Poder no Brasil se conquista em
zonas ricas e se afirma entre os pobres.
por Mario
Osava, da IPS
O candidato Aécio Neves, durante um debate com a
presidente Dilma Rousseff, no dia 16 deste mês. Foto: Marcos Fernandes/Fotos
Públicas.
Rio de Janeiro, Brasil, 20/10/2014 – Eleger-se com
os votos concentrados das áreas metropolitanas e industrializadas para depois
garantir o poder com o apoio disperso do interior pobre é o itinerário das
forças políticas no Brasil, em ciclos que poderão se renovar no segundo turno
das eleições presidenciais, no dia 26.
O Partido dos Trabalhadores (PT), que apresenta a
presidente Dilma Rousseff à reeleição, é o exemplo típico e recente desse
deslocamento das bases eleitorais. De origem operária na rica região
metropolitana de São Paulo, seu reduto forte atualmente é o Nordeste, a região
mais pobre do país.
Os pequenos municípios das áreas menos
desenvolvidas dependem totalmente do apoio financeiro do governo central e de
seus programas sociais, por isso seus eleitores tendem a apoiar quem está no
poder, explicou à IPS o professor Ricardo Ismael de Carvalho, da Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro. Essa dependência se agravou por causa
da maior centralização dos recursos tributários desde os anos 1990.
Especialistas atribuem 77% dos votos nordestinos
obtidos por Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011), em sua reeleição
presidencial de 2006, e os 70,58% alcançados por Dilma em sua vitória em 2011,
à maciça distribuição de subsídios criados pelos governos do PT desde que
chegou ao poder em 2003.
Em muitos municípios do Nordeste, mais da metade
das famílias se beneficiam do Programa Bolsa Família, que varia segundo o
número de filhos, e paga, em média, US$ 70 mensais. Em nível nacional, o
programa chega a quase 14 milhões de famílias e estima-se que tirou 36 milhões
de pessoas da extrema pobreza.
Além disso, a economia do Nordeste cresce a um
ritmo muito superior ao resto do país desde a década passada. Grandes projetos
industriais, portos, ferrovias e o avanço da agroindústria, especialmente da
soja, geram milhares de empregos em uma região antes conhecida como exportadora
de mão de obra não qualificada.
Esse processo também favorece o PT, porque começou
no governo de Lula, um filho do Nordeste, que, para escapar da seca e do
subdesenvolvimento local, migrou com a família na década de 1950, ainda
criança, e se converteu em metalúrgico e líder sindical na região industrial do
ABC, no Estado de São Paulo.
O PT, fundado em 1980 com um discurso de esquerda
radical, começou conquistando prefeituras de capitais importantes, como São
Paulo, Fortaleza e Porto Alegre, e depois se organizou nacionalmente, com seu
principal apoio nas grandes cidades e entre eleitores de maior escolaridade.
Lula venceu as eleições de 2002 com votos bem
distribuídos por todo o país, tanto que ganhou em 26 dos 27 Estados. Mas ainda
não contava com a avalanche de votos provenientes de sua política social, e sua
força ainda vinha dos grandes centros urbanos. Em sua reeleição de 2006, sua
vantagem se concentrou em 20 Estados, com esmagadora maioria no Nordeste e no
Norte do país, que soma 16 Estados e a maior quantidade de pobres beneficiados
pelo Bolsa Família.
Essa concentração se intensificou com Dilma em
2010, que venceu com maioria em 16 Estados e nos municípios com menos de 50 mil
habitantes, invertendo a geografia eleitoral do PT antes de chegar ao Palácio
do Planalto. Agora, no primeiro turno das eleições deste ano, a candidata
petista teve apenas 25,8% dos votos válidos no Estado de São Paulo, o mais rico
e povoado do país, com 22,7% do eleitorado nacional e cinco conglomerados
urbanos.
No dia 26 se definirá se continua ou acaba a era do
Partido dos Trabalhadores no Palácio do Planalto. Foto: Presidência do Brasil.
Nas regiões metropolitanas, menos dependentes do
poder central, com um eleitorado melhor informado e de interesses mais variados,
a votação “mais fragmentada” se divide entre os partidos, afirmou Carvalho,
cientista político voltado ao estudo de temas do federalismo. O isolamento do
PT nas grandes cidades se deve a uma “crise política”, ao se esgotar sua
coalizão com o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), encabeçada
por velhos dirigentes de imagem corrupta, e ao multiplicar ministérios, que já
somam 39, sem contribuir para novos rumos para o país, acrescentou.
A erosão se refletiu também nos resultados
legislativos. Nessas eleições, o PT elegeu apenas 70 deputados, 18 a menos do
que em 2010, embora continue sendo a primeira força na Câmara, mais
conservadora e fragmentada, com 28 partidos dividindo 513 cadeiras. Também
existe uma crise econômica que alimenta o baixo crescimento, uma inflação
acumulada de 6,75% ao ano e a “falta de credibilidade” dos investidores na
gestão de Dilma na área, pontuou Carvalho.
São fatores que seu adversário Aécio Neves, do
Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), aproveita em sua tentativa de
ocupar o Palácio do Planalto a partir de 1º de janeiro, uma façanha rara em
países com reeleição imediata de seus governantes. É muito indicativo que Aécio
tenha chegado ao segundo turno graças ao Estado de São Paulo, onde obteve 44%
dos votos válidos e onde se concentram os eleitores cujo interesse principal é
acabar com a era petista.
O PSDB, nascido em 1988 como cisão progressista do
PMDB, manteve suas raízes nas metrópoles, mas também se garantiu com votos de
regiões pobres e de conservadores. Com essa estratégia, chegou à Presidência
com o sociólogo Fernando Henrique Cardoso (1995-2003). Para isso, aliou-se ao
Partido da Frente Liberal (PFL), forte no Nordeste e em pequenas cidades, desde
que funcionava como braço parlamentar da ditadura militar que governou o Brasil
de 1964 a 1985.
Essa ditadura manteve o Congresso Nacional para
ratificar suas medidas, inclusive com o ritual das eleições. Mas, diante da
crescente oposição das grandes cidades na década de 1970, ampliou a
representação dos Estados menores e mais rurais, para manter a maioria
parlamentar liberal.
O deslocamento das bases eleitorais do PT se
distingue das anteriores porque fortalece um partido de esquerda, e não um
conservador, em um processo de efetiva redução da pobreza e da desigualdade,
comprovada por estudos nacionais e internacionais, incluídos diversos da
Organização das Nações Unidas (ONU).
O Bolsa Família, que promove esse deslocamento,
“empodera” os pobres ao ser concedida de “forma impessoal” e paga por meio de
cartão a todos os que têm direito e se cadastraram, apontou à IPS Alessandra
Aldé, professora de Comunicação e Política na Universidade do Estado do Rio de
Janeiro.
O método difere do “clientelismo”, no qual políticos oferecem
benefícios diretamente às pessoas ou a comunidades, quase como uma compra de
votos, destacou Carvalho.
Mas os programas sociais, mesmo sem o controle
direto de políticos locais, se revelaram um poderoso fator de força eleitoral
para os governantes e seus partidos. “É uma tentação” para o governo nacional,
que centraliza a maior parte dos recursos orçamentários, distribuí-los a
populações dependentes do setor público, onde o mercado é débil ou praticamente
inexistente, ressaltou Carvalho. Institucionalizá-lo como programas do Estado
pode ser um avanço, acrescentou.
Fonte: ENVOLVERDE
Nenhum comentário:
Postar um comentário