Discussão sobre o novo marco
regulatório da Mineração, artigo de Gustavo Gazzinelli.
O
Projeto
de Lei Substitutivo ao PL 37/2011 – novo Marco Regulatório da
Mineração (PLS-MRM) – aprovado por Comissão Especial da Câmara dos Deputados
pautou-se pelo seguinte paradoxo: bons propósitos de natureza geral e nenhuma
eficácia para alcançá-los.
Vejamos boas intenções explicitadas
nos artigos 2º, 3º e 52, que tratam respectivamente dos deveres do Poder
Público, das diretrizes para o aproveitamento do recursos minerais e das
atribuições do Conselho Nacional de Política Mineral: o fortalecimento do papel
regulador do Estado, mediante o estabelecimento de “diretrizes para o
planejamento da atividade de mineração, assegurando o suprimento de bens
minerais às gerações atuais e futuras, de forma sustentável”; a elaboração de
zoneamentos minerários; a necessidade de medidas que garantam a concorrência e
a competição; a promoção de instrumentos financeiros e econômicos para promover
a agregação de valor; o incentivo e criação de oportunidades de investimento na
pesquisa, na inovação, no desenvolvimento tecnológico e na agregação de valor
na atividade; o acompanhamento de indicadores de sustentabilidade dos
empreendimentos; a garantia do “uso racional dos recursos minerais em
atendimento ao interesse público” e às metas de desenvolvimento socioeconômico
do país.
No tocante à sustentabilidade
merecem destaque os compromissos com a “adequação ambiental da atividade”, com
a “recuperação dos danos ambientais”, com o “bem-estar das comunidades
impactadas” e a “proteção à saúde e à segurança do trabalho, com a adoção das
melhores práticas internacionais na mineração”.
O PL Substitutivo esmerou-se,
todavia, em contrariar estes princípios e boas intenções ao conservar
privilégios, ao tratar de forma isonômica diferentes empreendedores do setor e
ao conferir direitos reais até mesmo a titulares de autorizações de pesquisa
(pessoas físicas e jurídicas, art. 22).
Para enterrar de vez qualquer
possibilidade de regulamentação pelo Estado, o relator deputado Leonardo
Quintão (PMDB-MG) e a Comissão Especial presidida pelo deputado Gabriel
Guimarães (PT-MG) acabaram com a perspectiva da concorrência/licitação para
concessões de lavra ao garantirem o direito automático às mesmas aos agentes
que já deram entrada em requerimentos de pesquisa no Departamento Nacional da
Produção Mineral (DNPM) (arts. 29 e 33). Isso abarca praticamente todas as
jazidas minerais conhecidas e boa parte do território nacional. Iguala-se aqui
o garimpeiro e produtor de areia ao minerador de ferro, que ocupa grandes
extensões e causa impactos de dimensões regionais.
Tão grave quanto isso é o PL substitutivo
estabelecer que os “direitos minerários [autorizações e concessões] constituem
direitos reais, [...] suscetíveis de serem ofertados como garantia real”, para
obtenção de financiamento (artigos 6º, 11, 13, 79 e 81). Em outras palavras, o
PL institucionaliza a especulação de projetos, de que, salvo melhor juízo,
serve de exemplo o caso do conglomerado X, de Eike Batista, que comprou e
vendeu tais tipos de “ativos” e angariou a confiança de acionistas no mercado a
partir de papéis, cartas de intenções e licenças pré-operacionais. Ora, se o
Estado dá a autorização de pesquisa e esta serve de garantia para obtenção de
financiamento, o imbróglio jurídico estará instaurado, se o dinheiro de
terceiros (inclusive bancos públicos) tiver sido empenhado numa atividade que
não alcance comprovar sua sustentabilidade e, assim, seja indeferida por
instâncias do próprio Poder Público.
A ineficácia da proposta do novo
marco regulatório vai além, ao estabelecer:
·
A exclusão das estruturas de disposição de
rejeitos e estéril do conjunto das operações coordenadas que objetivam o
aproveitamento da jazida – fato que importa em reduzir drasticamente o
dimensionamento das comunidades atingidas e das compensações e eventuais
participações na atividade de mineração pelos chamados superficiários (art. 5º,
XIX e XXIX);
·
A não aplicação dos quesitos sustentabilidade,
inovação e associação com complexos industriais para agregação de valor, na
definição de parâmetros e critérios de julgamento dos processos licitatórios
que se venha a estabelecer (artigos 30 e 31).
·
A não obrigatoriedade da contratação de seguros
ambientais ou de pagamento de cauções e para a garantia do cumprimento das
obrigações e compromissos para com a recuperação ambiental dos projetos (arts.
32, 36, 38 e 40).
Um segundo ponto a merecer destaque
é a enorme confusão que se criou entre os poderes a regulamentarem e
organizarem a mineração no Brasil. Assim, é estabelecido como “Poder
Concedente” o Ministério de Minas e Energia (MME), criado o Conselho Nacional
de Política Mineral (CNPM), como órgão consultivo subordinado à Presidência da
República, e instituída a Agência Nacional de Mineração (ANM), que passará a
ser de fato o poder regulamentador e organizador da atividade de mineração no
país.
Na República Brasileira, os
ministérios responsáveis por diferentes políticas setoriais e finalísticas são
dotados de conselhos superiores que estabelecem as diretrizes e metas daquela
política pública e respectivos planos de ação setorial. Alguns destes
conselhos, periodicamente, realizam conferências nacionais ou temáticas, para
colher subsídios de diferentes setores da sociedade para a formulação dos
planos nacionais.
Curiosamente, o MME é definido como
Poder Concedente, ao qual cabe estabelecer diretrizes sobre várias matérias, tais
como: concorrências ou licitações para minerar e o funcionamento da ANM, que
poderá “definir as áreas [...] ou reservas minerais nas quais a concessão será
precedida de licitação” (53, XI), “declarar a utilidade pública dos bens
necessários à atividade de mineração, para fins de desapropriação ou
constituição de servidão minerária” (arts. 44 e 53, XII) e definir o conceito
de “comunidade impactada” (art. 5º, VIII).
Todas as ações executivas da ANM
devem observar as diretrizes do Poder Concedente, o Ministério de Minas e
Energia, que entretanto estará, de acordo com a proposta do relator Leonardo
Quintão, livre de qualquer subordinação às orientações do Conselho Nacional de
Política Mineral, desatrelado do MME de acordo com a proposta.
A composição proposta para o CNPM,
além de não garantir o contraponto na escolha de representantes da Academia e
das Organizações Civis (que poderão ser tão somente representantes das próprias
corporações contratadas pelas empresas de mineração – cursos e associações de engenharia,
geologia e hidrogeologia etc), apresenta um desequilíbrio sério nas relações de
âmbito intragovernamental. Assim, ao passo que o MME e sindicatos patronais da
mineração estão presentes na composição do Conselho Nacional de Meio Ambiente
(Conama), o Ministério do Meio Ambiente está excluído da composição do conselho
de Política Mineral proposto.
O caráter público habitual das
reuniões de conselhos setoriais só é garantido nas reuniões da autocrática
Diretoria Colegiada da ANM, composta exclusivamente pelo Diretor Geral e quatro
diretores da Agência proposta. Ou seja, a única instância de fato aberta à
participação pública é aquela em que o conselho, este de caráter deliberativo,
é composto somente pelos próprios da Agência (art.57 – PLS-MRM).
Além de ser uma proposta claramente
contrária aos princípios constitucionais de 1988, o projeto de lei substitutivo
do novo marco regulatório da mineração cria todas as condições jurídicas para a
privatização do subsolo brasileiro e para lançar a União num processo de
insegurança jurídica jamais visto na história deste país.
Lamentavelmente, a comissão
presidida por Gabriel Guimarães jogou na lata do lixo contribuições importantes
como as dos deputados federais Padre João (MG), Walter Feldman (SP), Luiza
Erundina (SP), Chico Alencar (RJ), Valmir Assunção (BA), Padre Ton (RO) e
Marcon (RS) que propuseram medidas e conceitos chaves para a sustentabilidade
da mineração. Cito algumas aqui: o estabelecimento de ritmos para a exploração
das jazidas (medida fundamental para assegurar a suportabilidade e
sustentabilidade socioambiental dos territórios explorados); a obrigatoriedade
de contratação de seguros ambientais; e o veto à obtenção de concessões a
agentes condenados judicial e administrativamente “em função de danos
ambientais, sonegação de tributos e descumprimento de regras trabalhistas”.
Gustavo Gazzinelli, Jornalista,
Ambientalista e Representante do Fonasc-CBH no CERH-MG, atuo há vários anos na
discussão e enfrentamento das mazelas de grupos mineradores em Minas Gerais.
Fonte: EcoDebate
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