Petróleo de xisto reativa
conflito indígena na Argentina.
por
Fabiana Frayssinet, da IPS
Jorge Nahuel, porta-voz da Confederação Mapuche de
Neuquén, na Patagônia argentina, denuncia que os indígenas não foram
consultados sobre a exploração de hidrocarbonos não convencionais em suas terras
ancestrais. Foto: Fabiana Frayssinet/IPS.
Campo Maripe, Argentina, 17/11/2014 – Os
hidrocarbonos não convencionais reativaram os conflitos indígenas no sudoeste
da Argentina. Sobre Vaca Muerta, a formação geológica que abriga essas
reservas, vivem 22 comunidades mapuches que reclamam por não terem sido
consultadas sobre a exploração de suas terras ancestrais, “em cima e embaixo”.
O termo “superficiários” que nos contratos
petroleiros denominam a contraparte com a qual negociam a exploração
territorial, não convence Albino Campo, “logko” (chefe mapuche) da comunidade
de Campo Maripe. “Somos donos da superfície e do que está acima e abaixo
também. Essa é a “mapu” (terra). Abaixo não é oco. Abaixo há outro povo”,
afirmou à IPS. Tampouco está oco para as companhias petroleiras, embora as duas
concepções sejam muito diferentes.
Três mil metros abaixo da superfície de Campo
Maripe está uma das maiores reservas mundiais de gás e petróleo de xisto (de
rocha). As terras que a comunidade utilizava para pastoreio agora são parte da
jazida Loma Campana, operada pela empresa estatal YPF, em associação com a
norte-americana Chevron. “Aqui foram aberto 160 poços, mais ou menos. Quando
chegarem a 500 poços não teremos lugar para nossos animais. Roubarão o que era
nosso”, protestou o logko.
Diante da urgência de produção, a YPF começou há um
ano a abrir estradas e poços na jazida Campo Campana, na província de Neuquén,
na Patagônia. O chefe mapuche e sua irmã Mabel Campo mostraram à IPS em que se
transformou sua terra, onde o barulho e a poeira causados pelos caminhões, que
entram e saem continuamente da jazida, são intensos.
Transportam máquinas, tubos de perfuração e
produtos para realizar a fratura hidráulica (fracking), uma questionada
técnica que libera os hidrocarbonos em grande escala mediante a injeção a alta
pressão de água, areia e aditivos químicos para romper grandes extensões das
rochas subterrâneas onde estão incrustados. “Dizem que o fracking e tudo
o que há acima não contamina, talvez passe muito tempo até começarmos a ver
câncer, câncer de pele, pela quantidade de contaminação, e também vamos morrer
de sede porque não haverá água para beber”, advertiu Mabel.
A YPF argumenta ter negociado com o governo da
província a abertura do campo, porque é quem possui o título de propriedade das
terras. Porém, “nós tentamos ter a melhor relação possível com qualquer
superficiário ou pseudossuperficiário ou ocupante nas áreas onde trabalhamos,
“sejam mapuches ou não”, declarou à IPS o gerente de relações institucionais da
YPF-Neuquén, Federico Calífano.
As famílias de Campo Maripe ainda não obtiveram
esse título, mas uma vitória importante. Após manifestações que incluíram se
acorrentar às torres petroleiras, conseguiram em outubro que o governo
provincial os reconheça legalmente como comunidade.
“O direito indígena legisla que a personalidade
jurídica não é constitutiva – isto é, não cria a comunidade, porque a mesma
existe independente da aceitação o não do Estado –, mas é uma ferramenta das
instituições do Estado (desde órgãos de governo até tribunais), explicou
Micaela Gomiz, do Observatório de Direitos Humanos de Povos Indígenas da
Patagônia (ODHIP).
“Com a inscrição de personalidade jurídica, se
deixa para trás a postura oficial de negar a identidade indígena mapuche, e agora
terá que ser realizado o processo de consulta para qualquer ação que afete o
território”, explicou o ODHIP em um comunicado. Segundo a entidade, em 2013
havia cerca de 347 mapuches acusados por crime de “usurpação”, contando os 80
processos judiciais abertos em Neuquén e outros 60 na vizinha província de Río
Negro.
No caso de Vaca Muerta, Jorge Nahuel, porta-voz da
Confederação Mapuche de Neuquén, pontuou à IPS que os indígenas não foram
ouvidos como determina o Convênio 169 da Organização Internacional do trabalho,
ratificado pela Argentina há 25 anos. “O que o Estado deveria fazer antes de
conceder espaço é acordar com a comunidade se esta está disposta a aceitar
semelhante mudança em sua vida”, acrescentou.
Além disso, segundo Nahuel, “a empresa deveria
aplicar o direito que, por exemplo, temos reconhecido constitucionalmente de
participar da gestão dos recursos naturais. Esses direitos estão totalmente
violados pela chegada da indústria petroleira”. O dirigente mapuche acrescentou
que violações semelhantes ocorrem nas indústrias da soja e da mineração. “Os
indígenas são considerados um elemento a mais da natureza e como tal são
arrasados”, denunciou.
Nesse país de 42 milhões de habitantes,
aproximadamente um milhão se autorreconheceram como indígenas no último censo,
de 2010. A maioria pertence aos povos mapuche e colla e vive em Neuquén e em
outras duas províncias.
Nahuel recordou que, de quase 70 comunidades
indígenas de Neuquén, somente 10% têm títulos. “A lógica do Estado é que, na
medida em que haja debilidade quanto à posse da terra, há mais segurança
jurídica para a empresa. É uma lógica perversa porque definitivamente eles
acreditam que, se ficarmos por décadas sem títulos de propriedade, será mais
fácil para a empresa invadir um território”, afirmou.
Mas alguns colocam em dúvida os verdadeiros
interesses dos mapuches. Luis Sapag, deputado do Movimento Popular
Neuquino, promoveu a polêmica quando no ano passado assegurou que “alguns deles
fazem bons negócios” e que “a YPF não foi se instalar nas terras dos mapuches,
mas que alguns mapuches foram colocar suas casas onde estava a YPF para gerar
toda essa movimentação”.
“Até que se desenvolveu Loma Campana, nunca houve
reclamação de uma comunidade mapuche”, afirmou o gerente de Não Convencionais
da YPF Neuquén, Pablo Bizzotto, durante uma visita da IPS e de outros veículos
de comunicação internacionais a Loma Campana.
Nahuel comparou essa lógica com a “utilizada pelo
Estado quando invadiu o território mapuche, dizendo que era um deserto, nós
chegamos e depois que chegamos apareceu um povo reclamando direitos”. E
ironizou afirmando que “aqui utilizam a mesma lógica, primeiro arrasam um
território e depois dizem: mas reclamam do que? Nós não os tínhamos
contabilizado”.
Para Nahuel, a exploração de hidrocarbnonos não
convencionais, da qual a Argentina passou a ser um de seus grandes atores, traz
uma “ameaça muito mais forte” do que a tradicional, que, segundo garantiu, já
“deixou uma contaminação profunda no solo e no organismo de todas as famílias
mapuches da área”.
“É uma indústria que gera um forte impacto
ambiental e social e, o que é pior para nós, cultural, porque quebra a vida
comunitária, porque rompe tudo o que é relação coletiva que temos em relação a
um território e porque começamos a ser superficiários para a indústria”,
ressaltou Nahuel. E acrescentou que, na medida em que avançarem as perfurações,
aumentarão os conflitos.
Nesse sentido, opinou que a nova Lei de
Hidrocarbonos, em vigência desde 31 de outubro, agravará a situação porque “foi
feita a serviço dos grupos econômicos, já que às empresas foi assegurada a
exploração durante 50 anos. Quando a YPF partir, não deixará nenhum futuro para
os mapuches. Aqui o que nos deixam é contaminação e morte, nada mais”, lamentou
o logko Campo. Envolverde/IPS
Assista ao vídeo “Torres petroleiras invadem a
terra argentina dos mapuches”, pelo link original.
Fonte: ENVOLVERDE
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