Mudanças climáticas: escutem o
homem ou assumam o prejuízo!
por Júlio
Ottoboni*
A matança
generalizada na Amazônia apenas – sem contar com a promovida na Mata Atlântica,
Pantanal e Cerrado – é o maior extermínio em massa por meio de ação antrópica
da história do planeta. Foto: http://www.shutterstock.com/
A imprensa parece cada vez mais alimentar sua
bipolaridade e idiossincrasias. Quando o assunto envolve ciência de um lado e
interesses econômicos de outro, o surto psicótico é geral. Sempre surgem os
argumentos sobre a necessidade de fornecer panoramas completos no noticiário,
da pluralidade e outros contos da carochinha que só servem para iludir quem não
é do meio. O bloco do ‘engana público’ sai porta afora, sem pudores, a cumprir
os desejos de suas anomalias.
O dia 30 de outubro de 2014 ficará na história da
imprensa nacional, se é que ela se apercebeu disto. Repórteres especializados,
generalistas, editores agitados, blogueiros de meia cura, a mídia engajada, a
de ar solene, a displicente, a pseudoengajada e toda a fauna existente escutou
por duas horas um dos mais brilhantes cientistas brasileiros, Antonio Donato
Nobre, e integrante do Centro de Ciência do Sistema Terrestre, do
Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e do Instituto Nacional de
Pesquisas Espaciais (Inpe) lançar o relatório “O Futuro Climático da Amazônia”
numa linguagem para leigos, para o cidadão mediano conseguir compreender o
desastre do desmatamento.
E mesmo – literalmente – desenhando, como está
fazendo nas redes sociais com o projeto Árvore, Ser Tecnológico, choveram dúvidas no
deserto da ignorância. Logo Nobre se apercebeu de algo, o jornalista brasileiro
não lê o material que tem em mãos, não se prepara para questionar. No entanto o
estrangeiro, além de se qualificar para a entrevista sua abordagem tem
colocações muito mais pertinentes e contextualizadas. Desculpas tupiniquins ?!
Aos montes e sempre as mesmas, por mais absurdas e antiprofissionais que possam
parecer: “não tive tempo”, “assunto muito complexo”, “prefiro não ter uma visão
preconcebida” entre outras barbáries.
Homens e bois
Se na bipolaridade midiática tem um componente
extremamente ativo, esse é a hipocrisia. Tratar o maior biocídio – no sentido
lato da palavra, eliminação da vida – sem o devido preparo deixou de ser
temerário para se tornar criminoso, nivelado a cumplicidade. A matança generalizada
na Amazônia apenas – sem contar com a promovida na Mata Atlântica, pantanal e
cerrado – é o maior extermínio em massa por meio de ação antrópica da
história do planeta. Em 40 anos são mais de 42 bilhões de árvores e 50% dos
biomas que compõem a floresta sob a ação do fogo, da motosserra, da
ganância, da negligência e cumplicidade oficial. E a mídia dá de
ombros, por pura ignorância, ou por comprometimentos econômicos camuflados sob
“condutas editoriais”.
A seca do sudeste, região tende a se tornar
um deserto, tem evidências científicas de estar intimamente relacionada a
somatória do desmatamento da Amazônia, da Mata Atlântica, de anomalias
oceânicas no Atlântico Sul e queimadas – uma prática cada vez mais frequente e
impune em todos os cantos do país. Soma-se a isso um Código Florestal feito sob
demanda do agropecuarista e um governo federal comprometido com sua perpetuação
no poder, a qualquer custo. O resultado é destruição em larga escala, não só do
patrimônio público, mas principalmente da vida.
O interessante desta mistura fétida e que comprova
as observações do cientista, é ter sido a imprensa estrangeira a dar os
primeiros sinais do grau de comprometimento econômico-político na destruição da
floresta. As primeiras a verem o problema foram a BBC e o El País. Em 23 de
setembro, a BBC manchetava; “Brasil não assina acordo mundial para reduzir
desmatamento”. No dia 14 de outubro, o El País: “Grandes proprietários, a causa
do desflorestamento na Amazônia”.
Uma semana depois do anúncio do relatório de Nobre,
novamente a imprensa nacional noticiou o caso com a versão governista, sem
qualquer contextualização. Para piorar, o Brasil dos commodities, da imprensa
repleta do fervor ‘agroufanista’ (neologismo para definir tão intensa
satisfação) e do país com o maior rebanho para abate do mundo, destacou em suas
editorias de economia que o Pará comemorava ter alcançado a marca de 21 milhões
de cabeças de gado, o terceiro entre os gigantescos rebanhos brasileiros.
Com isso, o Estado do Pará chegava ao posto de
maior rebanho dentro da Amazônia Legal. Embora a mídia tenha se esquecido
de dizer que a população paraense é de 8 milhões de pessoas. Ou seja, se tem
2,6 vacas e bois para cada habitante. E entre 1988 até 2013, o Pará foi o
Estado amazônico que liderou os desmatamentos e as queimadas, posto que ainda
não perdeu. Isso retrata bem a distribuição e o uso da terra.
Fonte suspeita
Neste ponto do artigo, o melhor é deixar o leitor
com os comentários do cientista Antonio Donato Nobre sobre a postura da imprensa
brasileira quanto ao desmatamento e o maior biocídio provocada pelo homem na
história do planeta. Pois derruba-se a floresta, matam os animais
silvestres e abatem milhões de cabeças de gado por ano. Um ciclo vicioso
pautado na morte e no extermínio, e – principalmente – no lucro rápido e da
posse das terras da União.
Segue a entrevista na integra com o pesquisador, um
desabafo que revela a comportamento da imprensa mesmo diante de um quadro
alarmante em todos os sentidos.
E quanto a imprensa, Nobre?
“Existe uma indústria do embaralhamento cognitivo e
a mídia cai nela direto. Entre 100 cientistas tem menos de 3 com alguma dúvida
sobre o aquecimento global, gente sem nenhum expressão, sem qualquer trabalho,
sem credencial ou publicação e que acabam tendo mais de 50% do espaço da
imprensa. E muitos deles são financiados por interesses escusos.
Mas tem precedentes?
Antonio Donato Nobre – Esse é um processo que já
aconteceu na indústria do tabaco, por 50 anos essa indústria fez esse
embaralhamento cognitivo, e dos anos 90 para cá a industria do carvão, do
petróleo e no nosso caso da desmatamento faz a mesma coisa. O que é triste
disto tudo é que a questão do tabaco já se resolveu, em diversos países já se
percebeu que isso não afeta só a saúde como a economia. Esse nível de
intolerância com algo que já foi demonstrado pela ciência sendo danoso deveria
ser adotado em relação ao desmatamento, a queimada e a fuligem tem que ser
parado hoje, não há mais tempo.
A mídia está na zona de conforto ou participa
disto?
A.D.N. – Uma coisa é certa: não dá mais para ficar
alimentando esse embaralhamento cognitivo, não tem mais tempo, é preciso dizer
e prestar atenção na verdade. Isso eu digo para a imprensa olhos nos olhos,
chega disto! E foi o motivo que mudei a linguagem do relatório, agora é para o
cidadão, isso vai impactar inclusive a imprensa, num curto circuito. Se a
imprensa está participando deste jogo cognitivo, para que eu vou entrar neste
jogo ? Se gasta uma energia enorme e sem resultados.
Como você notou isso ?
A.D.N. – Eu tenho evidências, mostro a imagem de satélite,
vários dados e estudos e vem um sujeito e diz “eu não acredito em nada disto” e
a imprensa dá uma quilometragem imensa para isso. O grande exemplo é o Jô
Soares, recebe o cara que nunca publicou um só trabalho para comentar o assunto
e quem é sério, que trabalha e pesquisa isso a vida inteira, não consegue
espaço. E depois temos que ficar explicando por três meses para a imprensa as
mesmas coisas, na tentativa de desdizer o que o fulano disse no programa.
Poxa, você vai na internet, pesquisa o cara e vê que ele tem ligações com
pessoas e empresas que tem interesse no desmatamento, é ligado às indústrias
poluentes que estão presentes no Brasil. Assim fica muito difícil, muito”.
[Depois desta entrevista, concedida no dia 07 de
novembro, o cientista foi obrigado a tirar alguns dias de descanso tal seu
desgaste, principalmente provocado pela imprensa, que o assediava
permanentemente com questionamentos cuja as respostas estavam todas no
relatório. Em tempo, Nobre já passou por quatro cirurgias no coração, teve um
AVC, malária e entre outras doenças tropicais. Em apenas uma hora, mais de 10
veículos de comunicação lhe contataram via telefone e ele recebeu ainda duas
equipes de reportagem.]
* Júlio Ottoboni é jornalista diploma e
pós graduado em jornalismo científico.
Fonte: Observatório de Imprensa
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