quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Abundância material não produz bem estar.
por Marcus Eduardo de Oliveira*
A abundância material das sociedades contemporâneas nem de longe produz o bem-estar que dela se poderia esperar. É também por isso que há uma ideia convincente, defendida pelas mais elevadas vozes da Economia Ecológica, em torno de que países que chegaram a certo nível de prosperidade e bem-estar devem renunciar de maneira explícita as políticas de crescimento.

A ideia de crescimento incessante da produção e do consumo choca-se contra os limites que os ecossistemas impõem à expansão do aparato produtivo, assevera Ricardo Abramavoy, em “Muito Além da Economia Verde”. Portanto, querer assegurar melhoria da qualidade de vida aos mais necessitados, a partir da expansão material, consubstanciada em elevadas taxas de crescimento da economia, é incorrer em grave erro.

É oportuno destacar, nesse pormenor, que o crescimento econômico não é uma fórmula universal para se chegar ao bem-estar. O crescimento deve, assim, ser visto como um meio, não como uma finalidade. Isso é facilmente identificado como um dos erros mais comuns cometidos ainda hoje pela miopia da política econômica do crescimento que, a qualquer custo, deseja associar, em especial, a elevação da renda à obtenção automática daquilo que se convenciona chamar de “bem-estar”.

Não raro, pensam alguns que, basta promover a elevação da renda per capita, para que o bem-estar então seja rapidamente alcançado, e, com isso, se atinja a tal almejada felicidade. É a conquista do “paraíso”, por esse prisma, sendo facilitada para quem tem mais condições financeiras e mais possibilidades de consumo, abarcando uma quantidade maior de bens materiais.

Que a elevação da renda é benéfica, disso pouca gente deve duvidar; porém, esse “benefício” vai só até certo ponto; até o ponto exato em que se consegue assegurar a conquista das necessidades básicas.

Passado esse ponto, crescer (economicamente) causa sintomaticamente à sociedade mais “custos” (ecológicos) que “benefícios” (socioeconômicos). Dizem os mais antigos, em associação a isso, que o molho acaba saindo bem mais caro que o peixe.

Ora, toda vez em que há exagerado crescimento econômico, pouco tempo depois cresce também, por consequência, a necessidade por parte do poder público em “eliminar” (ou atenuar) os focos (na verdade, os malefícios) causados por esse crescimento expansivo.

Talvez o excesso de trânsito, tão comum nas grandes cidades mundiais (no mundo, hoje, circulam mais de um bilhão de veículos leves e pesados, sem incluir as motocicletas) e os mais terríveis focos de poluição (um milhão e meio de pessoas perdem suas vidas, todos os anos, ao redor do mundo, em decorrência da poluição) sejam, de perto, os exemplos mais ilustrativos e as faces mais dramáticas desse episódio.

Ademais, não há como negar uma evidência: mais crescimento econômico significa mais dissabores sociais, gerando, na ponta final, menos (e não mais) bem-estar. Dito de outra forma: mais economia (produção e consumo) leva a menos meio ambiente (exaustão acentuada de recursos naturais) ocasionando mais poluição (resíduo do processo produtivo, degradação entrópica) que, por sua vez, resulta em menos vidas preservadas.

Em “Os Limites do Possível”, André Lara Resende aponta que “mais renda nem sempre significa mais bem-estar”. Mais renda e mais crescimento econômico “deságuam”, conjuntamente, numa situação incômoda de não se conseguir, por exemplo, ajustar esse excesso de “mais mercadorias” num mundo que vem dando claros sinais, por anos a fio, que está excessivamente entulhado de todo e qualquer tipo de mercadorias.

Por isso Lara Resende vaticina com bastante propriedade que “há um efeito deletério do crescimento econômico sobre a qualidade de vida”.

Qualidade de vida, como o próprio termo sugere não se refere à quantidade, mas, sim, a qualidade. Há uma diferença acintosa entre quantidade e qualidade, assim como há diferenças conceituais entre crescimento (quantidade) e desenvolvimento (qualidade). E, para obter qualidade, não é preciso aumentar o rendimento mensal.

Logo, qualidade de vida (dito, desenvolvimento econômico) não passa pela condição financeira e nem pela expansão da atividade econômica (crescimento). É perfeitamente possível fazer com que uma economia se desenvolva sem necessariamente passar pelo crescimento econômico. É perfeitamente possível se chegar à qualidade de vida sem crescimento da atividade econômica. É perfeitamente possível alcançar bem-estar sem se empaturrar na abundância material.

* Marcus Eduardo de Oliveira é economista e professor de economia da FAC-FITO e do UNIFIEO (São Paulo). Especialista em Política Internacional pela (FESP) e mestre pela (USP).


Fonte: EcoD

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