Os sem água de São Paulo.
por
Roberto Malvezzi, Gogó*
A nordestina que assistia televisão começa a chorar
quando vê o sofrimento de uma mulher paulistana da periferia, com a pia cheia
de pratos, o vaso sanitário cheio de outras coisas, há dois dias sem tomar
banho e sem saber como lidar com essa penúria de água.
Essa história ouvi na cidade de Canudos nesse
sábado passado, aqui no sertão da Bahia, local simbólico da luta nordestina
pela terra e pela água. Quem me contou foi o Pe. Alberto, pároco da cidade,
durante a romaria de Canudos que acontece todos os anos.
Não queria estar na pele de Geraldo Alckmin quando
essa eleição passar. Quando os “sem água” saírem às ruas, como fizeram em
Cochabamba (Bolívia), em Rosário (Argentina) ou em tantas cidades nordestinas
em outras épocas, a classe política vai conhecer o que é a fúria popular
causada pela sede. Como se diz aqui pelo sertão “a fome e a sede tem cara de
herege”.
O sofrimento humano causado pela falta d’água se
generaliza em todo o país. Primeiro como resultado de um processo histórico de
degradação e maltrato para com nossos mananciais. Segundo pela incapacidade
total de nossas autoridades que tem poder de decisão de ver o que acontece e
tomar medidas preventivas contra o pior. Terceiro porque a questão eleitoral
não permite o debate sério que a cidade de São Paulo e outras regiões do país –
como o São Francisco – terão que tomar ao menos para sobreviver, causando até
piedade de uma senhora nordestina que sabe o que é passar uma vida labutando
por um pouco de água. Hoje, no sertão de Canudos, ela está muito melhor que a
paulistana.
O sofrimento humano deveria gerar solidariedade,
não preconceitos e raivas. Prefiro a sensibilidade da nordestina de Canudos que
todos os discursos feitos nessa eleição contra o Nordeste e seu povo. A voz das
redes sociais, então, mesmo vindo de médicos, advogados, políticos,
intelectuais, etc., espelha o que há de pior no ser humano. A lágrima da
nordestina o que há de melhor no Nordeste e no povo brasileiro.
Mas, Alckmin que se proteja. Basta um palito de
fósforo e essa água pega fogo.
* Roberto Malvezzi, Gogó, é da Equipe
CPP/CPT do São Francisco. Músico. Filósofo e Teólogo.
Fonte: Adital
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