Avaliação Ambiental Estratégica
para a mineração em larga escala, por Flávio F. do Carmo, Luciana H. Kamino,
Iara C. Campos, Felipe F. do Carmo e Claudia M. Jacobi.
Avaliação Ambiental Estratégica para a mineração em
larga escala: podemos evitar a extinção dos ecossistemas ferruginosos no
Brasil?
Flávio F. do Carmo¹, Luciana H. Kamino², Iara C.
Campos², Felipe F. do Carmo², Claudia M. Jacobi¹
¹Laboratório de Interação Animal-Planta,
Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG.
²Instituto Prístino, Belo Horizonte, MG.
O Brasil é o país que detêm o
maior número de espécies. Ao assinar a Convenção da Diversidade Biológica
(CDB), o país se comprometeu a adotar ações que reduzam a perda alarmante da
biodiversidade. Entre as ações expressas naquele tratado internacional podemos
citar o desenvolvimento de políticas públicas, projetos e programas voltados
para a conservação, repartição e uso racional dos recursos naturais, o que
inclui as espécies, os ecossistemas e os serviços ambientais. Considerando o
atual cenário macroeconômico brasileiro, alicerçado no aumento da produção de commodities,
como grãos e minérios, faz-se necessário priorizar a adoção de instrumentos de
planejamento e de subsídio à tomada de decisão. Um dos instrumentos de
planejamento mais utilizados no mundo está representado pela Avaliação
Ambiental Estratégica (AAE). Entretanto, a AAE ainda é muito pouco utilizada no
país, sendo praticamente ausente quando se tratam de regiões que abrigam
jazidas minerais, como as representadas pelos ecossistemas ferruginosos. Estes
ecossistemas ocorrem em áreas prioritárias para a conservação, nas quais estão
previstos empreendimentos em larga escala e com alto potencial de degradação
ambiental.
Os ecossistemas ferruginosos ocorrem em matriz
geológica composta por rochas conhecidas como cangas, além de itabiritos e
outros tipos de formações ferríferas bandadas. Esses ecossistemas são
considerados centros de diversidade biológica por abrigar elevado número de
espécies de invertebrados cavernícolas e plantas raras, todas endêmicas restritas
e ameaçadas de extinção. A principal ameaça a biodiversidade encontrada nas
cangas se deve a elevada perda e degradação de áreas naturais causadas pela
operação de inúmeras minas de extração de minério de ferro. Minas Gerais é o
estado brasileiro que engloba a maior área conhecida daqueles ecossistemas,
seguido pelos estados do Pará e Mato Grosso do Sul. As cangas são couraças
formadas há milhões de anos e são constituídas praticamente por ferro, o que as
tornam extremamente resistentes à erosão. As cangas abrigam vários sítios
espeleológicos contendo centenas de cavernas.
Recentemente, foram descobertas
paleotocas desenvolvidas em cavidades localizadas no Vale do Rio Peixe Bravo,
região norte de Minas Gerais. As paleotocas (Fig. 1) são estruturas na forma de túneis escavadas por extintos
mamíferos gigantes fossoriais. Sítios paleoambientais e arqueológicos
também são frequentemente registrados para os ecossistemas ferruginosos. Devido
ao elevado potencial hidrogeológico, esses ecossistemas ainda fornecem serviços
ambientais importantes como a recarga e armazenamento de água.
Figura 1 – Marcas de garras e conduto formado pela
megafauna pleistocênica foram observados nas cavernas desenvolvidas em
formações ferríferas localizadas no Vale do Rio Peixe Bravo, municípios de Rio
Pardo de Minas e Riacho dos Machados, região norte de Minas Gerais.
No Brasil, ao contrário de alguns países como a
Austrália, ainda não existem políticas públicas adequadas às especificidades
ambientais relacionadas aos ecossistemas ferruginosos. Esse cenário é
alarmante, uma vez que as cangas recobrem as principais megajazidas de minério
de ferro. Estas jazidas, por sua vez, estão sendo intensamente exploradas
devido ao crescimento sem precedentes da produção brasileira, em resposta ao
aumento da demanda global por ferro, sinalizando as pressões aos atributos
ambientais e serviços ecossistêmicos caracterizados pela extrema relevância
para a conservação. O Ministério das Minas e Energia, através da publicação em
2010 do Plano Nacional de Mineração, prevê que a produção brasileira anual de
minério de ferro alcance 1,1 bilhão de toneladas até 2030. Isso equivaleria à
produção total brasileira de toda a década de 1990. Para atingir essa meta, serão
investidos no setor de ferro quase US$ 50 bilhões no período 2012-2016 (Fig.
2), um recorde histórico, colocando a taxa de crescimento da produção de
minério de ferro a uma ordem de grandeza maior do que as taxas de outros
importantes minerais metálicos produzidos no país (Tab. 1).
Figura 2 – Investimentos para o período
2012-2016 no setor de minerais metálicos em bilhões US$. * Cadeia do alumínio. Fonte: IBRAM – Instituto Brasileiro de Mineração.
2012. Informações e Análises da Economia Mineral Brasileira. 7ª Ed. 65 p.
Tabela 1 – Crescimento da produção brasileira de
minerais metálicos até 2016.
Substância
|
Produção 2011
(1.000 ton) (A)
|
Acréscimos até 2016
(1.000 ton) (B)
|
Produção Prevista 2016
(A + B)
|
|
|||
Ferro
|
369.000
|
451.000
|
820.000
|
122%
|
|||
Bauxita
|
31.000
|
7.000
|
38.000
|
23%
|
|||
Manganês
|
2.600
|
400
|
3.000
|
15%
|
|||
Cobre
|
400
|
200
|
600
|
50%
|
|||
Zinco
|
285
|
65
|
350
|
23%
|
|||
Nióbio
|
90
|
30
|
120
|
33%
|
|||
Níquel
|
70
|
30
|
100
|
43%
|
|||
Ouro
|
0
|
0,029
|
0
|
44%
|
Atualmente, Minas Gerais responde por quase 70% de toda a produção brasileira de minério de ferro. Essa produção tem origem na exploração das jazidas localizadas no Quadrilátero Ferrífero, próximo a Belo Horizonte. Duas novas fronteiras minerais abrigam diversos projetos em fase de planejamento ou iniciando os processos de licenciamento ambiental: 1) região norte, onde as jazidas se distribuem por cerca de 20 municípios, entre eles Grão-Mogol, Rio Pardo de Minas, Porteirinha, Riacho dos Machados e Nova Aurora. Nesta região existe a perspectiva de produzir anualmente 25 milhões de toneladas de minério de ferro; 2) na região de Conceição do Mato Dentro, Alvorada de Minas, Serro e Morro do Pilar.
Nessas regiões, as áreas outorgadas pelo
Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) às empresas mineradoras de
ferro se sobrepõem a praticamente todos os ecossistemas ferruginosos (Fig. 3).
Portanto, um planejamento inadequado nestas novas fronteiras minerais poderá
levar a perdas irreversíveis de um patrimônio ambiental único e ainda pouco
conhecido, caso os ecossistemas não sejam compreendidos como áreas estratégicas
para a conservação e o uso racional dos recursos naturais.
A CDB aponta o estabelecimento de um sistema de
áreas protegidas, onde medidas especiais precisam ser adequadas para a
conservação in situ dos ecossistemas e habitats naturais como uma das
ações fundamentais para a conservação da biodiversidade. Nos principais
ecossistemas ferruginosos do estado ainda existem extensas áreas naturais de
cangas, algumas dessas áreas ainda se encontram em bom estado de conservação.
Entretanto, mesmo em situação de vulnerabilidade alta, as cangas ainda não
estão adequadamente representadas no Sistema Nacional de Unidades de
Conservação (SNUC). Atualmente, menos de 1% das áreas de cangas estão inseridas
em unidades de conservação de proteção integral.
Esse cenário desafiador é bastante favorável para
por em prática a elaboração de uma Avaliação Ambiental Estratégica. A AAE, de
acordo com informações disponibilizadas pela Secretaria Estadual de Meio
Ambiente e Desenvolvimento Sustentável – MG, constitui uma ferramenta de antecipação e planejamento de ações que
deve ser utilizada para as políticas, programas e projetos de caráter
estruturante e que deflagrem efeitos sobre o meio ambiente, no estágio de
concepção de suas propostas, antes que decisões irreversíveis tenham sido
tomadas. A AAE constitui ainda um processo de identificação de impactos
ambientais e de alternativas para redução dos mesmos.
Portanto, a AAE representa uma ferramenta de
tomada de decisão que deve ser utilizada no momento de formulação das
políticas, planos, programas e projetos governamentais.
Minas Gerais já desenvolveu disposições
normativas, como os Decretos n° 43.372/2003 e n° 45.761/2011, que criaram os Núcleos de Gestão
Ambiental, responsáveis pela coordenação da elaboração da AAE. Conforme o Art.
1° do Decreto n° 45.761/2011, os Núcleos têm a
finalidade de promover a gestão transversal e a análise da variável ambiental
na elaboração e execução dos planos, programas e projetos, assim como promover
a articulação e parceria efetiva entre órgãos e entidades do Estado no que diz
respeito à temática ambiental.
A elaboração da AAE poderia contribuir para a
redução da ínfima representatividade das cangas no SNUC, por exemplo, através
do planejamento de ações envolvendo o setor
privado e objetivando o inventariamento integrado e em escala regional de
áreas-alvo para a criação de unidades de conservação – UC. Ao mesmo tempo, a
AAE poderia desenvolver mecanismos de utilização de recursos financeiros
substanciais oriundos dos investimentos bilionários do setor mineral e da
compensação ambiental de empreendimentos causadores de significativos impactos
ambientais para a manutenção daquelas UC’s. Particularmente essa ação seria
fundamental, pois de acordo com o Atlas para a conservação da biodiversidade em
Minas Gerais, a falta de recursos financeiros constitui uma das principais
deficiências do sistema estadual de unidades de conservação. Na esfera federal
essa deficiência se repete, onde os cortes orçamentários se tornam cada vez
mais frequentes.
Figura 3 – Os títulos minerários de ferro sobrepõem
todos os principais ecossistemas ferruginosos em Minas Gerais: A – Quadrilátero
Ferrífero; B – Conceição do Mato Dentro, Alvorada de Minas, Serro e Morro do
Pilar; C – Região norte, entre os municípios de Riacho dos Machados,
Porteirinha, Rio Pardo de Minas, Nova Aurora e Grão-Mogol.
A aplicação de recursos financeiros oriundos dos
investimentos do setor mineral e/ou da compensação ambiental fomentada pela AAE
poderia ser um exemplo emblemático na criação do primeiro parque nacional cujo
objetivo principal é o de conservar os ecossistemas ferruginosos. Este parque
foi proposto para ser implementado na Serra de Gandarela (Quadrilátero
Ferrífero) e tem o potencial de preservar milhares de hectares de cangas
inseridas em um dos últimos remanescentes de Mata Atlântica da região.
Uma sociedade participativa e informada é
fundamental para contribuir no processo de AAE. A integração de estudos em
planejamento da conservação com a AAE traria relevantes benefícios para a
sociedade, garantindo a manutenção dos serviços e funções dos ecossistemas,
além da perpetuação do patrimônio ambiental e cultural para as próximas
gerações.
Os autores FFC e CMJ agradecem a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG), ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e ao US Fish and Wildlife Service pelos financiamentos de projetos desenvolvidos nos ecossistemas ferruginosos e ao Instituto Prístino pela contribuição técnica.
Os autores FFC e CMJ agradecem a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG), ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e ao US Fish and Wildlife Service pelos financiamentos de projetos desenvolvidos nos ecossistemas ferruginosos e ao Instituto Prístino pela contribuição técnica.
Fonte: EcoDebate
Nenhum comentário:
Postar um comentário