Famintos de terra: os povos
indígenas e camponeses alimentam o mundo com menos de um quarto da terra
agrícola mundial.
Aqueles que fazem parte das organizações camponesas
e indígenas mundo afora e todos aqueles que mantêm alguma proximidade e
solidariedade com suas lutas sabem que a falta de terra e a expulsão do campo
são hoje processos extremamente graves. Entretanto, um número considerável de
especialistas não deixa de assegurar que a maior parte da terra continua nas
mãos dos camponeses e indígenas.
O GRAIN realizou uma profunda análise das informações existentes
para dar-se conta do que está acontecendo, e o resultado é muito claro: mais de
90% das e dos agricultores do mundo são camponeses e indígenas, mas controlam
menos de um quarto da terra agrícola mundial. E com essa pouca terra, as
informações disponíveis mostram que produzem a maior parte da alimentação da
humanidade. Se o campesinato e os povos indígenas continuarem a perder suas
terras, estaremos diante de processos de extermínio de povos e culturas, e o
mundo perderá sua capacidade de se alimentar. Precisamos urgentemente devolver
a terra às mãos dos povos do campo e lutar por processos de reforma agrária e
restituição territorial que viabilizem o direito a uma vida digna e o direito a
existir como povos de quase metade da humanidade e, simultaneamente, permitam
assegurar melhores sistemas alimentares.
A análise está publicada no sítio do GRAIN,
10-06-2014. A tradução é de André Langer.
Na abertura do Ano Internacional da Agricultura
Familiar, em 2014, José Graziano da Silva,
diretor geral da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a
Alimentação (FAO), derramou-se em elogios sobre a agricultura familiar e
assinalou que as famílias agricultoras trabalham atualmente a maior parte das
terras agrícolas mundiais (1) – a bagatela de 70%, segundo sua equipe. (2) Em
outro estudo publicado por várias agências das Nações Unidas em 2008
concluiu-se que os pequenos agricultores ocupavam 60% das terras aráveis do
mundo. (3) Outros estudos chegaram a conclusões parecidas. (4) Com tais cifras,
não é surpresa que os temas da reforma agrária ou da restituição
territorial sequer sejam mencionados.
O assassinato de um camponês no Baixo Aguán, Honduras.
(Foto: Manu Brabo / Assembleia de Cooperação pela Paz)
Se a maioria da terra de cultivo está em mãos
camponesas, por que existem tantas organizações camponesas e indígenas que
clamam por redistribuição de terras e reforma agrária? Porque apesar do que se
diz, camponeses e indígenas não têm nem remotamente a maior parte da terra e,
na realidade, em todos os lugares, o acesso à terra por parte dos povos rurais
está sob ataque. De Honduras até o Quênia e da Palestina
até as Filipinas, os povos foram desalojados das suas terras e
vilarejos.
Aqueles que resistem estão sendo presos ou assassinados. Lutas agrárias massivas na Colômbia, protestos de líderes comunitários em Madagascar, marchas nacionais de sem terra na Índia, ocupações na Andaluzia – a lista de ações é longa. Em resumo, a terra está se concentrando cada vez mais nas mãos dos ricos e poderosos e não na de camponeses e indígenas.
Aqueles que resistem estão sendo presos ou assassinados. Lutas agrárias massivas na Colômbia, protestos de líderes comunitários em Madagascar, marchas nacionais de sem terra na Índia, ocupações na Andaluzia – a lista de ações é longa. Em resumo, a terra está se concentrando cada vez mais nas mãos dos ricos e poderosos e não na de camponeses e indígenas.
Em relação à produção de alimentos, ouvimos
mensagens contraditórias. Nos últimos anos, cada vez mais centros acadêmicos e
organismos internacionais reconheceram que mais da metade dos alimentos vem da
pequena agricultura e, especialmente, da contribuição das mulheres. Mas,
chegado o momento de buscar uma solução para a fome, ouve-se apenas falar em apoiar
grandes concentrações de terras, a agricultura industrial e a monocultura
transgênica, etc. Tudo isto porque o sistema industrial seria “mais eficiente”.
Ao mesmo tempo, nos é dito que 80% das pessoas com
fome em nível mundial concentram-se em áreas rurais e muitas delas são
agricultores ou trabalhadores agrícolas sem terra.
Como encontrar sentido em tudo isto? O que é
verdade e o que não é? O que devemos fazer para enfrentar estes desequilíbrios?
Para ajudar a responder a algumas destas perguntas, o GRAIN decidiu
realizar um exame mais aprofundado destes fatos. (5) Examinamos país por país
as informações disponíveis sobre a quantidade de terra realmente nas mãos do
campesinato e dos povos indígenas e quantos alimentos produzem nessa terra. (6).
Os números, suas fontes e limitações e o que eles
nos dizem
Ao reunir os dados, sempre que foi possível usamos
as estatísticas oficiais e especialmente os censos agrícolas de cada país,
complementados com o FAOSTAT (base de dados da FAO) e outras
fontes da FAO quando foi necessário. Em relação ao número de pequenas
propriedades ou propriedades camponesas, em geral usamos a definição que cada
autoridade nacional utiliza, já que as condições destas propriedades em países
diferentes e diversas regiões podem variar muito. Para os países onde não
existiam definições próprias disponíveis, usamos o critério do Banco Mundial,
que define como pequena propriedade ou propriedade camponesa todo
estabelecimento rural menor de dois hectares.
Quando examinamos as informações, vimo-nos
confrontados com várias dificuldades. Os países definem os camponeses e
pequenos agricultores de diferentes formas. Não há estatísticas centralizadas
sobre quem têm qual quantidade de terra. Não há bases de dados que registrem a
quantidade de produção de acordo com sua origem. Além disso, fontes diferentes
oferecem números muito variados sobre a quantidade de terra agrícola disponível
em cada país.
Tendo isto em conta, as informações recolhidas têm
significativas limitações, mas são as melhores disponíveis. O conjunto de dados
que elaboramos está totalmente respaldado por referências que estão disponíveis
ao público on line e fazem parte integral deste relatório. (7) No Anexo
1 fazemos uma discussão mais completa sobre os dados.
Fonte: IHU On-line
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