quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Projetos no Congresso que discutem conceito de família devem gerar polêmica.
Dois projetos de lei (PL) que, entre outros pontos tratam da definição do conceito de família, prometem esquentar a discussão no Congresso Nacional. Pelo nome que receberam, muito parecidos – um Estatuto da Família e o outro Estatuto das Famílias – as propostas parecem ser iguais, mas na prática são completamente diferentes. A primeira é mais convervadora enquanto a segunda é mais progressista.

A que tramita na Câmara (PL 6.583/13) é o Estatuto da Família, relatada pelo deputado Ronaldo Fonseca (PROS-DF), define família como o núcleo formado a partir da união entre homem e mulher, por meio de casamento, união estável ou comunidade formada pelos pais e seus descendentes. A definição é a mesma que está no Artigo 226 da Constituição Federal. Já o  Projeto de Lei Suplementar (PLS) 470/13, o Estatuto das Famílias, que tramita no Senado,  reconhece a relação homoafetiva como entidade familiar ao rever o instituto da união estável e amplia sua conceituação.

No projeto que tramita na Câmara, família é formado a partir da união entre homem e mulher. Foto: Valter Campanato/Agência Brasil.

No relatório do projeto do Estatuto da Família, que será entregue na segunda-feira (17) à comissão especial que analisa a proposta na Câmara, Fonseca, que também integra a bancada evangélica, promete acirrar a polêmica. “Eu estou colocando no relatório a proibição da adoção [por casais do mesmo sexo]. Se o Artigo 227 ( da Constituição Federal) diz que a família é para proteger a criança, como é que dois homens, duas mulheres que são homossexuais que dizem ser pais, querem adotar? Adotar para satisfazer a eles ou a criança? A adoção é para contemplar o direito da criança, não do adotante”, justifica. O direito de adoção por homossexuais foi reconhecido pelo Superior Tribunal de Justiça em votação unânime em abril de 2010.

Desde fevereiro, a página da Câmara tem uma enquete que pergunta se os internautas concordam com a definição de família como núcleo formado a partir da união entre homem e mulher. A enquete já recebeu mais de 4 milhões de votos. Até o fechamento desta reportagem, o resultado estava praticamente empatado com 49,52 % dos votos para sim e 50,16% para não e 0,32 % dos internautas disseram não ter opinião formada sobre o tema.

Ronaldo Fonseca nega que a divisão reflita o pensamento da sociedade brasileira. “Aquela enquete deve ser vista apenas pela força de mobilização e não de opinião. Uma [mesma] pessoa pode votar várias vezes, inclusive os ativistas homossexuais têm escritório só pra fazer isso, mas é interessante ver que a sociedade está mobilizada”, disse.

Sem citar fonte, o deputado diz ainda que há pesquisas que apontam que a sociedade brasileira, na sua maioria, quer que o conceito de família tradicional seja mantido. “Não é questão de perseguição, é que na proteção especial do Estado para a família em que está configurada a integridade da família, o Estado não pode simplesmente reconhecer que dois homens querem viver como família. Que história é essa? Dois marmanjos? Qualquer pessoa que se junta agora é família? Se duas mulheres querem fazer sexo, que façam, mas que não busquem a proteção do Estado”, diz.

Deputados que rechaçam a proposta tentarão protelar ao máximo a votação prevista para o fim deste mês. Se aprovada, ela segue para o Senado. Nomes na Câmara, como o de Erika Kokay (PT-DF) e Jean Wyllys (PSOL-RJ), vêm sendo voz e ouvido de movimentos atingidos pela proposta defendida por Fonseca. Presidente da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABLGBTT), Carlos Magno Silva, mantém um diálogo permanente com esses parlamentares e afirma que a votação este ano poderia significar uma derrota para a população LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e transgêneros).

“Estamos tentando contato com os deputados para constituir uma Frente Parlamentar pelos Direitos LGBT forte e atuante”, diz presidente da ABLGBTT. Foto: Arquivo Agência Brasil.

A formatação do Congresso Nacional a partir do ano que vem também não é favorável. Enquanto a bancada evangélica cresceu, muitos  parlamentares que levantavam a bandeira dos direitos humanos como prioridade não foram reeleitos.

“ A gente nunca teve um quadro de representação tão conservador. Estamos tentando contato com os deputados para constituir uma Frente Parlamentar pelos Direitos LGBT forte e atuante porque a próxima legislatura vai ser de muito embate, de muita disputa política. Este setor [evangélicos] tem se organizado para impedir qualquer avanço no reconhecimento de direitos humanos”, afirmou Carlos Magno. No caso de um grupo misto, a ex-ministra da Cultura, Marta Suplicy (PT-SP), que está de volta ao Senado, e a senadora Lídice da Mata  (PSB-BA) devem ser procuradas .

Magno disse ainda que não existe uma estratégia definida de atuação, mas afirmou que vão encontrar uma forma de evitar que a proposta mais conservadora avance. “Isso é um retrocesso. Vai na contramão de tudo que já avançamos no Brasil e em outros países. Não existe só um formato de família. Existem vários formatos de família”, criticou, elencando conquistas do movimento como o direito à adoção e ao casamento.
A união de casais do mesmo sexo foi reconhecida em maio de 2011 pelo Supremo Tribunal Federal (STF). 

Dois anos depois, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou uma resolução proibindo que os cartórios do país se recusarem a celebrar casamentos civis de casais do mesmo sexo ou de converter em casamento a união estável homoafetiva.

Magno defende o texto que tramita no Senado, a PLS 470/13 . Chamada de Estatuto das Famílias – no plural- , é menos conservadora. O texto reconhece a relação homoafetiva como entidade familiar ao rever o instituto da união estável, amplia sua conceituação, sem que ela fique restrita à ligação formal entre homem e mulher. A mesma proposta retira toda a parte de família do Código Civil e a coloca em um estatuto próprio. 

Também polêmica , a matéria aguarda votação do parecer favorável do senador João Capiberibe (PSB-AP) na Comissão de Direitos Humanos (CDH) da Casa.


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