O golpe da empreita na (falta de)
água em São Paulo.
por
Redação do ISA
Sistema Cantareira. Foto: Vagner
Campos/ A2 FOTOGRAFIA (16/05/2014)/ Fotos Públicas.
Confira o editorial do ISA sobre a crise hídrica em
São Paulo.
Os jornais desta semana foram prenhes de notícias
sobre providências para enfrentar a crise no abastecimento de água, que já
vitima a população do Nordeste há uns 150 anos, mas que agora aflige a
população da Grande São Paulo, de outras mais de cem cidades paulistas e
aproxima-se perigosamente das demais regiões metropolitanas do sudeste.
O governador de SP encontrou-se com a presidente da
República e pediu R$ 3,5 bilhões em recursos federais para a execução de obras
públicas. Por outro lado, os governos do Rio de Janeiro e São Paulo estimam a
necessidade de investir outros R$ 8,5 bilhões para assegurar o abastecimento de
ambos os estados com as águas do Rio Paraíba do Sul.
Após um debate um tanto quanto enviesado sobre a
crise da água durante o processo eleitoral, os governantes – reeleitos –
põem-se, imediatamente, a discutir pacotes de obras retirados das gavetas, sem
se dispor a convocar a sociedade para debater as melhores formas de enfrentar a
questão.
Note-se que as obras agora indicadas como
imprescindíveis para o abastecimento de dezenas de milhões de pessoas não
constam de nenhum Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que,
supostamente, reflete as prioridades do país quanto ao provimento de infraestrutura.
Porém, é estranho que os governantes não se animem
a se encontrar para avaliar as implicações para as políticas públicas de
estudos científicos recentes que vêm desvendando a dinâmica das chuvas
amazônicas que abastece de água a maior parte da América do Sul por meio dos
chamados “rios voadores”, que consistem em fluxos gigantes de vapor d’água que
se espalham regularmente ao leste da Cordilheira dos Andes, a partir da
Amazônia (saiba mais).
O governador também não pautou a situação das
nascentes e das matas ciliares no Sistema Cantareira e nas demais regiões do
estado. Os governos do Rio e São Paulo não discutiram a qualidade das águas e
as condições da ocupação da bacia do Paraíba do Sul. A presidente não comentou
o indicativo de aumento de 122% no desmatamento na Amazônia, em agosto e
setembro deste ano em comparação com os mesmos meses de 2013, por cima de uma
alta de 29% já ocorrida no ano anterior.
Assim como não se discute o provimento da água
(quando muito, a sua captação), sequer há informações disponíveis sobre os
diversos usuários, de modo a se poder aferir a que graus de privação no
fornecimento água devem ser submetidos cada tipo de consumidor (ou ator
social), ou que preço deveria ser pago pelos grandes consumidores para poderem
continuar utilizando o sistema público de abastecimento num contexto de
restrição de disponibilidade hídrica.
Obras devem ser necessárias, mas, na ausência de
avaliação qualificada das causas e dimensões da falta de água, acabam
transferindo-a de uma região para outra e multiplicando os conflitos pelo seu
uso. Qual a lógica disso? Uma maior concentração de gente tem o direito de
captar a água que abastece a outros? Pode alguém degradar suas próprias fontes
de água para, então, subtraí-la de outras fontes?
Se é óbvia a dimensão técnica da questão,
comportando diversas opções de investimento em infraestrutura, emergem da atual
crise as dimensões ética, socioambiental e política, que, não sendo
consideradas pelos governos, condenam-nos à privação de água, de orçamento, de saúde,
de ambiente, de dignidade cidadã.
No sesquicentenário das agruras do povo nordestino,
quando já não se sabe se haverá água suficiente no Rio São Francisco para
irrigar os canais da sua transposição, o povo do sudeste deve ficar esperto
para não ficar refém do mesmo golpe.
Se não quiser “secar”, a sociedade brasileira deve
reagir. Precisa se mobilizar, recorrer aos meios de comunicação e exigir que os
investimentos públicos possíveis sejam condicionados à implantação de programas
de escala que assegurem a disponibilidade de água, recuperem e protejam
nascentes e rios, e reflorestem intensivamente regiões essenciais à circulação
atmosférica da umidade.
E, tanto mais quanto mais estiver faltando água, a
sociedade precisa saber quem mais a consome, quem a desperdiça e quem depende
dela para viver. Atribuir responsabilidades diferenciadas a cada ator
envolvido, não somente pelas causas, mas também pelas soluções, assim como
reconhecer princípios básicos de justiça social no uso da água disponível, são
condições para se superar dignamente o problema.
Fonte: Instituto Socioambiental
Nenhum comentário:
Postar um comentário