As eleições, o orçamento e a
Redução da Idade Penal, artigo de Cleomar Manhas.
Há eleitos que se dizem representantes das
manifestações de junho, do anseio por mudanças, no entanto, são porta-vozes de
políticas conservadoras, que, caso aprovadas, representarão graves retrocessos
de direitos.
Em uma análise preliminar, já apresentada por
outras organizações tal como o Departamento Intersindical de Análise
Parlamentar (DIAP), o novo (velho) Congresso Nacional eleito para a Legislatura
2015/2018 é um dos mais conservadores dos últimos tempos, apesar desse discurso
de mudança e “inspirado” nas jornadas de junho de 2013. O que não se sabe é qual
leitura fizeram dessas mobilizações e se há apenas uma leitura possível para
isso.
A segurança pública foi uma das questões mais
debatidas pelos/as diferentes candidatos/as, seja aos legislativos estaduais,
seja à Presidência da República. No entanto, há algo digno de nota: vários
desses candidatos elegeram a “idade penal” como panaceia que resolverá todos os
problemas de violência. Aproveitaram da falta de informação geral sobre o tema
para angariar votos. E angariaram bastante, pois em vários e populosos estados
os campeões de votos utilizaram a redução da idade penal como principal pauta
de campanha. Com relação ao Congresso Nacional, não apenas eleitos para a
Câmara Federal, mas ao Senado também. Destacam-se parlamentares mais votados de
São Paulo, Distrito Federal, Rio de Janeiro, Ceará, Goiás, Santa Catarina,
Roraima, dentre outros.
Mesmo jovens candidatos, agora parlamentares,
como é o caso dos senadores eleitos pelo Acre e pelo Distrito Federal, defendem
esta pauta retrógrada, com base em dados não corroborados pelas pesquisas. A
massificação de matérias veiculadas na grande mídia, defendendo a redução da
idade penal, criou uma sensação de que a maior parte dos crimes é praticada por
adolescentes. No entanto, considerando a população total de adolescentes no
Brasil, o percentual de adolescentes infratores é de 0,09% e se considerar a
população como um todo esse percentual é de 0,01%. Computados todos os que
estão em cumprimento de medidas socioeducativas, sejam de privação de
liberdade, semiliberdade ou meio aberto. E a maioria dos atos é contra o
patrimônio e não contra a vida, que representa um percentual mínimo entre os
adolescentes infratores.
É preciso repetir que a inimputabilidade penal
não significa impunidade, pois o sistema legal implantado pelo Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA) faz dos/as adolescentes sujeitos de direitos e
de responsabilidades, prevendo medidas socioeducativas até mesmo de privação de
liberdade. No entanto, o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase)
propõe que as medidas estejam adequadas à etapa de desenvolvimento de cada um/a
e que seja de caráter educativo, para que esse/a adolescente possa ser
ressocializado/a. É necessário tratar as causas, e não os efeitos conforme
apresentado ao debate nestas eleições, até mesmo por candidatos ao executivo
federal.
Orçamento
O Sinase precisa ser fortalecido para que as
medidas socioeducativas sejam aplicadas conforme estabelecido no ECA e
respeitando os diretos humanos dos/as adolescentes. Para isso, o monitoramento
de execução orçamentária é tarefa que o Sistema de Garantia de Direitos não
pode deixar de realizar.
No Orçamento Federal, o Sinase está dentro do
Programa 2062, Promoção dos Direitos de Crianças e Adolescentes, ação 14UF –
Construção, Reforma, Equipagem e Ampliação de Unidades de Atendimento
Especializado a Crianças e Adolescentes, que está inserida em três Planos
Orçamentários (PO):
0000- Construção, Reforma, Equipagem e Ampliação
de Unidades de Atendimento Especializado a Crianças e Adolescentes – Despesas
Diversas.
0001- Brasil Protege – Apoio à Construção, Reforma, Equipagem e Ampliação de Unidades de Atendimento a Adolescentes em Conflito com a Lei.
0003- Apoio à Construção, Reforma, Equipagem e Ampliação de Instalações de Conselhos Tutelares.
Sua execução é efetivada tanto de forma direta
(pela União) quanto descentralizada (Estados e Municípios). E o que foi
liquidado até agora diz respeito às ações nacionais, no âmbito do Brasil
Protege, e significa aproximadamente 20% do previsto. No entanto, dentro dos
três PO, tanto o que é execução direta, quanto descentralizada, o total
empenhado é de cerca de 60% do total previsto. O que significa que o processo
foi iniciado, que há conveniamento, mas não se sabe se será liquidado ou se
ficará como resto a pagar. Mas não podemos dizer que a execução é baixa.
De acordo com informação do órgão gestor, quase
todo o recurso já esta comprometido, porém, estão aguardando o final do
processo eleitoral para procederem aos devidos repasses, já que a legislação
eleitoral impede que sejam assinados novos convênios no período. A informação é
que do total de recursos, apenas 480 mil ainda não estavam comprometidos, mas
acabam de sê-lo, pois são recursos destinados à formação de agentes do Sistema
de Garantia de Direitos e serão destinados às organizações que se submeteram
aos editais da Secretaria.
No entanto, vale lembrar que, com relação aos 40%
ainda não empenhados, as informação de que estão comprometidos não estão
disponíveis no Siga ou Siop[2], mas por informação do órgão gestor.
No Distrito
Federal, por exemplo, o previsto foi 100% empenhado, mas ainda não liquidado, e
é sabido que novas unidades de internação foram construídas.
O desafio não e a criação de mais vagas no
sistema de internação, mas sim priorizar a universalização das medidas em meio
aberto, com a qualificação dos responsáveis. Além da regulamentação por parte
dos estados e da União da carreira socioeducativa. Hoje existe um projeto de
lei em tramitação no Congresso sobre isso. A realidade atual é que cada ente
federado trata esses profissionais de uma forma diferente, sendo que muitos têm
perfil policial, o que não está de acordo com o Sinase.
Ademais, a legislação
ainda é nova, foi aprovada em 2012, e não provocou mudanças culturais
necessárias ao seu bom desenvolvimento, visto que o Sistema precisa ser
reordenado de acordo com o previsto na Lei.
Além da desinformação acerca das estatísticas
sobre adolescentes infratores, que conforme já dito são em pequeno número, é
necessário que se diga que, ao contrário, o número de adolescentes e jovens,
especialmente negros, assassinados, até mesmo pelas polícias, é uma enormidade,
a ser verificado pelo Mapa da Violência, e a grita contra essa terrível
injustiça é infinitamente menor que a grita pela redução da idade penal. Alguém
deve estar lucrando com isso.
Observatório da Criança e do Adolescente (OCA),
lançado no último sábado na Cidade Estrutural, inicia campanha “Ser
adolescente não pode ser crime no Brasil: Diga não a redução da maioridade
penal”.
[1] Cleomar Manhas, Assessora política do Inesc.
[2] Siga Brasil é sistema de acompanhamento do
Orçamento Federal disponibilizado pelo Senado Federal e SIOP é o sistema
disponibilizado pelo Governo Federal, Ministério do Planejamento.
Fonte: Inesc
Nenhum comentário:
Postar um comentário