperar. É também por isso
que há uma ideia convincente, defendida pelas mais elevadas vozes da Economia
Ecológica, em torno de que países que chegaram a certo nível de prosperidade e
bem-estar devem renunciar de maneira explícita as políticas de crescimento.
A ideia de crescimento incessante da produção e do
consumo choca-se contra os limites que os ecossistemas impõem à expansão do
aparato produtivo, assevera Ricardo Abramavoy, em “Muito Além da Economia
Verde”. Portanto, querer assegurar melhoria da qualidade de vida aos mais
necessitados, a partir da expansão material, consubstanciada em elevadas taxas
de crescimento da economia, é incorrer em grave erro.
É oportuno destacar, nesse pormenor, que o
crescimento econômico não é uma fórmula universal para se chegar ao bem-estar.
O crescimento deve, assim, ser visto como um meio, não como uma finalidade.
Isso é facilmente identificado como um dos erros mais comuns cometidos ainda
hoje pela miopia da política econômica do crescimento que, a qualquer custo,
deseja associar, em especial, a elevação da renda à obtenção automática daquilo
que se convenciona chamar de “bem-estar”.
Não raro, pensam alguns que, basta promover a
elevação da renda per capita, para que o bem-estar então seja rapidamente
alcançado, e, com isso, se atinja a tal almejada felicidade. É a conquista do
“paraíso”, por esse prisma, sendo facilitada para quem tem mais condições
financeiras e mais possibilidades de consumo, abarcando uma quantidade maior de
bens materiais.
Que a elevação da renda é benéfica, disso pouca
gente deve duvidar; porém, esse “benefício” vai só até certo ponto; até o ponto
exato em que se consegue assegurar a conquista das necessidades básicas.
Passado esse ponto, crescer (economicamente) causa
sintomaticamente à sociedade mais “custos” (ecológicos) que “benefícios”
(socioeconômicos). Dizem os mais antigos, em associação a isso, que o molho acaba
saindo bem mais caro que o peixe.
Ora, toda vez em que há exagerado crescimento
econômico, pouco tempo depois cresce também, por consequência, a necessidade
por parte do poder público em “eliminar” (ou atenuar) os focos (na verdade, os
malefícios) causados por esse crescimento expansivo.
Talvez o excesso de trânsito, tão comum nas grandes
cidades mundiais (no mundo, hoje, circulam mais de um bilhão de veículos leves
e pesados, sem incluir as motocicletas) e os mais terríveis focos de poluição
(um milhão e meio de pessoas perdem suas vidas, todos os anos, ao redor do
mundo, em decorrência da poluição) sejam, de perto, os exemplos mais
ilustrativos e as faces mais dramáticas desse episódio.
Ademais, não há como negar uma evidência: mais
crescimento econômico significa mais dissabores sociais, gerando, na ponta
final, menos (e não mais) bem-estar. Dito de outra forma: mais economia
(produção e consumo) leva a menos meio ambiente (exaustão acentuada de recursos
naturais) ocasionando mais poluição (resíduo do processo produtivo, degradação
entrópica) que, por sua vez, resulta em menos vidas preservadas.
Em “Os Limites do Possível”, André Lara Resende
aponta que “mais renda nem sempre significa mais bem-estar”. Mais renda e mais
crescimento econômico “deságuam”, conjuntamente, numa situação incômoda de não
se conseguir, por exemplo, ajustar esse excesso de “mais mercadorias” num mundo
que vem dando claros sinais, por anos a fio, que está excessivamente entulhado
de todo e qualquer tipo de mercadorias.
Por isso Lara Resende vaticina com bastante
propriedade que “há um efeito deletério do crescimento econômico sobre a
qualidade de vida”.
Qualidade de vida, como o próprio termo sugere não
se refere à quantidade, mas, sim, a qualidade. Há uma diferença acintosa entre
quantidade e qualidade, assim como há diferenças conceituais entre crescimento
(quantidade) e desenvolvimento (qualidade). E, para obter qualidade, não é
preciso aumentar o rendimento mensal.
Logo, qualidade de vida (dito, desenvolvimento
econômico) não passa pela condição financeira e nem pela expansão da atividade
econômica (crescimento). É perfeitamente possível fazer com que uma economia se
desenvolva sem necessariamente passar pelo crescimento econômico. É
perfeitamente possível se chegar à qualidade de vida sem crescimento da
atividade econômica. É perfeitamente possível alcançar bem-estar sem se
empaturrar na abundância material.
* Marcus Eduardo de Oliveira é economista e
professor de economia da FAC-FITO e do UNIFIEO (São Paulo). Especialista em Política
Internacional pela (FESP) e mestre pela (USP).
Fonte: EcoD
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