quinta-feira, 23 de outubro de 2014

As eleições, o orçamento e a Redução da Idade Penal, artigo de Cleomar Manhas.
Há eleitos que se dizem representantes das manifestações de junho, do anseio por mudanças, no entanto, são porta-vozes de políticas conservadoras, que, caso aprovadas, representarão graves retrocessos de direitos.

Em uma análise preliminar, já apresentada por outras organizações tal como o Departamento Intersindical de Análise Parlamentar (DIAP), o novo (velho) Congresso Nacional eleito para a Legislatura 2015/2018 é um dos mais conservadores dos últimos tempos, apesar desse discurso de mudança e “inspirado” nas jornadas de junho de 2013. O que não se sabe é qual leitura fizeram dessas mobilizações e se há apenas uma leitura possível para isso.

A segurança pública foi uma das questões mais debatidas pelos/as diferentes candidatos/as, seja aos legislativos estaduais, seja à Presidência da República. No entanto, há algo digno de nota: vários desses candidatos elegeram a “idade penal” como panaceia que resolverá todos os problemas de violência. Aproveitaram da falta de informação geral sobre o tema para angariar votos. E angariaram bastante, pois em vários e populosos estados os campeões de votos utilizaram a redução da idade penal como principal pauta de campanha. Com relação ao Congresso Nacional, não apenas eleitos para a Câmara Federal, mas ao Senado também. Destacam-se parlamentares mais votados de São Paulo, Distrito Federal, Rio de Janeiro, Ceará, Goiás, Santa Catarina, Roraima, dentre outros.

Mesmo jovens candidatos, agora parlamentares, como é o caso dos senadores eleitos pelo Acre e pelo Distrito Federal, defendem esta pauta retrógrada, com base em dados não corroborados pelas pesquisas. A massificação de matérias veiculadas na grande mídia, defendendo a redução da idade penal, criou uma sensação de que a maior parte dos crimes é praticada por adolescentes. No entanto, considerando a população total de adolescentes no Brasil, o percentual de adolescentes infratores é de 0,09% e se considerar a população como um todo esse percentual é de 0,01%. Computados todos os que estão em cumprimento de medidas socioeducativas, sejam de privação de liberdade, semiliberdade ou meio aberto. E a maioria dos atos é contra o patrimônio e não contra a vida, que representa um percentual mínimo entre os adolescentes infratores.

É preciso repetir que a inimputabilidade penal não significa impunidade, pois o sistema legal implantado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) faz dos/as adolescentes sujeitos de direitos e de responsabilidades, prevendo medidas socioeducativas até mesmo de privação de liberdade. No entanto, o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) propõe que as medidas estejam adequadas à etapa de desenvolvimento de cada um/a e que seja de caráter educativo, para que esse/a adolescente possa ser ressocializado/a. É necessário tratar as causas, e não os efeitos conforme apresentado ao debate nestas eleições, até mesmo por candidatos ao executivo federal.

Orçamento

O Sinase precisa ser fortalecido para que as medidas socioeducativas sejam aplicadas conforme estabelecido no ECA e respeitando os diretos humanos dos/as adolescentes. Para isso, o monitoramento de execução orçamentária é tarefa que o Sistema de Garantia de Direitos não pode deixar de realizar.

No Orçamento Federal, o Sinase está dentro do Programa 2062, Promoção dos Direitos de Crianças e Adolescentes, ação 14UF – Construção, Reforma, Equipagem e Ampliação de Unidades de Atendimento Especializado a Crianças e Adolescentes, que está inserida em três Planos Orçamentários (PO):

0000- Construção, Reforma, Equipagem e Ampliação de Unidades de Atendimento Especializado a Crianças e Adolescentes – Despesas Diversas.

0001- Brasil Protege – Apoio à Construção, Reforma, Equipagem e Ampliação de Unidades de Atendimento a Adolescentes em Conflito com a Lei.

0003- Apoio à Construção, Reforma, Equipagem e Ampliação de Instalações de Conselhos Tutelares.

Sua execução é efetivada tanto de forma direta (pela União) quanto descentralizada (Estados e Municípios). E o que foi liquidado até agora diz respeito às ações nacionais, no âmbito do Brasil Protege, e significa aproximadamente 20% do previsto. No entanto, dentro dos três PO, tanto o que é execução direta, quanto descentralizada, o total empenhado é de cerca de 60% do total previsto. O que significa que o processo foi iniciado, que há conveniamento, mas não se sabe se será liquidado ou se ficará como resto a pagar. Mas não podemos dizer que a execução é baixa.

De acordo com informação do órgão gestor, quase todo o recurso já esta comprometido, porém, estão aguardando o final do processo eleitoral para procederem aos devidos repasses, já que a legislação eleitoral impede que sejam assinados novos convênios no período. A informação é que do total de recursos, apenas 480 mil ainda não estavam comprometidos, mas acabam de sê-lo, pois são recursos destinados à formação de agentes do Sistema de Garantia de Direitos e serão destinados às organizações que se submeteram aos editais da Secretaria.

No entanto, vale lembrar que, com relação aos 40% ainda não empenhados, as informação de que estão comprometidos não estão disponíveis no Siga ou Siop[2], mas por informação do órgão gestor. 

No Distrito Federal, por exemplo, o previsto foi 100% empenhado, mas ainda não liquidado, e é sabido que novas unidades de internação foram construídas.

O desafio não e a criação de mais vagas no sistema de internação, mas sim priorizar a universalização das medidas em meio aberto, com a qualificação dos responsáveis. Além da regulamentação por parte dos estados e da União da carreira socioeducativa. Hoje existe um projeto de lei em tramitação no Congresso sobre isso. A realidade atual é que cada ente federado trata esses profissionais de uma forma diferente, sendo que muitos têm perfil policial, o que não está de acordo com o Sinase.

Ademais, a legislação ainda é nova, foi aprovada em 2012, e não provocou mudanças culturais necessárias ao seu bom desenvolvimento, visto que o Sistema precisa ser reordenado de acordo com o previsto na Lei.

Além da desinformação acerca das estatísticas sobre adolescentes infratores, que conforme já dito são em pequeno número, é necessário que se diga que, ao contrário, o número de adolescentes e jovens, especialmente negros, assassinados, até mesmo pelas polícias, é uma enormidade, a ser verificado pelo Mapa da Violência, e a grita contra essa terrível injustiça é infinitamente menor que a grita pela redução da idade penal. Alguém deve estar lucrando com isso.

Observatório da Criança e do Adolescente (OCA), lançado no último sábado na Cidade Estrutural, inicia campanha “Ser adolescente não pode ser crime no Brasil: Diga não a redução da maioridade penal”.

[1] Cleomar Manhas, Assessora política do Inesc.
[2] Siga Brasil é sistema de acompanhamento do Orçamento Federal disponibilizado pelo Senado Federal e SIOP é o sistema disponibilizado pelo Governo Federal, Ministério do Planejamento.


Fonte: Inesc

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