domingo, 30 de novembro de 2014

Lições para a Jamaica de uma seca de US$ 1 bi.
por Desmond Brown, da IPS
O rio Yallahs, uma das principais fontes de água do depósito de Mona, há meses está seco. Foto: Desmond Brown/IPS.

Bahia Morant, Jamaica, 27/11/2014 – Enquanto a Jamaica sofre uma das piores secas que já conheceu, especialistas afirmam que garantir a segurança alimentar dos setores mais vulneráveis é um dos maiores desafios apresentados pela mudança climática.

“A disparidade entre pessoas muito ricas e muito pobres na Jamaica significa que os que vivem na pobreza ou pobreza extrema, mulheres chefes de família com muitos filhos e idosos, sofrem uma grande desvantagem nesse período”, afirmou Judith Wedderburn, diretora de projeto neste país da fundação alemã Friedrich-Ebert-Stiftung (FES).

Wedderburn, que conversou com a IPS por ocasião de um painel para jornalistas organizado pelo FES e pela Panos Caribe no começo deste mês,  acrescentou que “o que preocupa é como as consequências da mudança climática se estendem por vários anos, e esse tipo de situação, com maiores inundações e períodos de seca extrema, se torna cada vez mais grave”.

Ela afirmou que os países dessa região, que já contam com um espaço delimitado para a produção de alimentos, agora têm o desafio adicional de enfrentar episódios de precipitações ou secas extremas devido à mudança climática. “Na Jamaica tivemos vários meses de seca que afetaram as paróquias (divisão política) produtoras de alimentos mais importantes”, destacou, acrescentando que o problema não acaba com o fim da seca.

“Nos afetam os extremos de chuvas que derivam em inundações. As comunidades agrícolas perdem seus cultivos durante as secas e as famílias sofrem o impacto”, ressaltou Wedderburn. “A produção de alimentos fica perturbada e o custo da comida aumenta, por isso numerosas famílias que já são pobres têm ainda mais dificuldades para conseguir os produtos locais a um preço razoável, o que contribui para a insegurança alimentar; isto é, as pessoas não têm fácil acesso aos produtos necessários para que a família esteja bem alimentada”, enfatizou.

Dale Rankine, candidato a doutorado na Universidade das Índias Ocidentais, prevê que a situação pode piorar. Segundo disse à IPS, os modelos de mudança climática indicam que a região se tornará mais seca entre meados e finais deste século. “Vemos projeções que sugerem que podemos ter uma redução de 40% ou mais na quantidade de precipitações, especialmente nos meses de verão. Normalmente, estes coincidem com a típica estação de chuvas”, apontou.

“Isso é particularmente importante porque terá impacto especial na segurança alimentar. Também há indícios de que poderemos experimentar maior frequência de secas e inundações, e esta grande variabilidade seguramente prejudicará os cultivos”, destacou Rankine. E ressaltou um “interessante padrão” de aumento de chuvas nas regiões centrais, mas só nas regiões exteriores, enquanto no oeste e leste houve uma queda nas precipitações.

“Isso é bem interessante porque os locais mais importantes para a segurança alimentar, especialmente para as paróquias de Saint Elizabeth e Manchester, por exemplo, experimentam uma redução na média de chuvas e isso tem consequências sobre o quanto serão produtivas nossas regiões produtoras”, observou Rankine.

A Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos (NOAA) anunciou que setembro deste ano foi o mais quente nos 135 anos de que se tem registros. Nesse mês, a média de temperatura global foi de 15,72 graus, o que o converteu no quadrimestre recorde, junto com maio, junho e agosto. Segundo o Centro Nacional de Dados Climáticos da NOAA, os primeiros nove meses de 2014 registraram temperaturas globais médias de 14,78 graus, competindo com 1998 pelos primeiros nove meses mais quentes.

O ministro de Mudança Climática, Ambiente, Água e Terra da Jamaica, Robert Pickersgill, disse que mais de 18 mil pequenos agricultores sofreram o impacto da atual seca extrema que este país sofre há meses. A agricultura perdeu quase US$ 1 bilhão devido à seca e aos incêndios florestais causados pelo calor extremo.

Pickersgill explicou que a redução de chuvas diminuiu de forma significativa o fluxo de água, desde os riachos até os rios, em várias partes do país. “Os dados preliminares das precipitações para junho deste ano indicam que a Jamaica recebeu 30% menos água de chuva do que o habitual e todas as paróquias, salvo partes de Westmoreland (54%), receberam menos da metade do que recebiam normalmente”, acrescentou.

“As paróquias de Saint Elizabeth, Manchester, Clarendon, Saint Catherine, Kingston e Saint Andrew e Saint Thomas, junto com Saint Mary e Portland, foram as mais afetadas”, contou Pickersgill. Claredon recebeu apenas 2% das chuvas normais, seguida de Manchester com 4%, Saint Thomas com 6%, Saint Mary com 8% e Kingston e Saint Andrew com 12%, acrescentou.

Além disso, Pickersgill disse que a entrada de água no reservatório Mona, vinda dos rios Yallahs e Negro, atualmente é de 18,7 milhões de litros por dia, o menor volume desde a construção da tubulação de Yallahs, em 1986. Já a entrada na represa de Hermitage está em 22,7 milhões de litros por dia, abaixo dos mais de 68 milhões diários na estação úmida.

“Para mim está claro que a evidência científica sobre a mudança climática ser um perigo claro e atual é mais forte do que nunca. Por isso, a necessidade de mitigar e nos adaptarmos às suas consequências é ainda maior, e por isso costumo dizer que com a mudança climática também temos que mudar”, ressaltou Pickersgill à IPS.

A Jamaica tem de tomar medidas imediatas para adaptar-se à mudança climática, concordou Wedderburn, do FES. “O desafio do governo é explorar que tipo de adaptação pode servir para ensinar os agricultores a melhorar a coleta de água, para que nos períodos de seca severa possam continuar cultivando e vendendo seus produtos a preços razoáveis, como forma de enfrentar a insegurança alimentar”, enfatizou.


Fonte: ENVOLVERDE

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